"O condômino antissocial - Pode ser expulso do condomínio?"
São Paulo, 19 de Junho de 2.019.
"VIZINHOS QUEREM EXPULSAR MARCELO FREIXO DO
CONDOMÍNIO
Prédio fica na zona sul do Rio de Janeiro
Calma, gente!
Por já ter sido ameaçado de morte diversas vezes, o
deputado federal Marcelo Freixo, como se sabe, tem de andar o tempo todo
cercado de seguranças. Pois bem. Tem morador do prédio onde Freixo mora, na
Zona Sul do Rio, articulando uma assembleia que pode decidir pela... expulsão
do parlamentar. O argumento será o de temor quanto a um eventual atentado
contra o deputado, a exemplo do que aconteceu com Marielle Franco."
O texto acima é a reprodução de
uma nota do Jornal O Globo, de autoria de Ancelmo Gois, publicada em sua coluna do dia 22/03/2019,
que envolvia o Deputado Federal Marcelo
Freixo, do PSOL.
Afinal, podem eles tomar essa decisão? E caso a
assembleia aprove isso, mesmo com um quórum qualificado, essa decisão é válida?
O que é um condômino antissocial e quais são os critérios para sua expulsão? E
o 'direito de propriedade', como fica nessa história?
A Lei de Incorporações, nº
4.591/64 não trata do assunto. Já o Código Civil, Lei n.º 10.406/2002, traz a
figura do condômino antissocial em seu artigo 1.337, da seguinte forma:
"Art. 1337. O
condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres
perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos
restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do
valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a
gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que
se apurem."
Perceba-se, portanto, que temos
aqui a exigência de um quórum qualificado de 3/4 (três quartos) dos condôminos
numa assembleia de condomínio para a aplicação dessa multa. Isso significa que
a decisão a ser tomada por essa assembleia deverá ser aprovada por 3/4 (três
quartos) de todos os proprietários de unidades autônomas, e não apenas dos
presentes na assembleia, excetuando-se o condômino antissocial.
Essa é daquelas situações, por
exemplo, da inadimplência contumaz, aquela que se repete de forma insistente,
com acordos não cumpridos, gerando o mencionado descumprimento reiterado de
seus deveres de condômino, além de infrações constantes à Convenção de
Condomínio e Regulamento Interno.
Já o Parágrafo único do artigo
1.337 assim dispõe:
"Parágrafo único. O
condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento anti-social, gerar
incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores,
poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor
atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior
deliberação da assembléia.'
Também aqui o quórum a ser
observado é o qualificado do caput,
ou seja, de 3/4 (três quartos), tratando esse 'parágrafo único' de uma questão
que é totalmente comportamental.
Antes de prosseguirmos, vale a
pena fazer uma pequena pausa para tratar de uma questão de suma importância que
é a concessão do direito de defesa do condômino infrator. O correto é que em
qualquer situação lhe seja franqueada a defesa, bem como a participação na
assembleia em que está sendo acusado de conduta antissocial para que possa se
explicar e se defender, com todas as garantias previstas na Constituição
Federal, especialmente em seu artigo 5º, que é um dos meus prediletos, embora
atualmente pareça obra de ficção:
"Art. 5º Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
(...)
LIV - ninguém será privado da
liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV
- aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a
ela inerentes;"
E quando isso não é observado,
eventual penalidade aplicada é passível de anulação:
"NULIDADE DE ASSEMBLEIA
EM CONDOMÍNIO EDILÍCIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. Recurso de
apelação do autor. Assembleia em condomínio edilício que decidiu sobre
apresentação de contas, previsão orçamentária, eleição de síndico, subsíndico e
membros do Conselho Consultivo, aprovação de obra de ramificação de gás, e
aprovação de multa à unidade dos autores ante a realização de obra ilegal (obra
em área comum, sem autorização dos demais condôminos). (...). Inviabilidade de
anulação da assembleia, ante o decurso do tempo e pela ausência de demonstração
de prejuízo aos autores, com exceção da imposição da multa. Quanto à multa
imposta pela assembleia (art. 1.337 do CC/2002), reconhece-se a violação ao
direito de defesa dos autores. (...) Atuação desleal, contraditória,
disfuncional e desmesurada do Condomínio réu. Eficácia horizontal dos
direitos fundamentais. Enunciado 92 do CJF ("Art. 1.337: As sanções do
art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta
direito de defesa ao condômino nocivo"). Precedente do STJ. A
sanção prevista para o comportamento antissocial reiterado de condômino
não pode ser aplicada sem que antes lhe seja conferido o seu direito de defesa.
