São Paulo, 30 de Janeiro de 2.019.
Talvez por acreditar que a relação que possui com o
condomínio seria de consumo, alguns moradores devedores acreditam que possuem
as mesmas prerrogativas que os consumidores de produtos e serviços quando são
cobrados por dívidas condominiais, mas a verdade é que não se aplica o Código
do Consumidor (Lei n.º 8.078/90) às relações condominiais - mas nem por isso o
síndico pode contratar um carro de som para fazer a cobrança de forma vexatória
na portaria do condomínio.
A questão desse texto é bem rápida e direta e já
respondendo as duas perguntas do título a resposta é 'sim', o condomínio não só
pode como deve informar nos boletos quais são as unidades devedoras,
acompanhado do montante em aberto, se possível de forma atualizada, pois isso
se caracteriza como 'prestação de contas', para que todos os demais condôminos
consigam compreender o impacto da inadimplência sobre as contas do condomínio.
Na assembleia dá-se da mesma forma, ou seja, quando
houver a discussão da prestação de contas, que em muitos condomínios ocorre no
presente mês de janeiro e no primeiro trimestre do ano, o síndico pode abrir um
tópico onde vai explicar quais são as unidades devedoras e quais as medidas que
foram tomadas para que o condomínio tente receber o que lhe é de direito.
Aliás, o síndico tem obrigação de prestar contas e de
tomar todas as medida legais cabíveis em nome do condomínio, exercendo seu
poder dentro das regras previstas na Convenção de Condomínio e do Código Civil.
Veja o que estipula o artigo 1.348, do Código Civil:
Art. 1.348. Compete ao
síndico:
II - representar, ativa e
passivamente, o condomínio, praticando, em juízo ou fora dele, os atos
necessários à defesa dos interesses comuns;
III - dar imediato conhecimento à
assembleia da existência de procedimento judicial ou administrativo, de
interesse do condomínio;
Perceba que são obrigações que o síndico possui que estão
interligadas e que demandam providências e transparência diante daqueles a quem
representa durante seu mandato.
Em recente decisão (11-julho-2018) o Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo (E.TJSP), através da sua 25ª Câmara de Direito
Privado, apelação n.º 1006680-23.2017.8.26.0152, proveniente da 2ª Vara Cível
da Comarca de Cotia, assim entendeu diante de um pleito de danos morais
formulado por um condômino:
"CONDOMÍNIO
- Direito de participar e de votar em assembleia que pressupõe comprovação do
adimplemento com os rateios - Artigo 1.335 do Código Civil - Situação de
inadimplência comprovada e criada pelo próprio condômino que, por conta
própria, realizou a composição dos valores do rateio do mês de julho de 2016 -
Danos morais não configurados - Informação da situação de inadimplência que era
necessária em razão do desejo do condômino de participar do pleito ao cargo de
síndico - Questão secundária e inerente ao próprio cargo em disputa - Ação
julgada improcedente - Sentença confirmada. - Recurso desprovido." - Desembargador
Relator Edgard Rosa.
Perceba-se, assim, que se o condômino que sabe ser
devedor comparece na assembleia e ali é alertado pela funcionária da
administradora que não pode participar da assembleia porque sua unidade está em
débito com o condomínio, não há nessa informação qualquer dano moral, pois a
colaboradora está tão somente cumprindo a Convenção de Condomínio e o que está
delimitado no artigo 1.335, do Código Civil:
"Art. 1.335. São direitos do condômino:
(...)
Mas também não cabe ao síndico ficar espalhando aos
quatro cantos do condomínio quem são os devedores, expô-los ao ridículo,
constrangê-los, enfim, criar situações de humilhação que possam causar
problemas ao próprio condomínio com uma condenação por danos morais, Mas, por
outro lado, pode o síndico utilizar-se das prerrogativas normais de prestação
de contas para explicar o motivo da inadimplência, prestando contas, inclusive,
do que está sendo feito caso a caso.
É bom lembrar que o condomínio já possui meios legais
para cobrar as dívidas e por isso que seus esforços devem ser tomados pelas
vias próprias, que hoje são as ações de execução de títulos extrajudiciais.
Na apelação n.º 1017086-02.2015.8.26.0564, também do E.
