quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Caracteriza-se dano moral informar nos boletos mensais as unidades devedoras? E se isso for feito na assembleia?



São Paulo, 30 de Janeiro de 2.019.

Talvez por acreditar que a relação que possui com o condomínio seria de consumo, alguns moradores devedores acreditam que possuem as mesmas prerrogativas que os consumidores de produtos e serviços quando são cobrados por dívidas condominiais, mas a verdade é que não se aplica o Código do Consumidor (Lei n.º 8.078/90) às relações condominiais - mas nem por isso o síndico pode contratar um carro de som para fazer a cobrança de forma vexatória na portaria do condomínio.

A questão desse texto é bem rápida e direta e já respondendo as duas perguntas do título a resposta é 'sim', o condomínio não só pode como deve informar nos boletos quais são as unidades devedoras, acompanhado do montante em aberto, se possível de forma atualizada, pois isso se caracteriza como 'prestação de contas', para que todos os demais condôminos consigam compreender o impacto da inadimplência sobre as contas do condomínio.

Na assembleia dá-se da mesma forma, ou seja, quando houver a discussão da prestação de contas, que em muitos condomínios ocorre no presente mês de janeiro e no primeiro trimestre do ano, o síndico pode abrir um tópico onde vai explicar quais são as unidades devedoras e quais as medidas que foram tomadas para que o condomínio tente receber o que lhe é de direito.

Aliás, o síndico tem obrigação de prestar contas e de tomar todas as medida legais cabíveis em nome do condomínio, exercendo seu poder dentro das regras previstas na Convenção de Condomínio e do Código Civil.

Veja o que estipula o artigo 1.348, do Código Civil:

Art. 1.348. Compete ao síndico:
(...)
II - representar, ativa e passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos necessários à defesa dos interesses comuns;
III - dar imediato conhecimento à assembleia da existência de procedimento judicial ou administrativo, de interesse do condomínio;
IV - cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia;
VI - elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano;
VII - cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar as multas devidas;
VIII - prestar contas à assembleia, anualmente e quando exigidas; (...) "

Perceba que são obrigações que o síndico possui que estão interligadas e que demandam providências e transparência diante daqueles a quem representa durante seu mandato.

Em recente decisão (11-julho-2018) o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (E.TJSP), através da sua 25ª Câmara de Direito Privado, apelação n.º 1006680-23.2017.8.26.0152, proveniente da 2ª Vara Cível da Comarca de Cotia, assim entendeu diante de um pleito de danos morais formulado por um condômino:

"CONDOMÍNIO - Direito de participar e de votar em assembleia que pressupõe comprovação do adimplemento com os rateios - Artigo 1.335 do Código Civil - Situação de inadimplência comprovada e criada pelo próprio condômino que, por conta própria, realizou a composição dos valores do rateio do mês de julho de 2016 - Danos morais não configurados - Informação da situação de inadimplência que era necessária em razão do desejo do condômino de participar do pleito ao cargo de síndico - Questão secundária e inerente ao próprio cargo em disputa - Ação julgada improcedente - Sentença confirmada. - Recurso desprovido." - Desembargador Relator Edgard Rosa.

Perceba-se, assim, que se o condômino que sabe ser devedor comparece na assembleia e ali é alertado pela funcionária da administradora que não pode participar da assembleia porque sua unidade está em débito com o condomínio, não há nessa informação qualquer dano moral, pois a colaboradora está tão somente cumprindo a Convenção de Condomínio e o que está delimitado no artigo 1.335, do Código Civil:

"Art. 1.335. São direitos do condômino:
(...)
III - votar nas deliberações da assembleia e delas participar, estando quite."

Mas também não cabe ao síndico ficar espalhando aos quatro cantos do condomínio quem são os devedores, expô-los ao ridículo, constrangê-los, enfim, criar situações de humilhação que possam causar problemas ao próprio condomínio com uma condenação por danos morais, Mas, por outro lado, pode o síndico utilizar-se das prerrogativas normais de prestação de contas para explicar o motivo da inadimplência, prestando contas, inclusive, do que está sendo feito caso a caso.