Ainda que em tese reprovável a conduta dos autores, que supostamente edificaram
em área comum, deve ser assegurado o seu direito de defesa, não se
admitindo que, por terem supostamente violado o direito dos condôminos, seja
aplicada pena sem observância de garantias mínimas de defesa. Recurso provido
para julgar-se parcialmente procedente o pedido, tornando sem efeito a
penalidade imposta, sem prejuízo de ulterior deliberação da assembleia, dessa
vez em observância ao direito de defesa dos autores. Verbas sucumbenciais.
Readequação. RECURSO PROVIDO." (in
Apelação Cível n.º 1109310-56.2016.8.26.0100, 27ª Câmara de Direito Privado do
E.TJSP, Relator Des. Alfredo Attié, julgado em 31/05/2019).
Portanto, não basta que a
síndica do condomínio, que não vai com cara de determinados condôminos, opte
por caracteriza-lo como sendo antissocial e resolva aplicar multas a torto e a
direito. É preciso que lhe seja franqueado o direito de defesa.
Recentemente uma síndica que
também é advogada (Aliás, há diversos síndicos que são advogados. Enfim, há uma
quantidade enorme de advogados por aí!) me consultou acerca de uma moradora,
mais idosa, que vive causando problemas no condomínio.
Segundo a síndica, essa
moradora bate na porta dos demais condôminos altas horas da noite, vai acordar
a síndica de madrugada, grita dentro do apartamento e bate com cabo de vassoura
no teto, tudo isso porque fica incomodada com o barulho excessivo das outras unidades.
O problema é que todos os demais moradores concordam num ponto: não há barulho!
Talvez ela tenha mais sensibilidade ou mesmo tenha algum tipo de problema de
saúde que mereça outro tipo de abordagem, inclusive com ajuda externa. Foi o
que sugeri à síndica.
Mas, independentemente de
qualquer coisa, o comportamento dessa moradora ensejaria a aplicação de multas
e no caso de reincidência, com certeza também as do artigo 1.337 e seu
parágrafo único, do Código Civil. No caso dela, isso já perdura por meses e
essa é a alternativa mais correta: Aplicar a multa específica do artigo 1.337 e
convocar uma assembleia para nela ratificar a penalidade, concedendo a ela a
possibilidade de se defender.
Muitos prédios em condomínios
foram construídos com uma acústica muito ruim, pois é possível ouvir barulhos
das outras unidades constantemente e isso demanda que as pessoas tenham um
pouco mais de paciência em seu comportamento. Muitas vezes conversas ou simples
encontros com amigos para comer uma pizza, com risadas e diversão, acabam
gerando um barulho que a estrutura de concreto parece não conter.
Os vizinhos que moram ao lado
de meu apartamento de vez em quando chamam amigos para se divertir. Nada
exagerado, apenas encontros em que as pessoas ficam felizes em se ver, tomam
alguma coisa, comem e conversam. Mas isso é o suficiente para que eu ouça tudo
da minha sala e por isso exige que eu tenha paciência e entenda que a culpa
nesse caso específico não é deles, mas da própria estrutura do prédio.
Da mesma forma, quando eu chamo
meus amigos com o mesmo propósito fico torcendo para que os vizinhos ao lado
também tenham essa percepção. É um jogo de paciência recíproca que muitas
pessoas ainda não aprenderam a jogar, especialmente nesse momento de
intolerância generalizado.
