São Paulo, 21 de Agosto de 2.018.
O colaborador de uma grande Administradora de Condomínio
foi quem sugeriu um tema dessa vez:
"Criação de espaço para
fumantes junto as áreas comuns do condomínio".
E então resolvi abordar outros dois temas também
relacionados, a saber:
É proibido fumar nas áreas
comuns do condomínio?
E quando há cheiro de maconha
no condomínio e se consegue identificar o usuário, deve-se chamar a polícia?
Primeiramente já de antemão esclareço que dentro da
unidade autônoma não há proibição, ou seja, é possível fumar, mas desde que
isso não traga problemas de vizinhança facilmente detectados e que possam
causar prejuízos a saúde coletiva - uma questão de ordem cível, sobre o qual
discorrerei abaixo.
Assim, evidentemente que a propriedade privada não sofreu
qualquer restrição quanto ao seu uso, senão aquelas inerentes ao convívio
social.
Primeiramente vou abordar a questão do fumo nas áreas
comuns.
É permitido fumar nas áreas comuns do condomínio?
Esse assunto foi delimitado na Lei n.º 9.294, de 15 de
julho de 1.996, com as alterações trazidas pela Lei n.º 12.546, de 14 de
dezembro de 2.011, depois regulamentado pelo Decreto nº 8.262, de 31 de maio de
2.014, todos as normas no âmbito federal, que respondem a indagação não apenas
proibindo o fumo dentro das áreas comuns, inclusive aquelas que num primeiro
momento podem parecer 'áreas abertas', como também impõem pesadas multas.
A Lei n.º 9.294, de 15 de julho de 1.996, por exemplo,
estipula que:
"Art. 2o É proibido
o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto
fumígeno, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo fechado, privado ou
público."
"§3º Considera-se recinto coletivo o
local fechado, de acesso público, destinado a permanente utilização simultânea
por várias pessoas."
Já a Lei n.º 12.546, de 14 de dezembro de 2.011, dispõe:
"Art. 9o Aplicam-se
ao infrator desta Lei, sem prejuízo de outras penalidades previstas na
legislação em vigor, especialmente no Código de Defesa do Consumidor e
na Legislação de Telecomunicações, as seguintes sanções:
(...)
"V – multa, de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$
100.000,00 (cem mil reais), aplicada conforme a capacidade econômica do
infrator;
§ 1° As sanções previstas neste artigo
poderão ser aplicadas gradativamente e, na reincidência, cumulativamente, de
acordo com as especificidade do infrator."
O Decreto nº 8.262, de 31 de maio de 2.014, por sua vez,
definiu o que é 'recinto coletivo fechado':
I - RECINTO COLETIVO FECHADO - local público ou privado,
acessível ao público em geral ou de uso coletivo, total ou parcialmente fechado
em qualquer de seus lados por parede, divisória, teto, toldo ou telhado, de
forma permanente ou provisória;
E estendeu a proibição ao narguilé, abrangendo também,
obviamente, a maconha:
“Art. 3º É proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos,
cachimbos, narguilé ou outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, em
recinto coletivo fechado.
Segundo o Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo, Paulo Miguel de Campos Petroni, em entrevista concedida ao
Boletim da AASP (Associação dos Advogados de São Paulo), "o morador antissocial
pode vir a sofrer sanções mais severas, segundo dispõe o art. 1.337 e parágrafo
único do Código Civil, caso venha a reiterar a má conduta, que pode ser
entendida como fumar no interior do elevador (...)" - in Boletim AASP 3067, de 2018.
A regulamentação no Estado de São Paulo se dá com a Lei
n.º 13.541, de 07 de maio de 2.009, já julgada constitucional pelo Tribunal
Bandeirante:
"Lei
Estadual 13.541/2009 (Lei Anti-Fumo). Denúncia de inconstitucionalidade.
Inocorrência. Lei de reconhecida constitucionalidade. Lei sem eivas quanto à
iniciativa, vigência e efeitos. Direito à vida, à saúde e ao meio ambiente
equilibrado passíveis de proteção por lei estadual. Autorização pela
Constituição Federal. Recurso desprovido.” (AC nº 0023883-02.2009, São Paulo,
13ª Câmara de Direito Público, rel. Des. Borelli Thomaz, j. 11.5.2011)
Portanto, é proibido fumar nas áreas comuns do
condomínio, estando o infrator sujeito a advertência e multa, valendo lembrar que
todas as questões são passíveis de provas, sujeitando-se ao grau de
subjetividade do Poder Judiciário para a situação concreta que for constatada.
Minha recomendação, antes de aplicar advertência e multa,
é conversar com o morador, explicar a necessidade de respeitar as leis em
vigor, pois o próprio condomínio fica sujeito a aplicação da penalidade, que
pode ser objeto de uma ação de regresso contra o condômino infrator.
