"As contas do síndico aprovadas em assembleia fazem
Coisa Julgada?"
São Paulo, 28 de Abril de 2.019.
Determinado síndico me questionou se suas contas
aprovadas em assembleia poderiam ser consideradas como "coisa julgada".
Tudo começou quando um morador que nunca aparece em assembleia - nem naquela
ordinária, que aprova as contas do
período anterior e a previsão orçamentária do próximo período - estava
indignado com os gastos do condomínio, pois neste momento, desempregado, a
ordem do dia era economizar, e passou a questionar o síndico de forma acintosa,
sem qualquer respeito, até sobre o gasto com garrafas de água mineral
adquiridas para utilização pelos próprios moradores na assembleia de
condomínio.
A minha resposta ao síndico naquele momento foi a mais
honesta possível: 'uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa'. Mas
também poderia ter dito a ele que 'não se pode confundir alhos com bugalhos'. E
se deixasse assim a resposta, já estaria de bom tamanho.
De forma sucinta e sem me preocupar com a rigidez técnica,
como o próprio nome diz, 'coisa julgada' significa que determinado assunto já
foi submetido à apreciação do poder judiciário,
não cabendo mais qualquer tipo de recurso, ou seja, a coisa foi julgada e
'transitou em julgado'.
Então as contas do síndico somente seriam 'coisa julgada'
se após serem levadas à análise do poder judiciário, tivessem elas sido
devidamente analisadas, provavelmente com a realização de alguma perícia
técnica contábil, com a respectiva sentença do juiz, ou mesmo com o acórdão de algum tribunal, sem caber mais
qualquer tipo de recurso.
Mas o que o síndico queria saber, na verdade, é se suas
contas levadas à aprovação da assembleia e aprovadas, muitas vezes até por
unanimidade, poderiam ser questionadas posteriormente no Poder Judiciário.
Então o que temos aqui não tem nada a ver com o instituto jurídico da 'coisa
julgada'. A questão é outra e está cercada de formalidades, por conta de
expressa previsão no Código Civil:
"Art. 1.350. Convocará o síndico, anualmente,
reunião da assembleia dos condôminos, na forma prevista na convenção, a fim de
aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação
de contas (...)."
E a Lei de Incorporação Imobiliária, n.º 4.591/64
"Art. 24. Haverá, anualmente, uma assembleia geral
ordinária dos condôminos, convocada pelo síndico na forma prevista na
Convenção, à qual compete, além das demais matérias inscritas na ordem do dia,
aprovar, por maioria dos presentes, as verbas para as despesas de condomínio,
compreendendo as de conservação da edificação ou conjunto de edificações,
manutenção de seus serviços e correlatas.
§ 1º As decisões da assembleia,
tomadas, em cada caso, pelo quorum que a Convenção fixar, obrigam todos os
condôminos."
Normalmente os condomínios contam com o indispensável
serviço das 'Administradoras de Condomínios', sendo que muitas delas hoje
possibilitam a consulta das contas através de seu próprio site ou mesmo de
aplicativo específico, onde poderão ser consultadas as contas e documentos, sem
contar as prestações de contas feitas nos boletos mensais encaminhados aos
moradores.
Mesmo naqueles casos em que a prestação de contas é feita
através de pastas físicas, que ficam em local próprio do condomínio ou da
administradora, é facultado a qualquer morador que delas faça a respectiva
consulta, onde poderá conferir a correspondência dos gastos lastreada nas notas
fiscais e recibos próprios.
E quando o assunto é levado para discussão e aprovação em
assembleia não cabe ao morador impugnar as contas e votar contra simplesmente
porque não vai com a cara do síndico. A questão é muito séria e impõe que
determinadas dúvidas sejam questionadas com base em fatos concretos, por conta
das formalidades acima mencionadas.
Por isso que se pressupõe que quando o condômino
comparece a uma assembleia de condomínio para votar as contas, já percorreu ele
todo o caminho de conferência, podendo tirar dúvidas pontuais na assembleia, onde
as pastas estarão à sua disposição para consulta, não se podendo atribuir ao
condomínio ou à administradora a responsabilidade da desídia e omissão do
próprio morador inconformado, pois quem tem interesse em fiscalizar deve agir
com planejamento adequado.
Não cabe ao síndico ou à administradora ter que adiar a
assembleia ordinária de aprovação das contas e da previsão orçamentária porque
determinados condôminos 'não tiveram tempo' de conferir as contas, pois essa
omissão pode gerar uma situação legal que impeça sua reanálise, inclusive se
levada à juízo. Veja a decisão abaixo:
1002603-81.2018.8.26.0007
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Classe/Assunto: Apelação Cível / Administração
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Relator(a): Ana Catarina Strauch
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Comarca: São Paulo
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Órgão julgador: 27ª Câmara de Direito Privado
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Data do julgamento: 09/04/2019
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Data de publicação: 11/04/2019
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Data de registro: 11/04/2019
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Ementa: "APELAÇÃO – "AÇÃO DE EXIGIR CONTAS" – Condôminos que visam esclarecimentos
acerca das despesas de manutenção do condomínio – Contas prestadas em assembleia com finalidade específica – Carência da
ação corretamente reconhecida – Eventuais irregularidades nas contas prestadas devem ser discutidas pela via
própria – Sentença mantida – RECURSO DESPROVIDO".