E o mais incrível é que essas
questões menores acabam parando no Poder Judiciário também. Vejam esse Acórdão
da 33ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo:
"CONDOMÍNIO - Ação declaratória de inexistência de
débito cumulada com indenização por danos morais - Perturbação do Sossego - Convivência
em prédio de edifícios que exige mais paciência e tolerância - Imóvel de
características que permite a recepção de pessoas na varanda - Sem demonstração
da utilização desarrazoada, com a finalidade de incomodar a comunidade vizinha
- Multa indevida - Dano moral não caracterizado - Declaração de inexigibilidade
da multa insuficiente a demonstrar o prejuízo - Sem qualquer interferência
ostensiva ou constrangedora." (in
Apelação n.º 1010426-29.2017.8.26.0529 - Rel. Des. Sá Moreira de Oliveira,
Santana de Parnaíba, julgado em 20/05/2019) - sem grifos no
original
Nesse caso concreto, no bojo do
Acórdão, o Desembargador Sá Moreira fez constar que:
"Ora, pelas regras de experiência, não há nada de
anormal em se ouvir ruídos, considerada a proximidade da varanda com a área
térrea, especialmente pelo fato de haver isolamento apenas por vidros."
"Nesse contexto, não vislumbro utilização pelas
apeladas do imóvel de forma desarrazoada de modo a perturbar a comunidade da
qual fazem parte, o que justificaria eventual penalidade."
Mas no caso da
moradora que se incomoda com os ruídos e passa a gritar, bater com cabo de
vassoura e azucrinar os demais vizinhos, se ela tinha algum tipo de razão, ela
acaba por perder e incorre num comportamento que não condiz com o que se
espera.
Ela acaba por
afrontar o Código Civil, a Convenção de Condomínio e o Regulamento Interno,
ensejando a aplicação (i) de
advertência, depois de (ii) multa,
em seguida de possibilidade de (iii) multa até o quíntuplo do valor da
cota condominial, e finalmente (iv) multa
até o décuplo do valor das cotas condominiais, seguindo as regras do Código
Civil e explicações acima. Porém, há de se verificar também o que está
estabelecido nas regras internas, pois elas devem ser aplicadas com as
formalidades ali previstas, sempre, em qualquer caso, respeitando o direito de
defesa da parte contrária, com os princípios constitucionais como a 'ampla
defesa', 'contraditório' e 'devido processo legal'.
Mas e se o problema apresentado
pela moradora for de ordem psiquiátrica? O que pode o condomínio fazer? Deve
aplicar a multa? Quando fui questionado sobre isso minha resposta foi
evidentemente 'sim'. O condomínio deve tratar a questão como trataria qualquer
outro tipo de barulho. O que apenas acrescentei ao final da conversa com a
síndica foi que por uma questão de humanidade verificasse se alguém poderia
ajudar essa moradora.
Recentíssimo julgado, publicado
em 16/05/2019, assim decidiu em questão semelhante:
"AÇÃO ANULATÓRIA DE MULTA CUMULADA COM REPARAÇÃO POR
DANOS MORAIS - INFRAÇÃO DA CONVENÇÃO E REGIMENTO INTERNO DO CONDOMÍNIO -
PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO DOS DEMAIS CONDÔMINOS MEDIANTE REITERADAS BRIGAS E
XINGAMENTOS - EXISTÊNCIA DE DOENÇA PSIQUIÁTRICA DE UMA DAS MORADORAS - FATO QUE
NÃO SERVE DE ESCUSA AO DEVER DE CONVIVÊNCIA HARMÔNICA E RESPEITO AO SOSSEGO DOS
DEMAIS MORADORES - REDUÇÃO DA MULTA - POSSIBILIDADE - OBSERVÂNCIA DA GRADAÇÃO
PREVISTA NO REGULAMENTO INTERNO - PRIMEIRA MULTA APLICADA APÓS A ADVERTÊNCIA
ESCRITA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA." (in Apelação n.º 1028395-63.2016.8.26.0506 - 30ª Câmara de Direito
Privado, Des. Rel. Andrade Neto, Ribeirão Preto)
Da Expulsão do Condômino
Antissocial
Até aqui vimos tratando de
questões que envolvem o condômino antissocial, mas que são passíveis de multa.
