São Paulo, 11 de Fevereiro de 2.019.
- De quem é a responsabilidade pelo pagamento das cotas
condominiais em caso de unidades gravadas na matrícula do imóvel com a cláusula
de 'usufruto'?
Daquele que mora no imóvel e é denominado 'usufrutuário', ou daquele que é o
proprietário e se denomina 'nu-proprietário'?
Primeiramente temos que tentar entender o que é Usufruto. Quem se beneficia de um imóvel (usufrutário)
com a cláusula de usufruto pode usá-lo e tem o direito aos frutos do imóvel
durante determinado período de tempo mesmo não sendo o dono, enquanto o
proprietário tem algumas restrições em sua propriedade.
Talvez um exemplo ajude melhor na compreensão, até porque
nossa intenção aqui é tratar da cobrança das cotas condominiais, e
não do usufruto em si, ou seja, o que nos interessa é ajudar os condomínios a
buscarem o que lhes é de direito por conta da divisão das despesas
condominiais, para que consigam receber cotas em atraso nessas situações.
É o caso dos pais que já na velhice e preocupados um com
o outro em caso de falecimento, bem como com situações legais e burocráticas,
resolvem transferir a propriedade do imóvel ao filho, mas com o gravame do usufruto
até o tempo em que estiverem vivos, ou seja, o filho passa a ser o 'dono', o
proprietário, mas com restrições: Os pais podem morar ali até quando quiserem.
Então se o filho resolver vender o imóvel, o comprador verá na matrícula que
ele possui um gravame de 'usufruto', ou seja, o negócio pode se tornar
desinteressante porque o interessado na aquisição do imóvel não terá a posse
direta (que sempre será dos pais).
Normalmente em alguns condomínios residenciais nos
deparamos com situações como essa na hora de executar as dívidas em atraso, em
que o imóvel é ocupado por um casal de idosos (usufrutuários), mas o
'nu-proprietário', o 'dono', é o filho. E aí voltamos ao questionamento
anterior, que abriu esse texto, agora num outro formato:
"- De quem deve o condomínio cobrar as cotas
condominiais em atraso, dos ocupantes do imóvel, que são os usufrutuários (os
pais) ou do efetivo proprietário (o filho)?" - note que descartei locatários, a quem nunca recomendo cobrar
judicialmente as cotas condominiais, tampouco assinar termos de acordo.
Como normalmente o direito não consegue responder a todas
as dúvidas que a sociedade lhe impõe com as situações que vão surgindo, muitas
vezes a resposta nos é concedida através do estudo e da análise sistêmica das
normas em vigor, além dos julgados, ou seja, da jurisprudência, e nesse caso,
minha recomendação é que o condomínio mova a ação contra os 'nu-proprietário',
ou seja, no caso do exemplo, os filhos, inserindo os 'usufrutuários' (os pais)
no polo passivo da ação como 'interessados', ou mesmo como réus.
E isso se deve ao fato de que no caso de eventual penhora
e leilão do imóvel as dívidas condominiais possuem caráter 'propter rem', ou
seja, acompanham o imóvel, então tanto são interessados os proprietários, que
poderão perder essa propriedade, como os usufrutuários, que poderão perder o
direito ao usufruto do imóvel.
É o que me parece mais aconselhável e mais sensato, para
que todos tenham a oportunidade de se defender e quitar as dívidas
condominiais, evitando a perda do imóvel. Reproduzo alguns julgados à seguir
que amparam esse entendimento:
“APELAÇÃO. Condomínio. Ação de cobrança de prestações
condominiais, julgada procedente. Recurso interposto pelos réus,
nu-proprietários. Alegação de que a responsabilidade deve recair,
exclusivamente, sobre a usufrutuária, nos termos do art. 1.403 do Código Civil.