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Nesse caso concreto a juíza da primeira instância
entendeu que sequer deveria analisar a ação, pois as contas haviam sido
aprovadas em assembleia e os moradores indignados, que moveram a ação contra a
síndica e o subsíndico, não possuíam legitimidade para tal, sendo que o
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo manteve a decisão da juíza.
Nesse caso concreto, constou da sentença de primeira
instância que:
“(...) Dando prosseguimento, foi proposto realizar a
prestação de contas da gestão anterior, e de depois realizar a votação de
síndico, invertendo-se a ordem do dia. Havendo concordância de todos, o síndico
apresentou algumas imagens demonstrando as obras realizadas nesta gestão que se
findou, mostrando as fotos antigas das casas de bombas e a situação atual, as
fotos dos telhados e também da área comum, bem como a reforma do parquinho
existente no prédio. O síndico também esclareceu as dúvidas dos presentes
quanto aos lançamentos constantes nos balancetes, a disposição de todos na
Assembleia, bem como cópia enviada a cada condômino, junto com o boleto de
pagamento da taxa condominial. (...) retornando à prestação de contas e
colocado em votação, por maioria de votos foi aprovado as contas apresentas até
outubro de 2017, apurando-se um saldo credor de R$8.225,28 (oito mil, duzentos
e vinte e cinco reais e vinte e oito centavos.” (sic).
Situações que causam danos evidentes ao condomínio,
praticadas pelo síndico ou pela administradora, quando não aprovadas em
assembleia, podem ser objeto de ação de reparação de danos por parte do
condomínio.
Claro que aqui não estou me referindo a questões de mera
formalidade, onde valores irrisórios são questionados posteriormente à
assembleia, ou mesmo questões de não exigência de nota fiscal, havendo simples
recibo, até porque sempre exigirá o juiz a comprovação da existência de
prejuízo, ou seja, de dano específico, para dar provimento a uma ação desse
tipo.
Mas há casos em que a questão pode causar prejuízos que
não foram percebidos num primeiro momento, até porque a administradora ou o
próprio síndico 'esconderam' a informação das contas, impedindo que pessoas
leigas, como são os moradores, tivessem delas ciência de sua irregularidade.
Veja o julgado abaixo:
1105603-17.2015.8.26.0100
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Classe/Assunto: Apelação Cível / Condomínio em Edifício
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Relator(a): Sá Moreira de Oliveira
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Comarca: São Paulo
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Órgão julgador: 33ª Câmara de Direito Privado
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Data do julgamento: 01/04/2019
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Data de publicação: 01/04/2019
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Data de registro: 01/04/2019
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Ementa: "CONDOMÍNIO – Ação de reparação de danos materiais - Administração do
condomínio – Síndico – Dever de administração e fiscalização - Ausência de recolhimento
do INSS dos funcionários – Ausência de fiscalização da conta bancária do condomínio – Repasses feitos à
administradora e contratação de empréstimos sem justificação – Ausência de
fiscalização quanto à regularidade da cobrança de valores de fundo de obra –Contas não prestadas – Laudo pericial -
Responsabilidade da administradora pelos atos que não afasta a
responsabilidade do síndico decorrente da negligência em cumprir o dever de bem administrar
a massa condominial – Dever de indenizar – Valores restituídos ao Condomínio
que não devem compor o prejuízo – Apuração liquidação de sentença. Apelação
parcialmente provida."
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Então temos que qualquer votação aprovada por uma
assembleia de condomínio é válida, mas somente até que a sua nulidade seja
declarada pelo Poder Judiciário. Então voltando ao começo desse texto, as
contas do síndico aprovadas numa assembleia possuem validade, mas não se pode impedir
ninguém de questioná-las diante do Poder Judiciário, que analisará os fatos
concretos, podendo ou não ratificá-las.
Se os fatos estavam claros, documentos foram
apresentados, informações prestadas, mas mesmo assim a assembleia aprovou as
contas, dificilmente se obterá uma decisão diferente do Poder Judiciário,
porque todos votaram sabendo das informações. O morador que não participou da
assembleia terá dificuldade em fazer qualquer tipo de questionamento.
Por outro lado, quando se está diante de situações em que
as contas foram camufladas, extratos bancários adulterados, notas fiscais
forjadas, enfim, de fatos que levaram a massa condominial a erro para a
aprovação de contas, de modo a evitar que os moradores percebessem eventual
desfalque, o cenário é outro.
Nessas situações o condomínio deve contratar um advogado
para analisar o melhor caminho a seguir, se uma ação indenizatória ou mesmo uma
ação de exibir contas, esta última prevista no artigo 550 do novo Código de
Processo Civil, sem prejuízo de tomar as medidas criminais cabíveis, como por
exemplo o pedido de instauração de um inquérito policial.
Como se percebe, deve-se analisar cada caso de forma
concreta, atendo-se aos fatos e aos documentos existentes, deixando eventuais
animosidades de lado, e agindo sem a influência da emoção e indignação que
muitas vezes surgem numa assembleia de condomínio e impedem que o olhar crítico
prevaleça.
Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186
É advogado
atuando majoritariamente na esfera condominial. Especialista em direito
tributário na PUC/SP / Cogeae. Foi Ouvidor da AASP - Associação dos Advogados
de São Paulo e foi Relator da 20ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da
OAB/SP. Bacharel em Filosofia.