Pode-se criar um espaço para fumantes nas áreas comuns do condomínio?
Após os esclarecimentos acima chegou a hora de responder
de forma objetiva ao questionamento que ensejou o presente texto.
Entendo que não é possível criar um espaço específico
dentro do condomínio, pois
(i) além
de não haver qualquer brecha nas normas mencionadas acima, ou seja, há expressa
vedação legal;
(ii) isso restringiria
o uso das áreas comuns por parte de outros moradores, sendo evidente, por exemplo, que os menores não poderiam
entrar em aludido recinto, diminuindo seu direito ao uso da propriedade privada
de uso coletivo, sem contar que
(iii) haveria
alteração de destinação da área, que passaria a ser reservada para o fumo, o que
somente poderia ser alterado através de assembleia convocada com aprovação por
quórum específico de moradores.
E quando há cheiro de maconha no condomínio e se consegue identificar o
usuário, deve-se chamar a polícia?
Embora esse assunto não tenha sido questionado pelo
colega da administradora, achei que estaria dentro do contexto tratar dele
nesse texto e logo a seguir explico o motivo.
É que esse é um dos assuntos que mais me intriga quando
vejo o entendimento de outros operadores do direito, que respondem ao questionamento
com um viés moralista, com uma resposta rápida, tal qual um espirro: "Chama
a polícia!"
Ora, primeiramente é bom esclarecer que nem os juristas
da área criminal possuem consenso sobre como atuar diante da Lei n.º 11.343, de
26 de agosto de 2006, que em seu artigo 28, assim dispõe:
"Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver
em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será
submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa
ou curso educativo."
Num artigo
para a revista jurídica eletrônica Conjur, em 22/07/2018, o Desembargador Federal
aposentado do TRF da 4ª Região, Vladimir Passos de Freitas, chega a afirmar que
a lei não teve "coragem para tornar o fato atípico", fazendo-o por
vias indiretas.
Estamos, portanto, diante de uma situação em que não há como afirmar
que 'liberou geral', mas cuja pena imposta os próprios usuários de maconha
devem rir sem parar após fumar o seu cigarro.
Eu mesmo me surpreendo quando ao passar pelas calçadas em
qualquer bairro em São Paulo percebo o cheiro de maconha espalhado pelas ruas,
como se fosse algo normal, e daí me dou conta de que... sim! Hoje é algo
normal.
A sociedade mudou e as pessoas não fumam mais maconha de
forma escondida, como ocorria antes, como se fossem criminosos. Aliás, o que
percebo é que os fumantes hoje não fazem a mínima cerimônia em esconder - e
aqui não se faz uma crítica ou elogio, apenas uma constatação relacionada aos costumes.
E quando a sociedade muda, ainda que praticamente
utilizando um fórceps, quer gostemos ou não da mudança, temos que no mínimo
repensar o nosso comportamento diante dos fatos postos no nosso nariz e sobre
eles refletir para agir com sensatez, prudência e um mínimo de equilíbrio e
respeito à opinião contrária.
Então se o síndico me perguntasse "O que se deve
fazer?", eu jamais responderia "Chama a polícia!", porque
entendo em primeiro lugar que essa aura punitivista, ainda que a lei não fosse
tão subjetiva, não é uma resposta adequada para os relacionamentos sociais,
especialmente com os nossos vizinhos.
Estamos, na minha opinião de advogado civilista, diante
de um problema de direito de vizinhança e não de um direito relacionado ao direito criminal.
O que acontece nesse caso, nesse sentido, é que o cheiro
da maconha, que é forte, incomoda alguns moradores e o síndico deve conversar
com os moradores da unidade explicando a situação, da mesma forma que conversaria
com os fumantes inveterados dos ditos cigarros legais, ou daquela moradora que
possui diversos animais de estimação imundos, sem banho e a mínima higiene em sua unidade, ou
seja, questão de direito civil, relacionada ao direito de vizinhança e saúde pública.
Por outro lado, conviver em condomínio demanda um mínimo
de tolerância. Muitas vezes, se um cheiro ou um barulho me incomodam na meu
apartamento, vou dar uma volta e quando retorno o incômodo já passou. Se formos
reclamar de tudo não haverá paz no condomínio. Há que se ter um mínimo de bom
senso.
Outra coisa é a percepção de existência de tráfico de
drogas dentro do condomínio. Aí estaríamos diante de vários outros elementos
que demandariam cuidados e a presença da polícia - questão de ordem criminal.
Enfim, 'chamar a polícia' para lidar com usuários de maconha é um exagero.
Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186