Como se verificou, o Código Civil não trata da 'expulsão' do morador
antissocial em seu artigo 1.337 e seu parágrafo único, mas será que isso é
possível?
Aliás, que comportamento pode
ser caracterizado como antissocial? Um dos livros que gosto muito para aprender
um pouquinho mais a cada dia, e que tenho há vários anos, é do advogado
Hamilton Quirino Câmara, denominado "Condomínio Edilício - Manual prático
com perguntas e respostas", Lumen Juris Editora, 3ª edição, 2012, Rio de
Janeiro, em que o autor tenta esclarecer o tema utilizando uma análise
sistêmica. Nele, Hamilton Quirino entende que comportamento antissocial é:
"Não existe uma definição na lei, mas deverá ser
assim considerado todo aquele que causar incômodo à vizinhança e/ou
desvalorização do prédio, por atos como embriaguez contumaz, uso de drogas,
prática de atividades ilícitas, prostituição, produção excessiva de barulho,
uso de animais que causem riscos e danos à vizinhança. A lista é interminável,
porque o legislador não definiu. Caberá aos juízes, caso a caso, enquadrar os
comportamentos anti-sociais à luz do novo Código." (ob.cit., pgs. 162/163)
Perceba-se que o assunto, por
não ter sido devidamente detalhado pelo legislador, entra naquela zona cinzenta
que já relatei em outros artigos. O condomínio ficará sujeito sempre ao
entendimento do juiz, mas não significa que isso é ruim. Ao contrário. Teremos
que contar com o juiz: alguém que com seu conhecimento jurídico deverá analisar
e sopesar as posições dos dois lados envolvidos, para que não se cometam
injustiças, porque o pedido de expulsão do condômino antissocial deve ser um
ato extremo e bem fundamentado.
Uma das obras clássicas sobre
condomínios é a "Condomínio e Incorporações", de Caio Mário da Silva
Pereira, atualizada por Sylvio Capanema de Souza e Melhim Namem Chalhub, sendo
que esses autores, ao atualizar a obra de Caio Mário, comentam que:
"Muito melhor seria se o legislador cominasse a pena
de interdição temporária ou definitiva, excluindo o condômino do convívio com
os demais, vedando seu ingresso no condomínio, como há muito tempo admitido em
várias legislações estrangeiras, como as da Argentina, Itália e França, para
citar apenas algumas.
Certamente não o fez em razão do acendrado respeito que a
sociedade brasileira atribui ao direito de propriedade, garantido
constitucionalmente.
Repugna ao brasileiro comum que o proprietário possa ser
impedido de dispor de seu imóvel, nele permanecendo quando melhor lhe aprouver.
Esquecem-se os que assim entendem que o direito de
propriedade não é absoluto, sofrendo limitações até mesmo constitucionais, como
preconiza o art. 5º, inc. XXIII, da Constituição Federal de 1988, ao atribuir a
ele uma função social.
Também hoje se caracteriza como ato ilícito o abuso de
direito, inclusive no que tange à propriedade, como se depreende do art. 1.228,
§2º, do Código Civil.
A V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça
Federal/STJ aprovou o Enunciado n. 508 apresentado pelo Des. Marco Aurélio
Bezerra de Melo, que tem a seguinte redação:
"Verificando-se que a sanção pecuniária mostrou-se
ineficaz, a garantia fundamental da função social da propriedade (arts. 5º,
XXIII, da CF e 1.228 do CC) justificam a exclusão do condômino antissocial,
desde que a ulterior assembleia prevista na parte final do parágrafo único do
art. 1.337 do Código Civil delibere a propositura de ação judicial com esse
fim, asseguradas todas as garantias inerentes ao devido processo legal."