Impossibilidade. Diante da natureza propter
rem das despesas condominiais, a ação de cobrança pode ser proposta tanto
contra o nuproprietário quanto contra o usufrutuário, incumbindo ao credor
(condomínio) à sua escolha, demandar aquele que melhor pode satisfazer a
obrigação. Solidariedade configurada. Réus, nu-proprietários, que exercem,
ao lado da usufrutuária, os atributos inerentes à propriedade. Inteligência
dos arts. 1.228 e 1.336, I, do CC. Precedentes da Corte e do C. STJ. Sentença
mantida. RECURSO DESPROVIDO, sem a majoração dos honorários advocatícios em
favor do patrono do autor, com base no art. 85, § 11, do CPC/2015, por já terem
sido fixados em seu limite máximo” in AP
1098340-31.2015.8.26.0100, Rel. Des. Sergio Alfieri, 35ª Câmara de Direito
Privado do E.TJSP, j. 14.08.2017. - sem grifos no original.
“EMBARGOS DE TERCEIRO AÇÃO DE COBRANÇA CONDOMÍNIO Cumprimento
de sentença Dívida propter rem Penhora do próprio imóvel devedor Nu-proprietário
e usufrutuário respondem solidariamente pelas cotas condominiais Opção do
credor cobrar um devedor ou todos eles (...)” in AP 1034035-73.2016.8.26.0562, Rel. Des. Sá Moreira de Oliveira,
33ª Câmara de Direito Privado do E.TJSP, j. 05.06.2017. - sem grifos
no original.
“DESPESAS CONDOMINIAIS Ação de cobrança ajuizada
contra nuproprietário. Sentença de procedência - Sendo a unidade
condominial onerada com usufruto, pelos encargos condominiais e perante o
Condomínio respondem usufrutuário e nu-proprietário, solidariamente. Dívida
propter rem Precedentes - Chamamento ao processo da usufrutuária Pedido
inócuo, na hipótese, uma vez que o réu não postulou pedido de reconhecimento de
solidariedade - Cerceamento de defesa Inocorrência Inexistência de controvérsia
acerca do inadimplemento - Sentença mantida Recurso improvido", in AP 4000281-02.2013.8.26.0625, Rel.
Caio Marcelo Mendes de Oliveira, 32ª Câmara de Direito Privado do E.TJSP., j.
28.01.2016. - sem grifos no original
“AÇÃO DE COBRANÇA. Despesas condominiais. Menor,
nu-proprietária da unidade autônoma devedora, que figura no polo passivo da
lide juntamente com outro nu-proprietário e corréus usufrutuários do imóvel,
todos maiores e capazes. Falta de intervenção do Ministério Público e citação
da menor por carta recebida por terceiro. Hipótese, porém, em que foi
assegurado aos demais corréus o direito ao contraditório e à ampla defesa. Obrigação solidária e indivisível pelo pagamento
das despesas condominiais que legitima a cobrança de um, alguns ou todos os
titulares do domínio, ensejando uma só decisão judicial com efeitos para todos,
a qual não seria alterada pela eventual apresentação de defesa pela menor. Ausência
de qualquer prejuízo a esta que afasta a arguição de nulidade processual (pas
de nulitté sans grief), sobretudo pela aplicação ao caso dos princípios da economia
e celeridade processuais. Recurso desprovido” in AP 1055243-78.2015.8.26.0100, Rel. Dimas Rubens Fonseca, 28ª
Câmara de Direito Privado do E.TJSP, j. 23.02.2017. - sem grifos
no original.
"(...) - Tem responsabilidade, pelo débito, o
proprietário do imóvel sobre o qual incidem as despesas condominiais, diante do
caráter propter rem da obrigação - Corréus falecidos eram meros usufrutuários
do bem - Responsabilidade apenas dos detentores da nua propriedade -
(...) in AP
0127171-14.2012.8.26.0100, Rel. Silvia Rocha, 29ª Câmara de Direito Privado do
E.TJSP, j. 18.12.2018. - sem grifos no original.
Para quem possui interesse na figura do
usufruto o Código Civil de 2002 dispõe sobre ele nos artigos 1.390 a
1.411, mas para os condomínios o que importa saber é que o rol de
possibilidades de cobrança aumenta nessas situações, embora, como se sabe, o
próprio imóvel é garantido para a cobrança das dívidas condominiais por ser uma
obrigação propter rem, que segue o
imóvel.
Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186
Excelente texto Dr. Joel. Tratou do assunto de forma simples mas com profundidade.
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