"A necessidade de aprovação de obras na assembleia de condomínio -
exceto as urgentes"
São Paulo, 08 de Março de 2.019.
Apenas um tipo de obra não necessita de aprovação na
assembleia de condomínio: são as obras urgentes.
Todavia, para que o termo 'urgentes' não pareça algo que
saiu apenas da cabeça do síndico, sugiro sempre que ele se ampare de forma técnica
e fundamentada, preferencialmente através de um (ou mais) laudo de engenheiro
civil, para que o profissional ratifique a sua real necessidade.
Posteriormente deve o síndico levar o assunto para ratificação
em assembleia, demonstrando que o caso era tão urgente que não era possível
aguardar a realização de uma assembleia.
É importante ter uma visão próxima à da administração
pública quando se lida com o dinheiro dos outros. Há de se portar de forma
conservadora quando o assunto é a utilização do dinheiro de terceiros,
utilizando-se também de princípios e práticas privadas de governança
corporativa e compliance. Há
condomínios que criam essas regras e obrigam o síndico a segui-las quando é
eleito.
Por isso o ideal é sempre que possível solicitar no
mínimo 03 (três) orçamentos antes de qualquer tipo de contratação, além de,
obviamente, pedir a um advogado que além de analisar o contrato e inserir
cláusulas que garanta ao condomínio um mínimo de equilíbrio nessa relação
jurídica, também faça uma pesquisa sobre a empresa nos sites abertos de busca,
especialmente do Poder Judiciário e da Administração Pública, inclusive dos
sócios da empresa, para confirmar que a empresa é idônea, além de aprovar em
assembleia a respectiva obra.
A seguir passo a tratar de cada uma das situações
tratadas pelo Código Civil quando o assunto são as obras no condomínio.
Das Obras Voluptuárias
O Código Civil dispõe em seu artigo 1.341, inciso I, que:
"Art.
1.341 - A realização de obras no condomínio depende:
I
- se voluptuárias, de voto de dois terços dos condôminos;"
"Art. 1.342. A realização de obras, em partes
comuns, em acréscimo às já existentes, a fim de lhes facilitar ou aumentar a
utilização, depende da aprovação de dois terços dos votos dos condôminos, não
sendo permitidas construções, nas partes comuns, suscetíveis de prejudicar a
utilização, por qualquer dos condôminos, das partes próprias, ou comuns." - sem
grifos no original.
E o que são obras voluptuárias? O próprio Código Civil
traz a respectiva definição, explicando que:
"Art.
96 - As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias.
§1º.
São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual
do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor."
Portanto, se o síndico resolve por conta própria fazer
obras no condomínio sem aprovação da assembleia e sem observar o quórum
legal especificado em lei, pode ter que arcar com as consequências de seu ato
unilateral.
Não podemos esquecer que o síndico não é o dono do
condomínio. É um mandatário que deve observar as regras legais que lhe impõem
zelar pelo patrimônio do condomínio enquanto estiver no cargo. Qualquer ato que
extrapole as permissões a ele concedidas pelas leis em vigor, pela convenção e
pelas decisões das assembleias são passíveis de responsabilização, inclusive de
ter que devolver ao condomínio o valor gasto indevidamente.
É o caso de determinado condomínio onde o síndico resolveu
construir uma churrasqueira. Assim entendeu o Egrégio Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, nos autos da Apelação Cível n.º 1000662-49.2015.8.26.0477,
da 35ª Câmara de Direito Privado, julgada em 28/05/2018, cujo Relator foi o
Des. Morais Pucci:
"CONDOMÍNIO.
Ação demolitória ajuizada pelo condômino. Construção de churrasqueira e
respectiva cobertura no corredor do pavimento térreo. Alegação do condômino que
a obra traz prejuízos à sua unidade autônoma localizada no 1º andar e não
houve a aprovação de 2/3 dos condôminos para realização da obra. Sentença
de procedência. Apelação do condomínio réu. Cerceamento de defesa não
caracterizado. Perícia desnecessária, na hipótese. Obras em acréscimo a fim de
aumentar a utilização da área comum que exigiriam aprovação de 2/3 dos
condôminos. Ausência de quórum qualificado que justifica a procedência do
pedido de demolição da obra. Recurso não provido." - sem grifos
no original.
