sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Li 100 livros em 2018. E você, leu o quanto queria?


São Paulo, 14 de Dezembro de 2.018.

Foi um ano profícuo em leituras! Essa era mesmo a meta: chegar aos 100 livros lidos no presente ano de 2018. Nada de Condomínios! Dessa vez vou escrever sobre alguns dos livros que li.

Li de tudo um pouco: direito, filosofia, política, economia, ciência social, romance, poesia, biografia, jornalismo, teatro, saúde, depoimentos, enfim, uma variedade para todos os gostos, desde coisas sérias até frivolidades.

Vou mencionar 5 livros que recomendaria que você tentasse ler no próximo ano. Os 3 primeiros são livros sérios, que conseguem trabalhar com teses nem sempre hegemônicas, mas que nos fazem refletir, deixando para você pesquisar por aí a respectiva sinopse. Não é necessário concordar com os autores, mas vale conhecer sua lógica. Já os 2 últimos são para começar o ano com vontade de ler.

1º. Valsa Brasileira, de Laura Carvalho - Sabe esses 'apertos econômicos' e arrochos que sempre vão afetar o bolso do mais fraco e dizem que são imprescindíveis? Então, a Laura mostra que a coisa não é bem assim, e a Miriam Leitão que nos desculpe.

2º. A Elite do Atraso, de Jessé de Souza - O maior problema do Brasil é a corrupção, correto? Pois é, my friend! 'Há mais coisas entre o céu e a terra do que imagina a nossa vã filosofia' - como diria o tio Shakespeare. Nessa obra ele tenta suplantar inclusive Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro. Serve para conhecer um pouco mais o Brasil.

3º. A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, de Friedrich Engels - Cara, que livro! Realmente me deixou impressionado porque é um relato histórico de 1845 que infelizmente lhe permite fazer diversos parâmetros com a situação do mundo ainda hoje, em plena era da informação. Mas leia a edição com a tradução de B. A. Schumann, da Editora Boitempo.

4º. Città di Roma, de Zélia Gattai - É um livro de memórias, escrito daquela forma delicada que só a Zélia sabia escrever, contando um pouco mais da família anarquista, do Brasil do começo do século passado (quando criança ela morava com a família numa casa da Al. Santos, perto da Rua da Consolação - agora quando passo lá fico tentando imaginar onde ela morava), um livro leve para as férias que se avizinham e para que você se sinta estimulada a ler.

5º. A Sangue Frio, de Truman Capote - Um relato jornalístico com umas pitadas de literatura (?!) que mais parece um filme de aventura, daqueles que quando você percebe já terminaram, contando a história real de uma família cruelmente assassinada nos Estados Unidos. Onde mais?

Mas se você quiser outras dicas, também li "Carcereiros" e "Prisioneiras"
, ambos do Drauzio Varella, sendo que gostei muito do segundo, que conta como foi criada aquela organização criminosa tão conhecida em São Paulo. "Navegação de Cabotagem", do Jorge Amado, me fez rir muito e é também um livro de memórias, onde ele conta as pegadinhas que fazia aos amigos, suas histórias pelo mundo, sem medo de falar palavrões o livro todo. "A Amiga Genial", de Elena Ferrante (a escritora que ninguém sabe quem é) é tão bom que virou uma série italiana da Netflix, ops! Digo, HBO. "Os últimos soldados da Guerra Fria", do jornalista Fernando Morais, conta a história dos espiões mandados por Cuba, com seus parcos recursos, à Flórida, num estilo James Bond. "A vida não é justa", da juíza Andréa Pachá, mostra que não basta ser um operador do direito, há também que se conhecer um pouco da psicologia humana. São histórias de audiências da Vara de Família, sem necessidade de conhecimento técnico para a leitura.

Qualquer um desses livros acima também é diversão garantida e com certeza lhe será mais proveito do que passar horas e horas em redes sociais e grupos que não fazem sentido algum - a vida vai sendo roubada sem nos darmos conta.

No próximo ano retorno com temas relativos ao direito condominial. Aproveito para desejar boas festas e que o próximo ano seja melhor do que esse que está terminando.

Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Posso estacionar a motocicleta e o meu automóvel na mesma vaga da garagem do condomínio?



São Paulo, 22 de Novembro de 2.018.

Uma dúvida que muitas vezes surge nos condomínios é se dentro da vaga demarcada para o estacionamento de um veículo pode o morador estacionar, além do automóvel, também a motocicleta, ou seja, dois veículos na mesma vaga, desde que não ultrapassem a faixa e não atrapalhem os demais moradores.

Mas por qual motivo um síndico não deixaria um morador estacionar dentro da linha demarcada, numa vaga enorme, que cabe um elefante - Não! Cabem dois elefantes! - o automóvel e a respectiva motocicleta? Seria porque a convenção diz que somente pode ser estacionado um veículo por vaga? Não seria possível em determinadas situações deixar o legalismo de lado?

Em alguns casos, além de proibir o uso da vaga para a motocicleta e o automóvel, ainda por cima são aplicadas multas, que depois são ratificadas em assembleias raivosas, daquelas que mais um pouco virariam um filme de Tarantino, para que, não restando alternativa, o suposto infrator bata às portas do Poder Judiciário para anulá-las, quando o juiz então afastará a aplicação da Convenção de Condomínio, sopesando quem preponderará nesse caso, se a Convenção ou o Direito de Propriedade, prevalecendo em muitas situações este último.

Sim! A Convenção de Condomínio é a norma máxima que deve vigorar dentro do condomínio, mas lembremos que ela não possui validade alguma, ou ao menos é relativizada, quando se demonstra em choque com alguma outra norma que está em vigor, como por exemplo, o direito de propriedade. Estamos diante do campo da interpretação do direito, seara nebulosa que somente os operadores do direito conseguirão desvendar.