(ob. cit., pgs. 135/136, 13ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2016)
E aqui já acho oportuno resgatar
o caso do Marcelo Freixo, que foi
utilizado para abrir esse texto. Ele é um parlamentar eleito pelo sistema para
cumprir as normas previstas na Constituição Federal e demais regras aplicáveis.
Qual é o ato que ele cometeu para que alguém cogite que ele possui um
comportamento antissocial passível de ser expulso de seu próprio condomínio? É
como se o condomínio pudesse ser um mundo apartado, sem os riscos da sociedade
lá fora, o que é algo totalmente fora de contexto.
É por isso que o simples desejo
de determinados moradores não é suficiente para a exclusão de alguém. Isso
demanda os comportamentos já mencionados, que serão considerados antissociais,
além de serem praticados de forma contumaz, ou seja, de forma insistente.
Não gostar de determinado
morador porque ele agita as assembleias, discute com um ou outro condômino, ou
simplesmente porque comete algumas infrações aqui e acolá, por mais que não se
goste dele, não é motivo para tanto.
Hamilton Quirino, já citado,
esclarece o que fazer quando as aplicações de multa não resolvem a situação:
"(...) A punição de cunho financeiro resolve a
maioria dos casos de conduta anti-social. Mas, na hipótese de não ser eficaz,
poderá o condomínio decidir pela exclusão do morador com tal conduta. Para
isso, deverá ser requerida ao Juiz a exclusão do morador do convívio dos
demais, com interdição temporária ou definitiva do imóvel ocupado de forma
nociva." (ob. cit. pgs. 167/168)
Também tratando do assunto, em
seu 'Condomínio Edilício e Incorporação Imobiliária', 5ª edição, Editora
Forense, Rio de Janeiro, 2017, pg. 134, Arnaldo Rizzardo cita entendimento
doutrinário e jurisprudência que merecem ser reproduzidos:
"Trata-se da penalidade mais grave contemplada pela
lei. A rigor, não se permite o afastamento do condômino ou morador, embora
certa doutrina, acompanhada de raros julgados, que anteveja a possibilidade de
expulsão. Expõe, a respeito, Álvaro Villaça Azevedo:
'A exclusão do condômino é a única solução para conter os
aludidos abusos no direito de propriedade, que tem seu fundamento,
principalmente constitucional, na ideia de função social. A lei civil, assim,
dá um passo adiante na complementação desse significado importante, do
condicionamento do uso da propriedade de forma harmônica, pacífica, nos moldes
legais, preservando-se o bem-estar dos condôminos, dos vizinhos e do meio
ambiente.'
Reporta-se o autor a alguma jurisprudência que vislumbra
a saída da expulsão, com uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo:
'Condomínio edilício. Situação criada por morador,
sargento da Polícia Militar que, reincidente no descumprimento das normas
regulamentares, renova condutas antissociais, apesar da multa aplicada e que
não é paga, construindo, com isso, clima de instabilidade ao grupo e uma
insegurança grave, devido ao seu gênio violento e ao fato de andar armado no
ambiente, por privilégio profissional. Adequação da tutela antecipada emitida
para obrigá-lo a não infringir a convenção, sob pena de multa ou outra medida
específica do §5º do art. 461 do CPC, inclusive o seu afastamento.
Interpretação do art. 1.337 do CC. Não provimento (Agravo de Instrumento
n.513.932-4/3. da Quarta Câmara de Direito Privado. Julgado em 02.08.2007). (Condomínio
edilício e exclusão do condômino nocivo. Revista Magister de Direito Civil e
Processo Civil, Porto Alegre, Magister, n.27, p. 57, nov-dez.2008.)
Esse julgado é muito
interessante porque o juiz já conduz os envolvidos para que percebam que se sua
determinação não for obedecida, os próximos passos poderão ser no sentido da
exclusão do condômino antissocial, que justamente por ser um ato excepcional, é
tratado com tanto cuidado.