É bom lembrar que o condomínio já possui meios legais para cobrar as dívidas e por isso que seus esforços devem ser tomados pelas vias próprias, que hoje são as ações de execução de títulos extrajudiciais.

Na apelação n.º 1017086-02.2015.8.26.0564, também do E. TJSP, a Relatora Desembargadora Maria Lúcia Pizzotti, da 30ª Câmara de Direito Privado, julgou em 07/03/2018 processo proveniente da Comarca de São Bernardo do Campo, proferindo a seguinte Ementa:

APELAÇÃO - AÇÃO DE COBRANÇA - DESPESAS CONDOMINIAIS - INADIMPLÊNCIA INCONTESTE - RECONVENÇÃO - INDICAÇÃO DA RELAÇÃO DAS UNIDADES INADIMPLENTES - DANO MORAL NÃO CONFIGURADO -
- É inconteste o débito em aberto, fato não negado pelos réus. As alegações de dificuldades financeiras ou crise econômica não são suficientes para afastar a cobrança dos valores inadimplidos - procedente a cobrança das despesas condominiais.
- Os boletos de cobrança que são enviados diretamente às unidades condominiais (inadimplentes ou não) possuem um campo específico com a relação das unidades inadimplentes e os respectivos valores devidos - tal conduta, por si só, não é abusiva. RECURSO IMPROVIDO."

Note que interessante o que a Dra. Maria Lúcia Pizzotti destaca no corpo do seu voto:

"(...) Deve-se destacar também que os condôminos também são gestores do Condomínio, têm o direito de saber de todas as despesas, bem como a dívida das unidades, sendo indevido o sigilo de tais informações. Dessa maneira, o síndico tem o dever de informar a todos sobre a realidade financeira do Condomínio."

Ou seja, o síndico está na verdade prestando contas!

Hamilton Quirino Câmara, em sua obra "Condomínio Edilício - Manual prático com perguntas e respostas", Lumen Juris Editora, 3ª Edição, 2ª tiragem, Rio de Janeiro, 2012, ensina que:

"Não configura dano moral a mera indicação das unidades que se encontram em débito em um condomínio. Pelo contrário, o síndico tem o dever de prestar contas, sendo obrigado a sempre informar a relação das unidades devedoras. O que poderia em tese constituir dano moral seria a exibição do nome do devedor de forma destacada em quadros de avisos, vindo a comprovadamente causar-lhe vexames e constrangimentos. Note-se que a obrigação do condômino é pagar sua cota-parte, e não usar a desculpa da divulgação para fugir à responsabilidade, pois hoje existe uma verdadeira indústria do dano moral. (...)" pg. 230

Provavelmente a preocupação do autor em não se inserirem dados dos devedores em quadro de avisos visa a evitar que se exponham os devedores a visitas e terceiros que não possuem interesse na prestação de contas e, por cautela, sugere-se não fazer esse tipo de exposição. Não obstante, mesmo nesses casos há entendimentos de que a conduta do condomínio não seria abusiva:

"RESPONSABILIDADE CIVIL Condomínio - Afixação em Quadros de Avisos do Condomínio, do Relatório dos Apartamentos Inadimplentes Mensalmente Conduta regular e dever da administração prestar contas aos condôminos, não configurando, o caso, ato destinado à exposição do condômino autor a situação vexatória e de constrangimento Indenização indevida Recurso desprovido, por maioria." Apelação n.º 9175420-51.2009.8.26.0000, da 1ª Câmara de Direito Privado do ETJSP, de 25/02/2014, Des. Rel. Rui Cascaldi, originária da Comarca de Osasco.