A Convenção de Condomínio  não pode ser aplicada de forma literal, sem considerar os fatores da vida em comum existentes na sociedade, especialmente numa grande cidade com péssima qualidade de transporte público, onde as pessoas perdem o precioso tempo de suas vidas no trânsito engarrafado (imagine só se uma ponte é interditada!), onde cada vez mais a motocicleta diminui o tempo de locomoção, e quando se constata que estamos tratando daqueles casos em que a vaga é suficientemente grande para abrigar o automóvel e a motocicleta sem incomodar ninguém, ou seja, o espaço físico continuaria a ser respeitado.

Mas, como bom senso também é algo que possui um grau de subjetividade muito grande, como cada condomínio possui normas convencionais diferentes, como o tamanho das vagas também é muito distinto em cada caso, como hoje há automóveis enormes que mal cabem numa única vaga, tudo isso é motivo de... interpretação!

E quando isso ocorre, temos decisões para todos os gostos, sendo que reproduzirei algumas delas a seguir, todas do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Favoráveis às motocicletas junto com um automóvel:

“É preciso entender o seguinte: as diversas normas restritivas das Convenções de condomínio, em verdade, apenas explicitam e detalham os deveres de vizinhança entre os condôminos, preservando, via de regra, os quatro valores eleitos pelo legislador (sossego, saúde, segurança e bons costumes). (...) É óbvio que a impossibilidade de se estacionar mais de um automóvel em cada vaga decorre de impossibilidade meramente física, a menos que se invada outras vagas ou área comum, o que certamente causaria incômodo aos demais condôminos, não sendo esta, entretanto, a situação daqueles sorteados que se utilizam de vagas acidentalmente maiores para guardar dois veículos. (...)” (Apelação nº 0007753-78.2012.8.26.0554 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Relator Desembargador Alexandre Bucci j. 21/10/2014). - sem grifos no original.

"RESTRIÇÃO DO USO DE GARAGEM. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. Pretensão de declaração de nulidade de cláusula do Regulamento Interno do condomínio. Vaga de garagem. Unidade autônoma. Inteligência do art. 19 da Lei nº 4.591/64. Necessidade de quórum especial para discutir e deliberar em Assembleia sobre a matéria. Interpretação da cláusula que deve ser mitigada em atenção ao direito de propriedade. Recurso desprovido." (TJSP;  Apelação 1026148-03.2014.8.26.0564; Relator (a): Dimas Rubens Fonseca; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 24/04/2017; Data de Registro: 24/04/2017). - sem grifos no original.

“Condomínio. Ação declaratória de nulidade da multa imposta cumulada com pedido de restituição de valores pagos e indenização por danos materiais e morais. Improcedência. Utilização do box da garagem, por anos, para guarda de um automóvel e de uma motocicleta. Convenção que não obriga a guarda da motocicleta em outro local e não deve ser interpretada de forma literal, de forma a não restringir o direito de propriedade e de uso da garagem. Direito de utilização do box para a guarda do veículo e da motocicleta, uma vez demonstrada a garantia do direito dos demais condôminos. Limite físico de espaço respeitado. Nulidade da multa imposta reconhecida. Necessidade de devolução do valor pago acrescido dos consectários legais. Valor despendido para a guarda da motocicleta em garagem particular. Cabimento do ressarcimento, em decorrência do impedimento, ora reputado irregular. Dano moral. Meros dissabores, aborrecimentos, irritação ou sensibilidade exacerbada não traduzem padecimento moral indenizável. Recurso parcialmente provido.” (Apelação nº 1002869-48.2015.8.26.0565 28ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Relator Desembargador Cesar Lacerda j. 03/11/2016). - sem grifos no original.

"APELAÇÃO. Condomínio. Ação declaratória de inexistência de débito cumulada com pedido de indenização por dano moral e com pedido de tutela antecipada. Sentença de parcial procedência. Utilização de garagem por condômino para estacionar mais de um veículo. Imposição de multa. Interpretação das proibições condominiais em conformidade com o direito de propriedade do condômino. Não demonstração pelo réu da existência de espaço próprio para a guarda de motocicletas. Ausência de comprovação do desrespeito do apelado em relação ao espaço físico da garagem. Reconhecimento do direito de propriedade. Ilegalidade da multa. Declaração de inexigibilidade que deve ser mantida. Sentença mantida. Apelação desprovida." (TJSP;  Apelação 0023986-76.2012.8.26.0223; Relator (a): Carlos Dias Motta; Órgão Julgador: 29ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarujá - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/03/2017; Data de Registro: 03/04/2017). - sem grifos no original.

Contrárias:

"em>Condomínio. Ação anulatória e cominatória acerca da ocupação de duas motocicletas em uma vaga de garagem. Sentença de procedência. Vagas de garagem determinadas por sorteio. Espaço utilizado para duas motocicletas. Alegação de violação do Regulamento Interno. Vedação expressa no Regulamento Interno. Artigos 27 e 35 são complementares. Interesse coletivo. Não cabimento. Recurso provido. A vaga foi destinada ao autor por sorteio, vinculada à unidade, e o autor pretende estacionar duas motocicletas, sob o argumento de que não há desrespeito à demarcação nem interferência nos direitos dos demais condôminos. Contudo, tem-se a previsão de duas vagas por unidade, destinadas ao uso de veículos de passeio, incluídas na área comum de cada unidade com disposição expressa no Regulamento que veda o uso de mais de um veículo por vaga, nos termos do art. 27, que se coaduna com a regra do art. 35, que trata somente das espécies de veículos e da demarcação. Trata-se de ambiente comum de moradia, sendo que o Regulamento visa prevenir atritos, indefinições e polêmicas, prevalecendo, assim, o interesse coletivo. (TJSP;  Apelação 1083283-02.2017.8.26.0100; Relator (a): Kioitsi Chicuta; Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 09/08/2018; Data de Registro: 09/08/2018). - sem grifos no original.

