"AVCB - Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros"
São Paulo, 18 de Fevereiro de 2.019.
Seu condomínio está com o AVCB em dia? O síndico pode ser
preso por conta de um incêndio em que o condomínio esteja irregular? O
condomínio pode sofrer uma fiscalização e imposição de multa? São questões
corriqueiras quando esse assunto é abordado.
Causa perplexidade a quantidade de condomínios que não se
preocupa com a obtenção do AVCB - Auto de Vistoria do Corpo
de Bombeiros. Quando alguém é
eleito síndico deveria ter isso como uma das prioridades, pois se está lidando
com a segurança das vidas humanas e de seu próprio patrimônio, e casos recentes
de incêndio, inclusive o seguido de desmoronamento ocorrido no Largo do
Paissandu em 1º/05/2018, são um claro sinal de alerta.
No Estado de São Paulo está em vigor o Decreto n.º
56.819, de 10 de março de 2.011, que institui o Regulamento de Segurança contra
Incêndio das edificações e áreas de risco, tendo como objetivo, segundo o seu
artigo 2º:
"I
- proteger a vida dos ocupantes das edificações e áreas de risco, em caso de
incêndio;
II
- dificultar a propagação do incêndio, reduzindo danos ao meio ambiente e ao
patrimônio;
III
- proporcionar meios de controle e extinção do incêndio;
IV
- dar condições de acesso para as operações do Corpo de Bombeiros;
V
- proporcionar a continuidade dos serviços nas edificações e áreas de
risco."
Já o artigo 3º define o que é efetivamente o AVCB, assim
ensinando:
"VIII
- Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB): é o documento emitido pelo
Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo (CBPMESP)
certificando que, durante a vistoria, a edificação possuía as condições de
segurança contra incêndio, previstas pela legislação e constantes no processo,
estabelecendo um período de revalidação;"
Assim, para que possa se adequar, deve o condomínio
buscar empresas habilitadas a elaborar um projeto que deverá ser aprovado pelo
Corpo de Bombeiros, que após o cumprimento de todas as exigências expedirá o
respectivo AVCB.
O Artigo 19 dá conta da possibilidade de responsabilidades
civis e criminais do síndico em caso de não conformidade do condomínio com as
exigências do Corpo de Bombeiros:
"Artigo
19 - Os proprietários do imóvel ou o responsável pelo uso obrigam-se a manter
as medidas de segurança contra incêndio em condições de utilização,
providenciando sua adequada manutenção, sob pena de cassação do AVCB,
independentemente das responsabilidades civis e penais cabíveis."
Quando tomamos
conhecimento de um incêndio a primeira informação que se busca é se o imóvel
possuía o AVCB, e isso se dá porque os requisitos para obtê-lo permitem
minimizar as chances de prejuízos a todos os envolvidos, além de poder combater
o fogo imediatamente e salvar vidas.
Dentre as medidas
de segurança contra incêndio, estão (i) acesso de viatura na edificação; (ii)
saídas de emergência; (iii) elevador de emergência; (iv) controle de fumaça;
(v) gerenciamento de risco de incêndio; (vi) brigada de incêndio; (vii)
iluminação de emergência; (viii) detecção automática de incêndio; (ix) alarme
de incêndio; (x) extintores (aliás, o seu está vencido?); (xi) hidrante e
mangotinhos; além de outros, todos previstos no artigo 24.
O Corpo de Bombeiros é o
responsável por conceder ou não o AVCB, bem como por revogá-lo em caso de
irregularidades posteriormente detectadas. Mas se o condomínio não tiver o AVCB
é a municipalidade local que
se encarrega de lançar um auto de infração, aplicar multas, fazer uma
interdição, enfim, de tomar medidas práticas relacionadas ao direito
administrativo, cuja única preocupação é com a proteção de toda a comunidade.
Um dos mais
renomados juristas do direito administrativo brasileiro, o saudoso Hely Lopes Meireles,
lecionou que:
"As imposições urbanísticas de segurança da cidade
começam nas exigências do traçado urbano e se difundem por todos os setores que
possam oferecer perigo à vida e à incolumidade dos cidadãos, ou à
conservação de seus bens materiais. (...)
Para tanto, as normas edilícias estabelecem a tessitura das vias públicas, as
declividades máximas, os tipos de pavimentação e calçamento adequados, o recuo
e o chanfro das edificações de esquina, a modalidade dos tapumes das obras, a
sinalização dos locais perigosos, e tudo o mais que puder prevenir acidentes e
afastar os riscos à população. Nessas
imposições entram as medidas de combate e prevenção contra incêndios, (...)
o controle das construções urbanas é atribuição específica do Município, não só
para assegurar o ordenamento da cidade em seu conjunto, como para certificar-se
da segurança, da salubridade e da funcionalidade de cada edificação,
individualmente considerada." - sem destaque no original. - in Direito Municipal Brasileiro, Editora Revista
dos Tribunais, São Paulo, 1977, 3ª edição, p. 626/627, citado em Agravo de
Instrumento n.º 2243830-71.2018.8.26.0000, Rel. Des. Borelli Thomaz, 13ª Câmara
de Direito Privado do E. TJSP, julgado em 12/12/2018.