Portanto, ao menos quatro lições se extrai dessas breves linhas:

1) o síndico deve divulgar aos moradores, através dos boletos mensais, qual é o número das unidades devedoras, acompanhadas do valor devido, pois isso é mais uma forma de prestação de contas aos demais condôminos;

2) também na assembleia de prestação de contas, ou mesmo numa assembleia extraordinária, em que algum morador questionar sobre as contas e a inadimplência, pode o síndico e a administradora informar quais as unidades devedoras e o que o síndico fez para cobrar os valores devidos;

3) se o devedor comparecer na assembleia ele deve ser discretamente lembrado de sua condição de devedor e da impossibilidade de participar da assembleia por conta das disposições do Código Civil e da Convenção de Condomínio; e

4) por cautela, é melhor não inserir dados dos devedores em quadros de avisos espalhados pelas áreas comuns do condomínio para não expor os devedores a terceiros, embora alguns julgados entendam que isso não seria irregular."

Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Inadimplente de condomínio que faz acordo continua inadimplente - não existência de novação



São Paulo, 18 de Janeiro de 2.019.

O condômino que deve cotas condominiais e faz um 'acordo' para pagamento continua sendo considerado como inadimplente para todos os fins de direito, pois a designação de novas datas para o pagamento das dívidas não se constitui como 'novação' da dívida, ou seja, não foi extinta uma obrigação para o começo de outra - apenas se delimitou novas datas para o pagamento da dívida que ainda existe.

O Código Civil, em seu artigo 360, estipula que a novação ocorre "quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e substituir a anterior". No caso do acordo para pagamento de cotas condominiais em atraso o que se percebe é que o condomínio tão somente facilita o pagamento em mais prestações e com novas datas, mas a obrigação permanece a mesma - não se está tratando de uma nova dívida.

Isso parece não ter relevância numa análise superficial, mas traz consequências sérias, como por exemplo a impossibilidade de participação em assembleia, pois o art. 1.335, do Código Civil, em seu inciso III, determina que são direitos do condômino "votar nas deliberações da assembleia e delas participar, estando quite."

Obviamente que se não houve novação, ou seja, se não foi extinta a obrigação anterior e adquirida uma nova obrigação, mas tão somente alterada a forma de pagamento, com estipulação de novas datas, o morador que fez um acordo continua sendo considerado inadimplente e não pode participar das assembleias de condomínio.

Talvez por conhecer a lei, particularmente eu teria vergonha de tentar participar de uma assembleia sendo devedor, mas na prática o que vemos é que moradores inadimplentes aparecem na assembleia, com ou sem acordo, e bradam aos quatro cantos do salão de festas (onde normalmente são realizadas as assembleias) que querem participar:

"- Você está me causando constrangimento!!!"
"- Estou sofrendo dano moral!!! Está me cobrando?!!!!
"- Você está me expondo na frente de todo mundo!!!!"

Em certa ocasião eu mesmo tive que me manifestar antes de começar uma assembleia, quando um morador, na hora de assinar a lista de presença, foi avisado discretamente pela colaboradora de uma administradora. Sentiu-se ofendido quando a garota perguntou se ele sabia que constava uma cota condominial em aberto e começou a gritar com ela.

Tive que intervir com firmeza para lembrá-lo que a ninguém é dado descumprir alguma norma alegando seu desconhecimento e, além disso, a garota estava apenas cumprindo o seu trabalho, diga-se, depois de uma jornada completa de trabalho durante o dia estava naquele momento, à noite, numa assembleia de condomínio, sendo ofendida. Se ele não concordava com o Código Civil que brigasse com os legisladores que a elaboraram, não com ela.

E a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro determina em seu artigo 3º que "Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece." (Decreto-Lei n.º 4.657/1942).

Mas voltando ao inadimplente que faz acordo, independentemente de qualquer coisa sugiro sempre que quando o condomínio pactua com o devedor um Termo de Acordo, ou mesmo um Termo de Confissão de Dívida, onde se estipulam as formas de pagamento e respectivas datas, dentre outras obrigações, deixe claro que aquele documento não se constitui como uma novação, pois a obrigação existente não foi extinta para a criação de uma nova, tratando-se de mera liberalidade do condomínio.