“CONDOMÍNIO EDILÍCIO VAGA DE GARAGEM - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. INDENIZATÓRIA PRETENSÃO DOS AUTORES VISANDO À AUTORIZAÇÃO JUDICIAL DE ESTACIONAR DOIS VEÍCULOS EM UMA VAGA - EM RESPEITO À CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO, CABE AO TITULAR O DIREITO DE GUARDAR UM ÚNICO VEÍCULO EM SUA VAGA DE GARAGEM, MESMO QUE AS DIMENSÕES PERMITAM MAIS DE UM VEÍCULO - SENTENÇA REFORMADA RECURSO DO RÉU PROVIDO. Havendo disposição expressa a respeito na convenção de condomínio, cabe ao titular o direito de guardar um único veículo em sua vaga de garagem, mesmo que as dimensões permitam mais de um veículo. Demais, de acordo com a própria escritura de compra e venda da unidade imobiliária, ao imóvel corresponde somente uma vaga na garagem do edifício, sendo que a autorização de estacionar dois veículos em cada vaga constituiu ato de mera tolerância, que não gera direito algum” (TJSP; Apelação 0051834-40.2003.8.26.0001; Relator (a): Paulo Ayrosa; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional I - Santana - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/02/2016; Data de Registro: 16/02/2016). - sem grifos no original.

“OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO OCORRÊNCIA. VAGAS DE GARAGEM. DOIS VEÍCULOS. MESMO CONDÔMINO. Insurgência contra sentença de improcedência. Sentença reformada. Não é nula sentença que fundamenta de modo suficiente as razões de convencimento (art. 93, IX, CF; arts. 165, 458, CPC). Prova pericial desnecessária na hipótese, de tal sorte que sua ausência não gera nulidade. Tendo sido deliberada em assembleia condominial a utilização de apenas um veículo por garagem, a ata produz todos os efeitos, vinculando os condôminos, até que seja desconstituída. Recurso do autor provido, desprovida a apelação adesiva da ré” (TJSP; Apelação 0210795-05.2005.8.26.0100; Relator (a): Carlos Alberto de Salles; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/10/2015; Data de Registro: 22/10/2015). - sem grifos no original.

Bicicleta:

Há também um caso interessante, ainda que julgado provisoriamente num Agravo de Instrumento, que envolve bicicleta, e merece ser reproduzido a título de curiosidade:

"VOTO Nº 31.126 Multa condominial. Ação declaratória de inexigibilidade de débito cumulada com obrigação de fazer. Hipótese em que o Regimento Interno do condomínio permite apenas que uma motocicleta e um carro de passeio sejam acomodados na mesma vaga de garagem, bem como prevê que, para o alojamento de bicicletas, o condomínio disponibilizará um local determinado. Considerando que o bicicletário ainda está sendo construído e que uma bicicleta possui medida menor do que a de uma motocicleta, razoável, nesta oportunidade, autorizar a agravante a guardar a sua bicicleta junto com o seu veículo de passeio na vaga de garagem, desde que não seja ultrapassada a demarcação. A discussão judicial da multa, fundada em argumentos consistentes, é hábil a suspender a sua exigibilidade, desde que o valor do débito atualizado seja depositado em juízo. Recurso parcialmente provido. (TJSP;  Agravo de Instrumento 2045077-71.2018.8.26.0000; Relator (a): Gomes Varjão; Órgão Julgador: 34ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas - 1ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 22/05/2018; Data de Registro: 22/05/2018). - sem grifos no original.

Portanto, o que recomendo nessas situações é que se tenha bom senso, pois se a vaga de garagem possui tamanho que dá e sobra para estacionar o automóvel e uma motocicleta, não faz sentido a proibição.

Perceba-se que para um juiz chegar à conclusão de que deve-se permitir um automóvel e uma motocicleta numa mesma vaga, ele foi convencido de que a soma da fração ideal a que o condômino tem direito, considerando a área individual e a área comum, constituem-se como seu direito de propriedade, e que, portanto, somente em situações específicas pode ser restringido.

Por outro lado, se estamos diante daquelas vagas minúsculas, que permitem apenas o estacionamento de um veículo de porte médio, evidentemente que esses automóveis enormes dos dias atuais não podem ser estacionados no condomínio, pois o respeito à demarcação da vaga deve ser observado para que não se cause transtorno aos demais moradores.

Ah! Bom lembrar que armário não é veículo, portanto os demais bens materiais (exceto quando há previsão na Convenção de Condomínio) não podem ali ser deixados em hipótese alguma.

Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Airbnb em Condomínios



São Paulo, 1º de Outubro de 2.018.
Atualizado em 19 de Fevereiro de 2.020.

Longe de ser um obscurantista digital, o fato é que defendo o direito ao trabalho e a dignidade humana em primeiro lugar. Mas sobre isso discorrerei ao final do texto, quando esse preâmbulo ficará mais claro.

As questões que se colocam em vários condomínios hoje são: "O que fazer com moradores que utilizam-se do aplicativo Airbnb e assemelhados em condomínios residenciais?"; "Isso é permitido?"; "Podem ser multados?"; "Como fica o direito de propriedade do detentor do domínio do imóvel?"

As discussões ganham cunho passional quando de um lado temos moradores mais antigos, alheios às inovações tecnológicas, diante dos mais novos, entusiastas extremados delas.

Na esfera jurídica temos de um lado os defensores do Airbnb, para quem deve-se respeitar o direito de propriedade, além do fato de que o aplicativo teria características de locação; e de outro os contrários ao Airbnb, para quem o direito de propriedade não é ilimitado, devendo-se cumprir a função social do imóvel, sem contar que o Airbnb não seria uma locação, mas hospedagem.

Nessa seara jurídica eu me coloco dentre os contrários, pois entendo que o Airbnb não é uma locação, mas, de fato, contém características de hospedagem, que no direito pátrio segue regramento próprio, que não se confunde com o da Lei de Locações, Lei n.º 8.245/91. E tal conclusão se extrai do próprio regramento do Airbnb, que trata a relação jurídica como sendo de 'hospedagem', tratando o ato que antecede a cessão do espaço para a 'estadia' como sendo uma 'reserva', todas questões previstas nos Termos de Serviço do site do Airbnb, atualizado até 16/04/2018.