Voltemos à pergunta central
dessa analise sobre o tema condômino antissocial: ele pode ser excluído do
condomínio?
Morar em uma cidade como São
Paulo, por exemplo, exige que se conviva com adversidades cotidianas, barulho,
trânsito, poluição, pessoas agressivas entre outras coisas.
A vida em condomínio também
exige que a tolerância faça parte do cotidiano. Seu vizinho acha que o filho
dele é o futuro Louis Armstrong? Pelo que você escuta diariamente ele esta bem
longe disso. A unidade já foi advertida, multada, apresentou defesa em
Assembléia, foi reincidente, novamente multada e por fim resolveu colocar
revestimento especial no quarto do gênio musical.
São situações que embora muito
desagradáveis com os recursos administrativos existentes, valendo-se de fazer
prevalecer a Convenção Condominial e o Regulamento Interno consegue-se
tranquilidade no dia a dia condominial.
Mas por incrível que pareça
existem problemas efetivamente graves. São duas as decisões do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo que se tem conhecimento de exclusão do condômino
antissocial.
Num condomínio residencial de
Moema um condômino deu mais de cem festas em um ano, chegando a realizar uma
dentro do elevador social. Levou inúmeros convidados na piscina e academia, fez
graves ameaças a vizinhos e empregados o que resultou inclusive em condenação
criminal, estacionou seu veículo na transversal entre outras coisas.
Inicialmente foi proposta em
2010 uma Ação de Obrigação de Não Fazer com acordo entre as partes. O condômino
não cumpriu, sendo que em 2016 foi apresentada uma Ação de Obrigação de Fazer
com pedido de expulsão do morador antissocial. Ao longo dos anos provas foram
se acumulando tendo como resultado a procedência de ação, dando prazo de 60
(sessenta dias) para que o morador se retirasse do condomínio após o trânsito em
julgado sob pena de remoção forçada. Ele sequer apresentou recurso. Destaca-se
que os acontecimentos levaram anos para o desfecho.
Outro caso foi em um condomínio
em Perdizes, quando a difícil convivência condominial chegou a ponto das
crianças terem medo de entrar no elevador com o casal de condôminos, cuja
sentença foi procedente em relação a exclusão dos mesmos. O processo está em 2ª
Instancia, vez que eles apresentaram Apelação.
Pelo o que se percebe os casos
de exclusão do condomínio ainda são raros, mas acontecem.
A primeira questão que sempre
aparece é como fica o direito de propriedade. Ora, ele não é absoluto e existe
o que se chama a função social da propriedade. O proprietário tem que fazer um
bom uso do seu bem, não causando danos ou perturbando terceiros.
A decisão pela expulsão do
condômino antissocial não significa a tomada do imóvel pelo condomínio, mas sim
que o uso da propriedade pela pessoa foi proibido. Podendo ela alugar,
emprestar, deixar fechada, etc...
O que chamamos de Novo Código
Civil entrou em vigor em 2001, sem a previsão explicita de expulsão do
condômino antissocial, mas já com penalidades mais severas para o comportamento
desse tipo.
O tempo irá consolidar que o
comportamento dentro de um condomínio não deve ser diferente aquele que se
espera de uma pessoa em todos os aspectos de sua vida, e que a lei, que tem
como uma de suas origens os costumes da sociedade, saberá com encontrar meios
de controlar e punir os excessos.
Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186
É advogado atuando majoritariamente na esfera condominial. Especialista
em direito tributário na PUC/SP / Cogeae. Foi Ouvidor da AASP - Associação dos
Advogados de São Paulo e foi Relator da 20ª Turma do Tribunal de Ética e
Disciplina da OAB/SP. Bacharel em Filosofia.
Perola Kuperman Lancman
OAB/SP nº. 212.567
É advogada que milita na área condominial, com formação em mediação e
arbitragem e também sindica há mais de 20 anos.