Sim! Mera liberalidade! O condomínio não é obrigado a aceitar acordo nenhum, pois a dívida eventualmente existente deve ser paga integralmente e à vista. Portanto, eventual acordo significa tão somente a facilitação do pagamento, pois pode ser que o condomínio considere que estrategicamente lhe é mais benéfico um acordo.

São diversos os julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que não reconhecem a existência de 'novação' nessas circunstâncias, e se não há 'novação', a dívida primitiva ainda existe:

"Apelação - Ação declaratória - Anulação de assembleia condominial - Sentença que reconheceu a legitimidade do impedimento da candidatura do apelante ao cargo de síndico do condomínio apelado - Existência de débitos condominiais não quitados - Novação - Obrigação que restou renovada, absorvendo o débito não satisfeito anteriormente, não havendo que se falar em satisfação da obrigação primitiva - Recurso, nesta parte, improvido." - in Apelação n.º 0348401-45.2009.8.26.0000, Voto n.º 13405, 2ª Vara Cível do Foro Regional de Santana - Comarca de São Paulo, Juíza Maria Salete Corrêa Dias - Relator Des. José Joaquim dos Santos, 2ª Câmara de Direito Privado.

E o Relator cita ensinamento de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery sobre a definição de 'novação':

"Novação significa modificação ou substituição de uma obrigação por outra. Como tal não se entende a tolerância ou prorrogação de prazo para o recebimento de dívida. É a transformação de uma obrigação por outra. A causa da nova obrigação é a anterior, que desaparece. Novação é o negócio jurídico por meio do qual se cria uma nova obrigação, com o objetivo precípuo de extinguir-se obrigação anterior (Lacerda de Almeida. Novação, verbete in REDB, v. 34, p. 275). Por isso a novação é operação liberatória, vale dizer, uma das causas de extinção da obrigação, colocando-se no lugar da extinta, uma nova obrigação. "é uma datio in solutum, em que a coisa dada em pagamento é uma obrigação nova" (Fulgêncio. Obrigações, p. 227). O caráter liberatório da obrigação anterior reside na sua extinção em face do nascimento de nova obrigação. Contudo, a extinção não satisfaz o crédito e o débito, que subsistem e se renovam por meio da nova obrigação (obligatio novanda). Há, por conseguinte, inovação do vinculum iuris, que extingue, mas não satisfaz a obrigação primitiva e que absorve o débito e o crédito não satisfeito anteriormente. (Venosa. Dir. Civ., v. II, n. 12.5.1, p. 290). (...)" (grifos nossos) (Código de Processo Civil Comentado, 7ª ed., Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2009, p. 485, nota 1 ao artigo 360)"

Por isso que muitas administradoras não entendem quando o advogado informa que não há como dar baixa em determinadas cotas condominiais com o andamento do acordo (especialmente quando se pactuam mais parcelas do que as cotas condominiais em aberto), pois a dívida primitiva subsiste em sua integralidade com o acordo firmado, até que seu pagamento seja definitivamente quitado - não houve uma criação de uma nova obrigação, mas permaneceu a dívida anterior, apenas com as devidas correções, alterações de valores e datas e pagamento.

Temos também outros entendimentos interessantes, que vou citar apenas pequenos trechos para não deixar cansativa a leitura:

"APELAÇÃO - AÇÃO DE COBRANÇA DE COTAS CONDOMINIAIS (...) NATUREZA PROPTER REM DA OBRIGAÇÃO - ACORDO FIRMADO ENTRE ANTIGO INQUILINO E O CONDOMÍNIO QUE NÃO CONFIGURA NOVAÇÃO ANTE A AUSÊNCIA DE ÂNIMO DO CONDOMÍNIO EM SUBSTITUIR E LIBERAR A PROPRIETÁRIA DO IMÓVEL." Apelação n.º 1037929-77.2015.8.26.0114, Rel. Des. Cesar Luiz de Almeida, 28ª Câmara de Direito Privado do TJSP.