A própria concorrência daqueles que fazem suas 'reservas' para uso do Airbnb não é com os locadores de imóveis, mas com os hotéis, as hospedarias, as pousadas e assemelhados, fato que, por si, evidencia que, se estamos diante de uma 'hospedagem', aplicam-se as regras a ela inerentes, sejam elas tributárias, trabalhistas e comerciais, não se podendo cogitar que à hospedagem se apliquem as regras de locação.

E se estamos diante de uma hospedagem, estamos diante de uma atividade comercial que não é permitida em condomínios residenciais, pois isso alteraria a destinação da unidade condominial, como tratei no texto anterior, abstendo-me de repetir os esclarecimentos ali prestados.

Portanto, o que fazer diante desse cenário que se apresenta? Minha sugestão é levar o assunto para deliberação em uma assembleia de condomínio, para que os moradores possam debater os prós e contras da utilização desse aplicativo, pois embora eu seja contra, não posso ignorar que estamos num cenário dividido.

É bom dizer, inclusive, que mesmo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - TJSP, nem sempre respeita decisões das assembleias que proíbem o Airbnb. Veja alguns julgados bem recentes, com posições contra e favoráveis:

1001165-97.2017.8.26.0510   
Classe/Assunto: Apelação / Condomínio em Edifício
Relator(a): Mario A. Silveira
Comarca: Rio Claro
Órgão julgador: 33ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 27/08/2018
Data de publicação: 31/08/2018
Data de registro: 31/08/2018
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL – Interposição contra sentença que julgou procedente ação de obrigação de não fazer e improcedente a ação ordinária conexa. Imóvel residencial que passou a ser oferecido para locação por meio do site airbnb.com.br. Situação que se assemelha à hotelaria e hospedaria. Característica não residencial. Observação da cláusula quarta, parágrafo único, da Convenção do Condomínio, e do artigo 1.336, IV, do Código Civil. Honorários advocatícios majorados, nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015. Sentença mantida. 

2114141-71.2018.8.26.0000   
Classe/Assunto: Agravo de Instrumento / Despesas Condominiais
Relator(a): Gilberto Leme
Comarca: São Paulo
Órgão julgador: 35ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 15/08/2018
Data de publicação: 15/08/2018
Data de registro: 15/08/2018
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONDOMÍNIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. TUTELA DE URGÊNCIA PARA PERMITIR A LOCAÇÃO DE UNIDADE CONDOMINIAL POR TEMPORADA A VIAJANTES. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE EVIDENCIEM A PROBABILIDADE DO DIREITO. ART. 300 DO NOVO CPC. Convenção Condominial e Regulamento Interno que demonstram a finalidade estritamente residencial do edifício, o que é confirmado em assembleia de condôminos ao proibir a locação de unidade condominial mediante uso de aplicativos tal como "Airbnb" e assemelhados, que visam à divulgação de hotéis e hospedagem. Ausência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito, um dos requisitos para a concessão da tutela de urgência (art. 300 do novo CPC). Recurso provido. 

2118946-67.2018.8.26.0000   
Classe/Assunto: Agravo de Instrumento / Condomínio em Edifício
Relator(a): Maria Lúcia Pizzotti
Comarca: São Paulo
Órgão julgador: 30ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 08/08/2018
Data de publicação: 09/08/2018
Data de registro: 09/08/2018
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ASSEMBLEIA CONDOMINIAL – OBRIGAÇÃO DE FAZER - TUTELA ANTECIPADA – PLATAFORMA "AIRBNB" – DECISÃO DA ASSEMBLEIA CONDOMINAL INEFICAZ – ART. 1351 CC - Não há na Convenção do Condomínio regra expressa que vede a locação da unidade para temporada, tampouco de utilização da plataforma "Airbnb", facilidade tecnológica recente; - O artigo 1.351 do Código Civil prevê que a alteração da convenção do condomínio depende de aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos. Por outro lado, a própria convenção prevê um quórum ainda mais qualificado, de ¾ (três quartos) dos votos para alteração da convenção; - Decisão tomada por 17 das 59 unidades de proibir o uso da plataforma Airbnb no Condomínio não cumpre os requisitos legais – decisão ineficaz, cujos efeitos devem ser suspensos até decisão final de mérito. RECURSO IMPROVIDO

1065850-40.2017.8.26.0114   
Classe/Assunto: Apelação / Assembléia
Relator(a): Milton Carvalho
Comarca: Campinas
Órgão julgador: 36ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 12/07/2018
Data de publicação: 12/07/2018
Data de registro: 12/07/2018
Ementa: AÇÃO ANULATÓRIA DE DECISÃO ASSEMBLEAR E DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. Assembleia condominial que, por maioria, deliberou proibir a locação por temporada. Restrição ao direito de propriedade. Matéria que deve ser versada na convenção do condomínio. Ocupação do imóvel por pessoas distintas, em espaços curtos de tempo (Airbnb) que não descaracteriza a destinação residencial do condomínio. Precedentes. Recurso desprovido.

Como se percebe, o Poder Judiciário não oferece segurança jurídica aos síndicos e usuários do Airbnb, pois como o assunto é relativamente novo, a jurisprudência ainda não está consolidada e cada juiz interpreta a questão de acordo com suas convicções jurídicas.

Penso, ainda assim, com o devido respeito aos desembargadores dos julgados mencionados, que a assembleia ainda é o melhor local para esse debate. É o momento de proibir ou autorizar e, nesse último caso, criar as respectivas regras sobre a entrada no imóvel, respeito à Convenção, aplicação de multas, etc.