Constou desse r. acórdão que:
"A r. sentença proferida às f. 169/171, destes autos
de ação demolitória movida pelo condômino, MILTON VERSOLATO, em relação ao
CONDOMÍNIO EDIFÍCIO HENRY, julgou procedente o pedido para determinar ao
requerido a demolição da churrasqueira e respectivo abrigo, sob pena de
multa diária e responsabilização criminal do síndico que o representar, em caso
de desobediência." - sem grifos no original
E ainda:
"(...) o legislador além de exigir a aprovação de
2/3 dos condôminos para a construção de obras em acréscimo na área comum, como
é o caso da construção da churrasqueira, veda a realização de obras que
possam prejudicar os condôminos na utilização de sua unidade autônoma."
Também é importante salientar que esses 2/3 (dois terços)
exigidos por lei não se limita aos presentes na assembleia, mas ao universo de
todos as unidades autônomas, ou seja, da totalidade das unidades, mesmo aquelas
não presentes em assembleia de condomínio, como já tive a oportunidade de discorrer a respeito.
Segundo lição de Francisco Eduardo Loureiro, extraída do
acórdão acima reproduzido, “a maioria
qualificada a que alude a lei é para aprovação da obra e não o quórum para
instalação da assembleia. Os dois terços se contam sobre o universo daqueles
aptos a votar, não somente dos presentes, excluídos, portanto, os
inadimplentes” (Código Civil Comentado/ Cezar Peluzo (coord) Barueri, SP:
Manole, 2007. p. 1.210)
Portanto, como nenhuma norma em vigor contém uma lista
taxativa sobre o que seria uma obra voluptuária, útil ou necessária, sugere-se
que antes de tomar a iniciativa de fazer do condomínio um canteiro de obras o
síndico sempre consulte um advogado para que lhe auxilie a entender o assunto
de forma técnica, através de um parecer.
Das Obras Úteis
Na sequência do artigo 1.341 temos as obras úteis,
definidas pelo §2º, do artigo 96, ambos do Código Civil:
"Art.
1.341 - A realização de obras no condomínio depende:
(...)
II
- se úteis, do voto da maioria dos condôminos;"
E o que são obras úteis?
"Art.
96 - (...)
§2º
- São úteis as que aumentem ou facilitam o uso do bem."
É o caso do síndico que acha importante fazer algumas
mudanças no salão de festas, para facilitar o uso do bem, embora não haja nada
de urgente nessas obras, ou seja, se elas não forem realizadas os moradores poderão
continuar a utilizar o salão de festas sem qualquer prejuízo:
"O
conceito de benfeitorias úteis é negativo: são as que não se enquadram na
categoria de necessárias, mas aumentam objetivamente o valor do bem. São
aquelas que se poderia ter prescindido, mas que aumentam o valor do imóvel
(...). Para o Código Civil brasileiro são úteis as benfeitorias que aumentem ou
facilitam o uso do bem." - Carlos Roberto Gonçalves, in Direito das Coisas, 9ª
edição, Saraiva, 2014, pg. 214.
Confira o julgado abaixo:
"CONDOMÍNIO.
AÇÃO ANULATÓRIA DE ASSEMBLEIA. PLAYGROUND. ÁREA DE ENTRETENIMENTO INFANTIL
PREEXISTENTE. OBRAS DE MELHORIA. QUÓRUM. VOTAÇÃO PELA MAIORIA. 1. Não é
benfeitoria voluptuária, mas útil, a obra de reestruturação e melhoria do
playground de condomínio de grande porte e densidade de moradores, posto que
prevista na constituição de condomínio a área de entretenimento infantil, sendo
essencial não só a sua existência, como também o funcionamento satisfatório e
seguro dos equipamentos que o guarnecem. 2. Tratando-se de benfeitoria que
constitui melhoria útil é inexigível quórum especial, podendo a deliberação ser
tomada pela maioria dos condôminos ou dos presentes, em segunda convocação
(Código Civil, Art. 1.341, II, c.c Art. 1.353) Sentença reformada. Recurso provido
para julgar a ação improcedente. (Apelação n.º 1000294-04.2015.8.26.0004, Órgão
julgador 37ª Câmara Extraordinária de Direito Privado do E.TJSP, Relator Des.
Felipe Ferreira, Dje 08/01/2018).
Das Obras Necessárias
No próprio Art. 1.341 do Código Civil há disposição sobre
as denominadas 'obras necessárias' (sem grifos no original):
"Art. 1.341. A realização de obras no condomínio
depende:
§ 1o As obras ou reparações necessárias
podem ser realizadas, independentemente de autorização, pelo síndico, ou, em
caso de omissão ou impedimento deste, por qualquer condômino.
§ 2o Se as obras ou reparos
necessários forem urgentes e importarem em despesas excessivas,
determinada sua realização, o síndico ou o condômino que tomou a iniciativa
delas dará ciência à assembleia, que deverá ser convocada
imediatamente.