"CONDOMÍNIO - Ação Declaratória de Inexistência de Débito - Confissão de dívida firmada pelo ex-marido da autora - Novação - Inexistência de alteração substancial da dívida - Imóvel que, após a partilha do divórcio do casal passou a integrar o patrimônio exclusivo da autora - Natureza propter rem da obrigação - Encargos vinculados à coisa imóvel que são de responsabilidade do proprietário com relação ao credor - Sentença Mantida. Recurso não provido." in Apelação n.º 1023954-62.2017.8.26.0002, Rel. Des. Sá Moreira de Oliveira, 33ª Câmara de Direito Privado do TJSP).

Sem contar aqueles condôminos, velhos conhecidos de todos, que fazem acordo antes da assembleia, apenas para delas poder participar, tentam utilizar isso para dizer que estão adimplentes, pagam apenas a primeira parcela e você só os encontra na próxima assembleia de condomínio, tentando fazer um 'novo acordo'...

Enfim, acredito que essa tendência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo consegue nos dar uma certa segurança jurídica de que o condomínio pode, sim, considerar como inadimplente eventuais condôminos que firmaram acordo, salvo situações muito particulares que devem ser analisadas caso a caso.

Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Os inadimplentes podem ser proibidos de usar as áreas comuns dos condomínios?



São Paulo, 10 de Janeiro de 2.019.

A inadimplência em condomínios é perversa porque ela desfigura totalmente a previsão orçamentária e muitas vezes impede que o síndico tenha condições de cumprir com suas obrigações perante os funcionários e prestadores de serviços.

Condomínios que possuem inadimplência muito alta tendem a estudar formas para tentar minimizar o problema, chamando os devedores para conversar e muitas vezes propondo o parcelamento das cotas em aberto, pois embora o condomínio não seja obrigado a parcelar, é fato que "muitas vezes é melhor um mau acordo do que nada receber de imediato" - então dependerá de caso a caso.

Mas quando nos deparamos com um cenário de alto índice de desemprego como esse pelo qual passa o Brasil neste momento, a tendência é que muitos moradores não consigam adimplir a dívida, não restando ao condomínio alternativa que a cobrança judicial, pois como se sabe, a dívida condominial é 'propter rem', termo latino para indicar, a grosso modo, que ela segue o imóvel, que poderá até ser leiloado para saldar a dívida, podendo o inadimplente perder o próprio bem que possui. Dever cota condominial pode ser perigoso. Já vi vários casos de pessoas que perderam o imóvel, não se podendo utilizar o argumento de impenhorabilidade, por tratar-se de 'bem de família', pois ele não se aplica às dívidas condominiais.

Mas a alternativa que possui o condomínio morre por aqui: cobrança extrajudicial e judicial da dívida.

Não pode o condomínio, por exemplo, restringir acesso às áreas comuns e de lazer, como piscina, salão de jogos, academia, dentre outras, pois embora não haja expressa proibição legal para que o síndico assim proceda, o fato é que a jurisprudência vem atendendo pleitos de indenização por danos morais de moradores que tiveram qualquer tipo de restrição, com respaldo até do Superior Tribunal de Justiça - STJ, que entende que as formas coercitivas constantes no Código Civil são taxativas, ou seja, não cabe inovação por parte do condomínio.

Perceba que isso também representaria uma dupla punição, pois o devedor, que já é vitimado com juros, correção monetária, multa, honorários advocatícios, além de sofrer execução judicial, que é uma ação muito mais rápida, também perderia acesso a usufruir de seu direito de propriedade, sendo considerada essa restrição como ilegal e como ofensa à honra e à integridade do devedor.

Muitos síndicos já me ligaram irritadíssimos pelo fato de que determinado morador devia mais de dez cotas condominiais e havia chegado no condomínio ostentando seu veículo novo, zero quilômetro. A resposta que dou a esses síndicos normalmente são as seguintes: "Olha, realmente isso é irritante, mas você já cobrou o morador de forma extrajudicial? Tentou fazer um acordo? Ah... sei! Tudo isso não surtiu efeito? Então porque você ainda não distribuiu uma ação contra ele?"