Também não se pode ignorar as questões de segurança envolvidas, motivo pelo qual, independentemente de se tratar de uma locação, através de um contrato remetido por uma imobiliária de imóveis, ou mesmo pelo aplicativo Airbnb, devem os condomínios se cercar de formas para minimizar as chances de estranhos causarem danos ao condôminos e áreas comuns, sugerindo-se que a cada nova locação ou hospedagem seja realizado um cadastro, além de serem fornecidos cópias da convenção, regulamento interno, advertindo e multando o responsável pela unidade autônoma em caso de infrações às regras em vigor, além de se criar regras para as duas situações.

É oportuno trazer um recentíssimo julgado reconhecendo a relação de consumo entre o usuário do Airbnb e essa plataforma, fato que traz profundos impactos nessa relação jurídica, pois evidencia que ela se aproxima mais de uma hospedagem do que de uma locação, já que não há relação de consumo nas locações de imóveis, como entende o Superior Tribunal de Justiça - STJ:

 
1009888-93.2017.8.26.0320   
Classe/Assunto: Apelação / Responsabilidade Civil
Relator(a): Lino Machado
Comarca: Limeira
Órgão julgador: 30ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 25/07/2018
Data de publicação: 27/07/2018
Data de registro: 27/07/2018
Ementa: Apelação – Sítio eletrônico na internet que oferece hospedagens – Airbnb. Não há nulidade na sentença que está devidamente fundamentada e dotada dos demais requisitos legais para sua validade - Não há nulidade na oitiva de testemunhas residentes fora da Comarca perante a qual tramita o processo, por meio de videoconferência, o que é expressamente previsto no ordenamento jurídico (art. 453, § 1º, do CPC/2015) - Está a autora, na condição de consumidora, favorecida pela inversão do ônus da prova; incumbia, pois, à ré, demonstrar fato impeditivo, extintivo ou modificativo do direito da autora, sendo certo que todas as provas contidas no processo são consideradas para a formação da convicção do julgador - Ainda que o Airbnb não seja o efetivo anfitrião ou locador dos imóveis oferecidos, é dessa empresa que o consumidor busca a prestação do serviço que lhe garanta uma hospedagem tranquila, no local ali divulgado, pelo preço previamente ajustado, e com a garantia da empresa de que o consumidor não está sendo vítima de uma fraude ao aceitar se hospedar em um imóvel indicado na plataforma; logo, Airbnb responde, sim, por eventuais danos causados aos consumidores, incumbindo a ela, querendo, e se for o caso, buscar eventual reparação de danos causados por atos praticados por terceiros - Se o consumidor enfrentou problemas durante a hospedagem, a empresa ré tinha a obrigação de tomar as medidas necessárias para verificar o que estava ocorrendo com o hóspede, o qual contatou diretamente o anfitrião porque a própria Airbnb lhe deu essa opção para que dificuldades fossem solucionadas, em tese, de maneira mais rápida, em razão das alegadas milhões de hospedagens que a plataforma administra - O dano moral é evidente se não houve razoável atendimento à consumidora na busca pela solução do problema que ela encontrou durante a estadia - A quantificação do dano moral deve pautar-se pela razoabilidade, envolvendo-se o caráter repressivo de novas ofensas, por parte do agressor, e o caráter compensatório à vítima, levando-se em conta, ainda, a condição socioeconômica das partes e as circunstâncias do caso sob exame - Quanto aos danos materiais, de afastar-se a condenação quanto àqueles que não foram devidamente comprovados no curso do processo - Quanto à restituição da quantia paga, não se há de falar em devolução integral, uma vez que incontroverso que a hospedagem foi utilizada por um determinado período, devendo ser levado em conta, também, que mesmo esse período no qual o serviço foi prestado, a qualidade não foi adequada, razão pela qual razoável o abatimento proporcional do preço - De corrigir-se o valor utilizado na condenação para aquele que corresponde à quantia que realmente foi paga - Não há ilegalidade na utilização, autorizada, de cartão de crédito de terceiro para a realização do pagamento, prática comum, principalmente no Brasil - Ausente prejuízo, não há nulidade na juntada de novos documentos em grau de recurso - Não se há de falar em ausência de prejuízo pelo fato de a parte consumidora ter se programado para gastar um determinado valor antes mesmo dos contratempos, uma vez que esse foi um gasto programado para a hipótese de um serviço prestado da maneira prometida e não como aconteceu no caso concreto. Recurso provido em parte.

Outra decisão do STJ que merece comentário e ainda está em julgamento, com previsão para definição neste ano de 2.020, em sua 4ª Turma, mas que já contém um voto do relator, o  Ministro Luís Felipe Salomão, que entende que não se pode proibir as 'locações' via Airbnb e plataformas assemelhadas (Resp 1.819.075), é de um condomínio de Porto Alegre/RS, e poderá servir de parâmetro para os demais juízes e tribunais espalhados pelo país. 

Enquanto isso, em decisão de 13/02/2020, o MM. Juiz da 33ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, Dr. Douglas Iecco Ravacci, acatou os argumentos de um condominio e proibiu o Airbnb. Dentre as alegações do condomínio em sua defesa, consideradas pelo juiz, vale reproduzir o trecho abaixo:

"Tanto assim que segundo anúncios na internet há cobrança de taxa de limpeza e taxa de serviços. (...) Asseverou que a utilização do apartamento tem sido contínua e com reservas em sistema hoteleiro, com observações e horários para check in e check out, situação que também descaracteriza a locação para temporada." (Processo n.º 1031358-93.2019.8.26.0100).

Por fim, mas não menos importante, explico o preâmbulo desse texto, pois num mundo onde a automação e o desemprego são cada vez mais presentes, temos que pensar nas novas tecnologias vislumbrando qual o retorno social que elas nos trazem, a curto, médio e longo prazo, para que, embora não devamos ser obscurantistas digitais, ou jurássicos, como preferem alguns, tenhamos sensatez e consigamos perceber o contexto social em que vivemos, para que o uso exagerado dessas tecnologias não nos causem prejuízos.