§ 3o Não
sendo urgentes, as obras ou reparos necessários, que importarem em despesas
excessivas, somente poderão ser efetuadas após autorização da assembleia,
especialmente convocada pelo síndico, ou, em caso de omissão ou impedimento
deste, por qualquer dos condôminos."
E o artigo 96 do Código Civil define as obras
necessárias:
"Art. 96. (...)
Foi por isso que logo no início desse texto sugeri que o
síndico sempre tenha o amparo de um engenheiro civil, se possível mais que um,
para garantir que a obra é urgente, pois o síndico não é necessariamente
técnico e deve sempre se amparar em posição fundamentada para que amanhã não
sofra as consequências de um ato unilateral.
O quórum para obras necessárias é o da maioria dos
condôminos em assembleia e recomendo a leitura do início desse texto, onde
delas tratei de forma mais esmiuçada.
Da Legislação em São Paulo
Quando se trata de tratamento das fissuras e pintura das
fachadas de edifício cada condomínio deve verificar também a legislação
municipal para saber se há alguma obrigatoriedade estipulada em lei ou código
de obras específico. No município de São Paulo, por exemplo, está em vigor a
Lei n.º 10.518/88 e o Decreto 33.008/1993 que exigem a manutenção a cada 05
(cinco) anos, sob pena de aplicação de multa.
Da Legislação em São Bernardo do
Campo
Em São Bernardo do Campo o artigo 17 do Código de
Posturas (Lei 4.974/2001) determina que "Os proprietários, possuidores ou
ocupantes de edificações devem conservar, em perfeito estado de asseio, os
quintais, pátios e fachadas destas". E os artigos 382 e seguintes, além do
Anexo I, estipulam a possibilidade de aplicação de penalidades e multas, que
segundo o Anexo seria de R$ 100,00 (cem reais) para a infração ao artigo 17 -
valor que a municipalidade provavelmente deve ter alterado, mas que não se
consegue localizar em local visível.
Assim, se a municipalidade entender que o condomínio não
está em perfeito "estado de asseio", poderá ele
sofrer multa conforme previsto também no artigo 154, do Decreto n.º
13.500/2001, que regulamentou o Código de Posturas.
Note, portanto, que há uma subjetividade no termo 'estado
de asseio', também não havendo clareza sobre qual seria o valor atualizado de
eventual multa. Na dúvida o que se sugere é que o condomínio realize assim que
possível a reforma e/ou manutenção das fachadas, até porque isso evita
infiltrações e danos ainda maiores, como ter que indenizar unidades que venham
a ser prejudicadas pela falta de manutenção, ou seja, a manutenção das fachadas
é interesse do próprio condomínio
Mas no caso de lavratura de algum auto de infração a
qualquer condomínio, seja lá em qual município for, devem ser observadas as
normas preconizadas na lei para casos que envolvem a administração pública.
Portanto, o condomínio terá direito a se defender, observando-se o
contraditório, legalidade, devido processo legal e ampla defesa, antes da
imposição de alguma multa, para que possa se adequar em tempo razoável,
observando-se as regras legais de cada municipalidade.
Há de se observar, todavia, que o §2º, do artigo 382, da
Lei n.º 4.974/2001 de São Bernardo, permite a aplicação direta de multa quando
a falta de regularização possibilita risco à saúde ou à segurança pública.
Alguns síndicos me questionam sobre a necessidade de
realização de obras necessárias, como manutenção e pintura das fachadas, mas
que quando são levadas para discussão e aprovação em assembleia não são
aprovadas pelos moradores. Muitas vezes a questão está mais na dificuldade de
comunicação do síndico ou da administradora em demonstrar a necessidade da
obra.
Não basta apenas levar o assunto para discussão e
apresentar os orçamentos, que normalmente são muito caros e assustam os
moradores, pois isso implicará rateio extraordinário. É importante que o
síndico demonstre o que já gastou com a não realização de determinadas obras
(como infiltração e indenização a unidades, por exemplo), leve um engenheiro
para demonstrar as irregularidades, pois o técnico terá mais conhecimento que o
síndico, além de apresentar gráficos e dados com valores que consigam
sensibilizar os moradores para a manutenção de seu próprio bem.
Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186
É advogado
atuando majoritariamente na esfera condominial. Especialista em direito
tributário na PUC/SP / Cogeae. Foi Ouvidor da AASP - Associação dos Advogados
de São Paulo e foi Relator da 20ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da
OAB/SP. Bacharel em Filosofia.
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