Em recente caso
(processo n.º 1009828-39.2018.8.26.0562) um condomínio tentou um recurso para
impedir a validade de uma antecipação de tutela que o obrigou a providenciar o
AVCB no prazo de 15 (quinze) dias corridos, sob pena de aplicação de multa
diária de R$ 1.000,00 (um mil reais), até o limite de R$ 100.000,00 (cem mil
reais), sem prejuízo de condenação por má-fé processual e ato atentatório à
dignidade da justiça, além de crime de desobediência. O caso foi parar no
Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que manteve a decisão do
juiz de primeira instância, e ainda deu um puxão
de orelha no condomínio:
"Agravo
de Instrumento. Ação de Obrigação de fazer cumulada com pedido de tutela de
urgência. Decisão de primeiro grau que deferiu a tutela antecipada para que o
condomínio providenciasse o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB) em 15
(quinze) dias, sob pena de multa diária. AVCB que estava vencido desde dezembro
de 2012. Obrigação que envolve a segurança dos condôminos e demais pessoas.
Obrigação do condomínio de observar a legislação e cumprir as exigências
estabelecidas pelas normas de segurança. Conduta negligente caracterizada
pela demora em solucionar os problemas e se adequar à legislação. Decisão
mantida. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO COM DETERMINAÇÃO." - sem
destaque no original. in Agravo Interno n.º 2113471-33.2018.8.26.0000/50000,
Rel. Des. L. G. Costa Wagner, da 34ª Câmara de Direito Privado do E. TJSP,
julgado em 18/09/2018.
Outras decisões que
fundamentaram o caso anterior merecem ser reproduzidas para demonstrar a
importância do condomínio se adequar o mais rápido possível:
"Ação de obrigação de
fazer destinada à adequação das instalações do condomínio às normas de
segurança para obtenção do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB).
Obrigação que envolve a segurança dos condôminos e demais pessoas que
frequentam suas dependências. Dever do condomínio de observar a legislação e
cumprir rigorosamente as exigências estabelecidas pelas normas de segurança.
Alegações de dificuldade financeira não tem o condão de afastar a imposição
legal de cumprir as diretrizes estabelecidas pelas normas de segurança contra incêndio.
Desídia do condomínio caracterizada pela demora em solucionar os problemas e em
se adequar à legislação. Prazo adequado concedido para tal finalidade. Sentença
mantida. Recurso não provido." (TJSP; Apelação 1007416-90.2014.8.26.0590;
Relator (a): Silvia Rocha; Órgão Julgador: 29ªCâmara de Direito Privado; Foro
de São Vicente - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 08/02/2017; Data de
Registro: 10/02/2017).
"CONDOMÍNIO EDILÍCIO.
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER DESTINADA À PROVIDÊNCIA PELO CONDOMÍNIO RÉU DE OBTENÇÃO
DO AUTO DE VISTORIA DO CORPO DE BOMBEIROS (AVCB). PROCEDÊNCIA RECONHECIDA. ARGUMENTOS
DO RECORRENTE QUE NÃO CONVENCEM - SENTENÇA MANTIDA POR SEUS FUNDAMENTOS ART.
252 DO RITJ/SP RECURSO NÃO PROVIDO. Não trazendo o réu fundamentos suficientes
a modificar a sentença de primeiro grau que reconheceu a procedência do pedido,
de rigor a manutenção integral da sentença, cujos fundamentos se adotam como
razão de decidir na forma do art. 252 do Regimento Interno deste Tribunal."
(TJSP; Apelação 1006350-41.2015.8.26.0590; Relator (a): Paulo Ayrosa; Órgão
Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Vicente - 6ª Vara Cível;
Data do Julgamento: 25/07/2017; Data de Registro: 26/07/2017).
Além dessa
responsabilidade relacionada ao ramo do Direito Administrativo, ou seja, à
obrigação do condomínio de estar em dia com o Corpo de Bombeiros e a
municipalidade local, pode também o condomínio ter responsabilidade civil em caso de eventuais danos causados a
terceiros, que se for constatada omissão do síndico, pode lhe atingir
pessoalmente. É o que se deduz do disposto no artigo 186, do Código Civil, que
estipula:
"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito."
Mas não só isso. O
síndico pode também ser responsabilizado criminalmente, dependendo da sua
conduta no caso concreto, que considerará os fatos envolvidos, o histórico da
situação e outras questões que não permitem uma opinião peremptória, mas que,
no mínimo, deveria trazer ao síndico a imediata tomada de medidas. Assim
determina o Código Penal Brasileiro:
Perigo para a vida ou saúde de outrem
"Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e
iminente:
Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime
mais grave."
O objetivo dessa contribuição aos síndicos e condomínios
não é causar pânico. Não há notícias de que as prefeituras estão fiscalizando
(como deveriam fazer) e lavrando autos de infração, além de aplicar multas. Mas
é assunto que deveria estar dentre as prioridades de ações do condomínio, para
que, mais do que pensar nas punições envolvidas, a vida humana esteja acima de
tudo.
Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186