Se o sujeito quer criar um aplicativo ou uma startup, bom pra ele. Daí a termos que aplaudir e nos resignar com tudo o que é novidade de forma ilimitada e sem um mínimo de senso crítico, daí já é outra coisa...

Os maiores beneficiários do uso do Airbnb são aqueles que cedem os imóveis para a hospedagem e os que nesses imóveis se hospedam. Os primeiros conseguem um bom dinheiro com esse negócio, enquanto os segundos fazem uma boa economia, deixando de utilizar hotéis, hospedarias, pousadas e assemelhados, que por sua vez, deixam de recolher os respectivos tributos e empregar pessoas.

Enfim, são os hotéis, hospedarias, pousadas e assemelhados que pagam tributos e oferecem milhares de empregos, havendo um evidente retorno social com o seu negócio, enquanto os benefícios dos usuários do Airbnb são restritos às partes contratantes, não havendo qualquer compensação social nessa relação jurídica. Isso sem contar sociedades que vivem exclusivamente do turismo e que sofrem enormemente com o uso indiscriminado em sem a devida regulação.

Não se pode esquecer que o capitalismo desenfreado causa crises como a de 2008, impondo-se regulações em prol de toda a sociedade, além do devido comedimento com as novas tecnologias e seus impactos.

Assim, diante de todo o impasse existente a minha sugestão é que os condomínios discutam o assunto em assembleia geral extraordinária especificamente convocada com tal finalidade, onde também já seriam discutidas as regras do 'regulamento interno' da locação por aplicativos e assemelhados a Airbnb, regras essas que os proprietários devem inserir na oferta do imóvel naquela plataforma (que permite isso), respeitando as normas internas de cada condomínio, bem como aprovando que eventuais descumprimentos de normas internas ensejarão aplicação de multas ao proprietário do imóvel.

Isso, acompanhado do cadastro dos usuários, previamente informados pelo proprietário do imóvel em acordo com as regras e procedimentos internos, minimizariam as desordens e preocupações com segurança, até porque os usuários de Airbnb também não querem ser pontuados como pessoas inaptas a usar o aplicativo em outra oportunidade, e isso é um ponto favorável ao condomínio, pois caberá ao proprietário do imóvel informar ao Airbnb os transtornos que eventualmente teve com determinado grupo de pessoas.

Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186
joelleitaoadvogado@gmail.com

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Barbeiro pelado e garota de programa no condomínio. Pode isso, Arnaldo?



São Paulo, 12 de Setembro de 2.018.

A notícia dizia: "Barbeiro de São Paulo corta cabelo pelado e, às vezes, rola algo mais". Noutro caso a moradora era garota de programa e utilizava o apartamento para a prestação de seus serviços. Meu olhar de advogado condominial imediatamente identificou que no caso da notícia o provável local do fato é um apartamento e que, portanto, é necessário verificar se está havendo o correto uso da unidade condominial em consonância com o que prevê a Convenção de Condomínio, ou seja, com a destinação ali prevista.

Sim, evidente que também nos deparamos com questões de ordem moral e normalmente elas também estão delimitadas na Convenção de Condomínio, embora suas regras sejam para as áreas comuns, valendo dentro do apartamento aquilo que seu possuidor achar melhor, desde que não afronte as regras relativas a barulho, segurança e demais previstas.

Como não conheço o condomínio da notícia em questão, tampouco sua Convenção de Condomínio, não há como opinar sobre o caso concreto, mas o fato é que se ela estipula o caráter eminentemente residencial das unidades, evidentemente que não pode ser utilizada para fins comerciais, como deixarei claro mais adiante.

Diante da atual conjuntura econômica, com crescente desemprego e trabalhos informais, vem sendo comum que as pessoas tentem se virar como podem para sobreviver.

Esse fenômeno já existe há décadas, sendo normal em residências a utilização da garagem das casas como se fossem lojinhas, bares, salão de cabeleireiros, dentre outras atividades, para comércio e serviços, sem contar as que também as utilizam como pequenas metalúrgicas, não se importando com as leis de zoneamento de cada região.

Mas a pergunta que se faz é: podem também os moradores de condomínios residenciais utilizarem seus apartamentos para prestar esses tipos de serviços ou comércios?

A resposta é: depende.

Depende do que está previsto na Convenção de Condomínio, onde é especificado se o condomínio é residencial, comercial ou misto.

Assim, num condomínio residencial é inconcebível o trânsito de clientes para cortar cabelo ou outros serviços que desviam o uso da unidade para fins não residenciais.

Note, inclusive, que nos condomínios em que a água não é individualizada o salão de cabeleireiro improvisado na unidade residencial fará com que todos os demais moradores do prédio custeiem a água consumida por ele, ou seja, enquanto o barbeiro ou cabeleireiro utilizará a água sem qualquer restrição, serão os demais moradores que arcarão com o respectivo rateio.

Há outras atividades e profissões que trazem também perigo à segurança e integridade física dos moradores no condomínio, pois uma das saídas que as pessoas encontraram para se livrar da crise instituída é cozinhar dentro da unidade, utilizando-se de fogões profissionais e outros equipamentos que podem trazer perigo para o empreendimento, já que não foi construído com essa finalidade e não se sabe se suporta as demandas de cada setor específico envolvido.

A lei que trata o assunto é o Código Civil, que em seu artigo 1.336, no inciso IV, estipula que "são deveres do condômino dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes."

Assim sendo, se o condomínio é residencial, não podem nele serem prestados serviços como o mencionado no título deste artigo, pois se estaria alterando a destinação residencial da unidade autônoma.

A jurisprudência também assim vem entendendo como se pode perceber da Apelação n.º 0026004-80.2013.8.26.0564, em que um morador demandou contra o condomínio porque foi proibido e multado com seus serviços de "DJ" nas festinhas internas, incomodando os demais moradores com o barulho. No caso concreto, os moradores alteraram até o Regulamento Interno para garantir o sossego, entendendo os Desembargadores que houve legalidade na decisão do condomínio, sendo o "DJ" proibido de atuar nas festas internas.