E não adiantam os argumentos de que a restrição ao uso das áreas comuns por parte dos devedores foi aprovada numa assembleia ou mesmo consta da própria Convenção de Condomínio, pois isso é irrelevante diante da já existência de meios próprios para cobrança.

Julgado recente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, de sua Terceira Câmara de Direito Privado, processo n.º 1008956-78.2018.8.11.0000, em agravo de instrumento, da Relatora Desembargadora Cleuci Terezinha Chagas Pereira da Silva, de 05/12/2018, assim entendeu:

"EMENTA - AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO ANULATÓRIA - COTAS CONDOMINIAIS EM ATRASO - PROIBIÇÃO DA UTILIZAÇÃO DAS ÁREAS DE USO COMUM - COAÇÃO NA TENTATIVA DE BUSCAR O CRÉDITO - RECURSO PROVIDO. A inadimplência do condômino não justifica a vedação de uso das áreas condominiais comuns, pois se caracteriza como conduta coercitiva ilegítima, mormente considerando que a dívida está sendo discutida judicialmente e ordenamento jurídico coloca à disposição do condomínio instrumentos de coercibilidade, de garantia e de cobrança da dívida, conforme se constata nos arts. 1.336 e 1.337, ambos do Código Civil."

No caso concreto, pouco importou que a decisão havia sido aprovada em assembleia de condomínio:

"Cuida-se de Recurso de Agravo de Instrumento interposto por THEMIS DE OLIVEIRA contra decisão do Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis que, nos autos da Ação Anulatória movida contra CONDOMÍNIO RESIDENCE CLASSIC, indeferiu o pedido de antecipação de tutela, no sentido de impedir o cumprimento de deliberação da assembleia condominial que vedou a utilização pelos condôminos inadimplentes das áreas sociais comum do condomínio. (ID 2940864)"

A decisão acima encontra-se em harmonia com as prolatadas pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça - STJ, que entende ilegal a proibição de uso das áreas comuns mesmo quando há expressa previsão na convenção de condomínio. Por sua didática e por ser uma verdadeira aula, reproduzo-a na íntegra:

"RECURSO ESPECIAL. RESTRIÇÃO IMPOSTA NA CONVENÇÃO CONDOMINIAL DE ACESSO À AREA COMUM DESTINADA AO LAZER DO CONDÔMINO EM MORA E DE SEUS FAMILIARES. ILICITUDE. RECONHECIMENTO. 1. DIREITO DO CONDÔMINO DE ACESSO A TODAS AS PARTES COMUNS DO EDIFÍCIO, INDEPENDENTE DE SUA DESTINAÇÃO. INERÊNCIA DO INSTITUTO DO CONDOMÍNIO. 2. DESCUPRIMENTO DO DEVER DE CONTRIBUIÇÃO COM AS DESPESAS CONDOMINIAIS. SANÇÕES PECUNIÁRIAS TAXATIVAMENTE PREVISTAS NO CÓDIGO CIVIL. 3. IDÔNEOS E EFICAZES INSTRUMENTOS LEGAIS DE COERCIBILIDADE, DE GARANTIA E DE COBRANÇA POSTOS À DISPOSIÇÃO DO CONDOMÍNIO. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. 4. MEDIDA RESTRITIVA QUE TEM O ÚNICO E ESPÚRIO PROPÓSITO DE EXPOR OSTENSIVAMENTE A CONDIÇÃO DE INADIMPLÊNCIA DO CONDÔMINO E DE SEUS FAMILIARES PERANTE O MEIO SOCIAL EM QUE RESIDEM. DESBORDAMENTO DOS DITAMES DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA. VERIFICAÇÃO. 5. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.

1. O direito do condômino ao uso das partes comuns, seja qual for a destinação a elas atribuídas, não decorre da situação (circunstancial) de adimplência das despesas condominiais, mas sim do fato de que, por lei, a unidade imobiliária abrange, como parte inseparável, não apenas uma fração ideal no solo (representado pela própria unidade), bem como nas outras partes comuns que será identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do condomínio (§3º do art. 1.331 do Código Civil). Ou seja, a propriedade da unidade imobiliária abrange a correspondente fração ideal de todas as partes comuns. A sanção que obsta o condômino em mora de ter acesso a uma área comum (seja qual for a sua destinação), por si só, desnatura o próprio instituto do condomínio, limitando, indevidamente, o correlato direito de propriedade.