TJSP, a Relatora Desembargadora Maria Lúcia Pizzotti, da 30ª Câmara de Direito
Privado, julgou em 07/03/2018 processo proveniente da Comarca de São Bernardo
do Campo, proferindo a seguinte Ementa:
APELAÇÃO -
AÇÃO DE COBRANÇA - DESPESAS CONDOMINIAIS - INADIMPLÊNCIA INCONTESTE -
RECONVENÇÃO - INDICAÇÃO DA RELAÇÃO DAS UNIDADES INADIMPLENTES - DANO MORAL NÃO
CONFIGURADO -
- É inconteste
o débito em aberto, fato não negado pelos réus. As alegações de dificuldades
financeiras ou crise econômica não são suficientes para afastar a cobrança dos
valores inadimplidos - procedente a cobrança das despesas condominiais.
- Os boletos
de cobrança que são enviados diretamente às unidades condominiais
(inadimplentes ou não) possuem um campo específico com a relação das unidades
inadimplentes e os respectivos valores devidos - tal conduta, por si só, não é
abusiva. RECURSO IMPROVIDO."
Note que interessante o que a Dra. Maria Lúcia Pizzotti
destaca no corpo do seu voto:
"(...) Deve-se
destacar também que os condôminos também são gestores do Condomínio, têm o
direito de saber de todas as despesas, bem como a dívida das unidades, sendo
indevido o sigilo de tais informações. Dessa maneira, o síndico tem o dever de
informar a todos sobre a realidade financeira do Condomínio."
Ou seja, o síndico está na verdade prestando contas!
Hamilton Quirino Câmara, em sua obra "Condomínio
Edilício - Manual prático com perguntas e respostas", Lumen Juris Editora,
3ª Edição, 2ª tiragem, Rio de Janeiro, 2012, ensina que:
"Não
configura dano moral a mera indicação das unidades que se encontram em débito
em um condomínio. Pelo contrário, o síndico tem o dever de prestar contas,
sendo obrigado a sempre informar a relação das unidades devedoras. O que
poderia em tese constituir dano moral seria a exibição do nome do devedor de
forma destacada em quadros de avisos, vindo a comprovadamente causar-lhe
vexames e constrangimentos. Note-se que a obrigação do condômino é pagar sua
cota-parte, e não usar a desculpa da divulgação para fugir à responsabilidade,
pois hoje existe uma verdadeira indústria do dano moral. (...)" pg. 230
Provavelmente a preocupação do autor em não se inserirem
dados dos devedores em quadro de avisos visa a evitar que se exponham os
devedores a visitas e terceiros que não possuem interesse na prestação de
contas e, por cautela, sugere-se não fazer esse tipo de exposição. Não
obstante, mesmo nesses casos há entendimentos de que a conduta do condomínio
não seria abusiva:
"RESPONSABILIDADE CIVIL Condomínio -
Afixação em Quadros
de Avisos
do Condomínio,
do Relatório dos Apartamentos Inadimplentes Mensalmente Conduta regular e dever
da administração prestar contas aos condôminos, não configurando, o caso, ato
destinado à exposição do condômino autor a situação vexatória e de
constrangimento Indenização indevida Recurso desprovido, por maioria." Apelação n.º 9175420-51.2009.8.26.0000, da 1ª Câmara de Direito Privado
do ETJSP, de 25/02/2014, Des. Rel. Rui Cascaldi, originária da Comarca de
Osasco.
Portanto, ao menos quatro
lições se extrai dessas breves linhas:
1) o síndico deve divulgar aos moradores, através dos
boletos mensais, qual é o número das unidades devedoras, acompanhadas do valor
devido, pois isso é mais uma forma de prestação de contas aos demais
condôminos;
2) também na assembleia de prestação de contas, ou mesmo
numa assembleia extraordinária, em que algum morador questionar sobre as contas
e a inadimplência, pode o síndico e a administradora informar quais as unidades
devedoras e o que o síndico fez para cobrar os valores devidos;
3) se o devedor comparecer na assembleia ele deve ser
discretamente lembrado de sua condição de devedor e da impossibilidade de
participar da assembleia por conta das disposições do Código Civil e da
Convenção de Condomínio; e
4) por cautela, é melhor não inserir dados dos devedores em
quadros de avisos espalhados pelas áreas comuns do condomínio para não expor os
devedores a terceiros, embora alguns julgados entendam que isso não seria
irregular."
Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186