Determinado síndico que atendi há muitos anos estava incomodado com uma garota de programa que alugou um apartamento e recebia seus clientes, muitas vezes com barulho exagerado a qualquer hora do dia e da noite, num condomínio estritamente residencial, com entrada livre de pessoas estranhas ao ambiente do condomínio, que tinham o acesso com a permissão da própria moradora.

Nesse caso uma providência de segurança básica do condomínio foi adotada e a clientela teve que mudar de local. O condomínio passou a exigir documento  de identificação de todos os visitantes que não eram moradores como questão de segurança, e como os clientes não queriam se identificar ou apresentar documentos (sabe-se lá por qual motivo), o trânsito de estranhos cessou.

Enfim, quando o condomínio é comercial ou misto, evidentemente que, observadas as regras internas estabelecidas e seus respectivos horários não haverá qualquer problema em se dar à unidade autônoma a destinação permitida pela Convenção de Condomínio.

Por outro lado, aqueles profissionais que utilizam-se de sua unidade autônoma residencial sem interferir na paz e segurança do condomínio, apenas com o uso do seu computador e telefone, no sistema denominado home office, como jornalistas e advogados, não ferem a convenção de condomínio, tampouco alteram a destinação de sua unidade, pois ela continua sendo residencial, já que o serviço realizado pelos profissionais mencionados, através de um notebook, por exemplo, pode ser prestado até em cafés e restaurantes sem qualquer incômodo.

Portanto, especialmente nesse momento de crise em que vivemos, onde as pessoas tentam se virar como podem, é recomendado que antes de comprar equipamentos para prestar serviços, comércio ou outras atividades em unidades residenciais, que, diga-se, muitas vezes não são baratos, verifiquem os locatários e seus proprietários a Convenção de Condomínio, Regulamento Interno e Atas das Assembleias de Condomínio, para não terem prejuízo com as decisões que vierem a tomar em desacordo com suas regras.

Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186

terça-feira, 21 de agosto de 2018

É possível criar um espaço para fumantes no condomínio? E fumar maconha?


São Paulo, 21 de Agosto de 2.018.

O colaborador de uma grande Administradora de Condomínio foi quem sugeriu um tema dessa vez:

"Criação de espaço para fumantes junto as áreas comuns do condomínio".

E então resolvi abordar outros dois temas também relacionados, a saber:

É proibido fumar nas áreas comuns do condomínio?

E quando há cheiro de maconha no condomínio e se consegue identificar o usuário, deve-se chamar a polícia?


Primeiramente já de antemão esclareço que dentro da unidade autônoma não há proibição, ou seja, é possível fumar, mas desde que isso não traga problemas de vizinhança facilmente detectados e que possam causar prejuízos a saúde coletiva - uma questão de ordem cível, sobre o qual discorrerei abaixo.

Assim, evidentemente que a propriedade privada não sofreu qualquer restrição quanto ao seu uso, senão aquelas inerentes ao convívio social.

Primeiramente vou abordar a questão do fumo nas áreas comuns.

É permitido fumar nas áreas comuns do condomínio?

Esse assunto foi delimitado na Lei n.º 9.294, de 15 de julho de 1.996, com as alterações trazidas pela Lei n.º 12.546, de 14 de dezembro de 2.011, depois regulamentado pelo Decreto nº 8.262, de 31 de maio de 2.014, todos as normas no âmbito federal, que respondem a indagação não apenas proibindo o fumo dentro das áreas comuns, inclusive aquelas que num primeiro momento podem parecer 'áreas abertas', como também impõem pesadas multas.

A Lei n.º 9.294, de 15 de julho de 1.996, por exemplo, estipula que:

"Art. 2o  É proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo fechado, privado ou público."

(...)

"§3º  Considera-se recinto coletivo o local fechado, de acesso público, destinado a permanente utilização simultânea por várias pessoas."

Já a Lei n.º 12.546, de 14 de dezembro de 2.011, dispõe:

"Art. 9o Aplicam-se ao infrator desta Lei, sem prejuízo de outras penalidades previstas na legislação em vigor, especialmente no Código de Defesa do Consumidor e na Legislação de Telecomunicações, as seguintes sanções:

I - advertência;"
(...)

"V – multa, de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), aplicada conforme a capacidade econômica do infrator;

§ 1° As sanções previstas neste artigo poderão ser aplicadas gradativamente e, na reincidência, cumulativamente, de acordo com as especificidade do infrator."

"§ 4o Compete à autoridade sanitária municipal aplicar as sanções previstas neste artigo, na forma do art. 12 da Lei no 6.437, de 20 de agosto de 1977, ressalvada a competência exclusiva ou concorrente: (Incluído pela Lei nº 10.167, de 2000)"


O Decreto nº 8.262, de 31 de maio de 2.014, por sua vez, definiu o que é 'recinto coletivo fechado':

I - RECINTO COLETIVO FECHADO - local público ou privado, acessível ao público em geral ou de uso coletivo, total ou parcialmente fechado em qualquer de seus lados por parede, divisória, teto, toldo ou telhado, de forma permanente ou provisória;

E estendeu a proibição ao narguilé, abrangendo também, obviamente, a maconha:

“Art. 3º É proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos, narguilé ou outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo fechado.

Segundo o Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Paulo Miguel de Campos Petroni, em entrevista concedida ao Boletim da AASP (Associação dos Advogados de São Paulo), "o morador antissocial pode vir a sofrer sanções mais severas, segundo dispõe o art. 1.337 e parágrafo único do Código Civil, caso venha a reiterar a má conduta, que pode ser entendida como fumar no interior do elevador (...)" - in Boletim AASP 3067, de 2018.