2. Para a específica hipótese de descumprimento do dever de contribuição pelas despesas condominiais, o Código Civil impõe ao condômino inadimplente severas sanções de ordem pecuniária, na medida de sua recalcitrância.

2.1 Sem prejuízo da sanção prevista no art. 1.336, §1º, do Código Civil, em havendo a deliberada reiteração do comportamento faltoso (o que não se confunde o simples inadimplemento involuntário de alguns débitos), instaurando-se permanente situação de inadimplência, o Código Civil estabelece a possibilidade de o condomínio, mediante deliberação de 3/4 (três quartos) dos condôminos restantes, impor ao devedor contumaz outras penalidades, também de caráter pecuniário, segundo gradação proporcional à gravidade e à repetição dessa conduta (art. 1.337, caput e parágrafo único - multa pecuniária correspondente até o quíntuplo ou até o décuplo do valor da respectiva cota condominial).

2.2 O art. 1.334, IV, do Código Civil apenas refere quais matérias devem ser tratadas na convenção condominial, entre as quais, as sanções a serem impostas aos condôminos faltosos. E nos artigos subsequentes, estabeleceu-se, para a específica hipótese de descumprimento do dever de contribuição com as despesas condominiais, a imposição das sanções pecuniárias acima delineadas.
Inexiste, assim, margem discricionária para outras sanções, que não as pecuniárias nos limites da lei.

3. Além das sanções pecuniárias, a lei adjetiva civil, atenta à essencialidade do cumprimento do dever de contribuir com as despesas condominiais, estabelece a favor do condomínio efetivas condições de obter a satisfação de seu crédito, inclusive por meio de procedimento que privilegia a celeridade.

3.1 A Lei n. 8.009/90 confere ao condomínio uma importante garantia à satisfação dos débitos condominiais: a própria unidade condominial pode ser objeto de constrição judicial, não sendo dado ao condômino devedor deduzir, como matéria de defesa, a impenhorabilidade do bem como sendo de família. E, em reconhecimento à premência da satisfação do crédito relativo às despesas condominiais, o Código de Processo Civil de 1973, estabelecia o rito mais célere, o sumário, para a respectiva ação de cobrança. Na sistemática do novo Código de Processo Civil, aliás, as cotas condominiais passaram a ter natureza de título executivo extrajudicial (art. 784, VIII), a viabilizar, por conseguinte, o manejo de ação executiva, tornando a satisfação do débito, por meio da incursão no patrimônio do devedor (possivelmente sobre a própria unidade imobiliária) ainda mais célere. Portanto, diante de todos esses instrumentos (de coercibilidade, de garantia e de cobrança) postos pelo ordenamento jurídico, inexiste razão legítima para que o condomínio dele se aparte.

4. A vedação de acesso e de utilização de qualquer área comum pelo condômino e de seus familiares, independentemente de sua destinação (se de uso essencial, recreativo, social, lazer, etc), com o único e ilegítimo propósito de expor ostensivamente a condição de inadimplência perante o meio social em que residem, desborda dos ditames do princípio da dignidade humana.

5. Recurso especial improvido. (REsp 1564030/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 19/08/2016)".

Portanto, esqueça formas de revanchismo e deixe a sua indignação nas mãos do advogado de seu condomínio para que ele maneje tecnicamente a única possibilidade existente diante da existência de dívidas condominiais: execução judicial das cotas condominiais.

Fora disso o condomínio pode sofrer multas e eventualmente ser condenado a uma indenização por danos morais. Já pensou? Além de não receber as cotas condominiais o condomínio ainda pode ter que pagar pelo constrangimento ilegal que impôs ao devedor?

Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186

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