A regulamentação no Estado de São Paulo se dá com a Lei n.º 13.541, de 07 de maio de 2.009, já julgada constitucional pelo Tribunal Bandeirante:

"Lei Estadual 13.541/2009 (Lei Anti-Fumo). Denúncia de inconstitucionalidade. Inocorrência. Lei de reconhecida constitucionalidade. Lei sem eivas quanto à iniciativa, vigência e efeitos. Direito à vida, à saúde e ao meio ambiente equilibrado passíveis de proteção por lei estadual. Autorização pela Constituição Federal. Recurso desprovido.” (AC nº 0023883-02.2009, São Paulo, 13ª Câmara de Direito Público, rel. Des. Borelli Thomaz, j. 11.5.2011)

Portanto, é proibido fumar nas áreas comuns do condomínio, estando o infrator sujeito a advertência e multa, valendo lembrar que todas as questões são passíveis de provas, sujeitando-se ao grau de subjetividade do Poder Judiciário para a situação concreta que for constatada.

Minha recomendação, antes de aplicar advertência e multa, é conversar com o morador, explicar a necessidade de respeitar as leis em vigor, pois o próprio condomínio fica sujeito a aplicação da penalidade, que pode ser objeto de uma ação de regresso contra o condômino infrator.

Pode-se criar um espaço para fumantes nas áreas comuns do condomínio?

Após os esclarecimentos acima chegou a hora de responder de forma objetiva ao questionamento que ensejou o presente texto.

Entendo que não é possível criar um espaço específico dentro do condomínio, pois 

(i) além de não haver qualquer brecha nas normas mencionadas acima, ou seja, há expressa vedação legal; 
(ii) isso restringiria o uso das áreas comuns por parte de outros moradores, sendo evidente, por exemplo, que os menores não poderiam entrar em aludido recinto, diminuindo seu direito ao uso da propriedade privada de uso coletivo, sem contar que 
(iii) haveria alteração de destinação da área, que passaria a ser reservada para o fumo, o que somente poderia ser alterado através de assembleia convocada com aprovação por quórum específico de moradores.

E quando há cheiro de maconha no condomínio e se consegue identificar o usuário, deve-se chamar a polícia?

Embora esse assunto não tenha sido questionado pelo colega da administradora, achei que estaria dentro do contexto tratar dele nesse texto e logo a seguir explico o motivo.

É que esse é um dos assuntos que mais me intriga quando vejo o entendimento de outros operadores do direito, que respondem ao questionamento com um viés moralista, com uma resposta rápida, tal qual um espirro: "Chama a polícia!"

Ora, primeiramente é bom esclarecer que nem os juristas da área criminal possuem consenso sobre como atuar diante da Lei n.º 11.343, de 26 de agosto de 2006, que em seu artigo 28, assim dispõe:

"Art. 28.  Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo."

Num artigo para a revista jurídica eletrônica Conjur, em 22/07/2018, o Desembargador Federal aposentado do TRF da 4ª Região, Vladimir Passos de Freitas, chega a afirmar que a lei não teve "coragem para tornar o fato atípico", fazendo-o por vias indiretas.

Estamos, portanto, diante de uma situação em que não há como afirmar que 'liberou geral', mas cuja pena imposta os próprios usuários de maconha devem rir sem parar após fumar o seu cigarro.

Eu mesmo me surpreendo quando ao passar pelas calçadas em qualquer bairro em São Paulo percebo o cheiro de maconha espalhado pelas ruas, como se fosse algo normal, e daí me dou conta de que... sim! Hoje é algo normal.

A sociedade mudou e as pessoas não fumam mais maconha de forma escondida, como ocorria antes, como se fossem criminosos. Aliás, o que percebo é que os fumantes hoje não fazem a mínima cerimônia em esconder - e aqui não se faz uma crítica ou elogio, apenas uma constatação relacionada aos costumes.

E quando a sociedade muda, ainda que praticamente utilizando um fórceps, quer gostemos ou não da mudança, temos que no mínimo repensar o nosso comportamento diante dos fatos postos no nosso nariz e sobre eles refletir para agir com sensatez, prudência e um mínimo de equilíbrio e respeito à opinião contrária.

Então se o síndico me perguntasse "O que se deve fazer?", eu jamais responderia "Chama a polícia!", porque entendo em primeiro lugar que essa aura punitivista, ainda que a lei não fosse tão subjetiva, não é uma resposta adequada para os relacionamentos sociais, especialmente com os nossos vizinhos.

Estamos, na minha opinião de advogado civilista, diante de um problema de direito de vizinhança e não de um direito relacionado ao direito criminal.

O que acontece nesse caso, nesse sentido, é que o cheiro da maconha, que é forte, incomoda alguns moradores e o síndico deve conversar com os moradores da unidade explicando a situação, da mesma forma que conversaria com os fumantes inveterados dos ditos cigarros legais, ou daquela moradora que possui diversos animais de estimação imundos, sem banho e a mínima higiene em sua unidade, ou seja, questão de direito civil, relacionada ao direito de vizinhança e saúde pública.

Por outro lado, conviver em condomínio demanda um mínimo de tolerância. Muitas vezes, se um cheiro ou um barulho me incomodam na meu apartamento, vou dar uma volta e quando retorno o incômodo já passou. Se formos reclamar de tudo não haverá paz no condomínio. Há que se ter um mínimo de bom senso.

Outra coisa é a percepção de existência de tráfico de drogas dentro do condomínio. Aí estaríamos diante de vários outros elementos que demandariam cuidados e a presença da polícia - questão de ordem criminal.

Enfim, 'chamar a polícia' para lidar com usuários de maconha é um exagero.

Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186

Veículos Elétricos e Híbridos – É permitida a instalação de tomadas em condomínios?

  São Paulo, 19 de janeiro de 2.024.   O vídeo de Whatsapp mostrava uma motocicleta elétrica na garagem, carregando a bateria bem próxim...