quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Posso estacionar a motocicleta e o meu automóvel na mesma vaga da garagem do condomínio?



São Paulo, 22 de Novembro de 2.018.

Uma dúvida que muitas vezes surge nos condomínios é se dentro da vaga demarcada para o estacionamento de um veículo pode o morador estacionar, além do automóvel, também a motocicleta, ou seja, dois veículos na mesma vaga, desde que não ultrapassem a faixa e não atrapalhem os demais moradores.

Mas por qual motivo um síndico não deixaria um morador estacionar dentro da linha demarcada, numa vaga enorme, que cabe um elefante - Não! Cabem dois elefantes! - o automóvel e a respectiva motocicleta? Seria porque a convenção diz que somente pode ser estacionado um veículo por vaga? Não seria possível em determinadas situações deixar o legalismo de lado?

Em alguns casos, além de proibir o uso da vaga para a motocicleta e o automóvel, ainda por cima são aplicadas multas, que depois são ratificadas em assembleias raivosas, daquelas que mais um pouco virariam um filme de Tarantino, para que, não restando alternativa, o suposto infrator bata às portas do Poder Judiciário para anulá-las, quando o juiz então afastará a aplicação da Convenção de Condomínio, sopesando quem preponderará nesse caso, se a Convenção ou o Direito de Propriedade, prevalecendo em muitas situações este último.

Sim! A Convenção de Condomínio é a norma máxima que deve vigorar dentro do condomínio, mas lembremos que ela não possui validade alguma, ou ao menos é relativizada, quando se demonstra em choque com alguma outra norma que está em vigor, como por exemplo, o direito de propriedade. Estamos diante do campo da interpretação do direito, seara nebulosa que somente os operadores do direito conseguirão desvendar.

A Convenção de Condomínio  não pode ser aplicada de forma literal, sem considerar os fatores da vida em comum existentes na sociedade, especialmente numa grande cidade com péssima qualidade de transporte público, onde as pessoas perdem o precioso tempo de suas vidas no trânsito engarrafado (imagine só se uma ponte é interditada!), onde cada vez mais a motocicleta diminui o tempo de locomoção, e quando se constata que estamos tratando daqueles casos em que a vaga é suficientemente grande para abrigar o automóvel e a motocicleta sem incomodar ninguém, ou seja, o espaço físico continuaria a ser respeitado.

Mas, como bom senso também é algo que possui um grau de subjetividade muito grande, como cada condomínio possui normas convencionais diferentes, como o tamanho das vagas também é muito distinto em cada caso, como hoje há automóveis enormes que mal cabem numa única vaga, tudo isso é motivo de... interpretação!

E quando isso ocorre, temos decisões para todos os gostos, sendo que reproduzirei algumas delas a seguir, todas do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Favoráveis às motocicletas junto com um automóvel:

“É preciso entender o seguinte: as diversas normas restritivas das Convenções de condomínio, em verdade, apenas explicitam e detalham os deveres de vizinhança entre os condôminos, preservando, via de regra, os quatro valores eleitos pelo legislador (sossego, saúde, segurança e bons costumes). (...) É óbvio que a impossibilidade de se estacionar mais de um automóvel em cada vaga decorre de impossibilidade meramente física, a menos que se invada outras vagas ou área comum, o que certamente causaria incômodo aos demais condôminos, não sendo esta, entretanto, a situação daqueles sorteados que se utilizam de vagas acidentalmente maiores para guardar dois veículos. (...)” (Apelação nº 0007753-78.2012.8.26.0554 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Relator Desembargador Alexandre Bucci j. 21/10/2014). - sem grifos no original.

"RESTRIÇÃO DO USO DE GARAGEM. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. Pretensão de declaração de nulidade de cláusula do Regulamento Interno do condomínio. Vaga de garagem. Unidade autônoma. Inteligência do art. 19 da Lei nº 4.591/64. Necessidade de quórum especial para discutir e deliberar em Assembleia sobre a matéria. Interpretação da cláusula que deve ser mitigada em atenção ao direito de propriedade. Recurso desprovido." (TJSP;  Apelação 1026148-03.2014.8.26.0564; Relator (a): Dimas Rubens Fonseca; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 24/04/2017; Data de Registro: 24/04/2017). - sem grifos no original.

“Condomínio. Ação declaratória de nulidade da multa imposta cumulada com pedido de restituição de valores pagos e indenização por danos materiais e morais. Improcedência. Utilização do box da garagem, por anos, para guarda de um automóvel e de uma motocicleta. Convenção que não obriga a guarda da motocicleta em outro local e não deve ser interpretada de forma literal, de forma a não restringir o direito de propriedade e de uso da garagem. Direito de utilização do box para a guarda do veículo e da motocicleta, uma vez demonstrada a garantia do direito dos demais condôminos. Limite físico de espaço respeitado. Nulidade da multa imposta reconhecida. Necessidade de devolução do valor pago acrescido dos consectários legais. Valor despendido para a guarda da motocicleta em garagem particular. Cabimento do ressarcimento, em decorrência do impedimento, ora reputado irregular. Dano moral. Meros dissabores, aborrecimentos, irritação ou sensibilidade exacerbada não traduzem padecimento moral indenizável. Recurso parcialmente provido.” (Apelação nº 1002869-48.2015.8.26.0565 28ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Relator Desembargador Cesar Lacerda j. 03/11/2016). - sem grifos no original.

"APELAÇÃO. Condomínio. Ação declaratória de inexistência de débito cumulada com pedido de indenização por dano moral e com pedido de tutela antecipada. Sentença de parcial procedência. Utilização de garagem por condômino para estacionar mais de um veículo. Imposição de multa. Interpretação das proibições condominiais em conformidade com o direito de propriedade do condômino. Não demonstração pelo réu da existência de espaço próprio para a guarda de motocicletas. Ausência de comprovação do desrespeito do apelado em relação ao espaço físico da garagem. Reconhecimento do direito de propriedade. Ilegalidade da multa. Declaração de inexigibilidade que deve ser mantida. Sentença mantida. Apelação desprovida." (TJSP;  Apelação 0023986-76.2012.8.26.0223; Relator (a): Carlos Dias Motta; Órgão Julgador: 29ª Câmara de Direito Privado; Foro de Guarujá - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/03/2017; Data de Registro: 03/04/2017). - sem grifos no original.

Contrárias:

"em>Condomínio. Ação anulatória e cominatória acerca da ocupação de duas motocicletas em uma vaga de garagem. Sentença de procedência. Vagas de garagem determinadas por sorteio. Espaço utilizado para duas motocicletas. Alegação de violação do Regulamento Interno. Vedação expressa no Regulamento Interno. Artigos 27 e 35 são complementares. Interesse coletivo. Não cabimento. Recurso provido. A vaga foi destinada ao autor por sorteio, vinculada à unidade, e o autor pretende estacionar duas motocicletas, sob o argumento de que não há desrespeito à demarcação nem interferência nos direitos dos demais condôminos. Contudo, tem-se a previsão de duas vagas por unidade, destinadas ao uso de veículos de passeio, incluídas na área comum de cada unidade com disposição expressa no Regulamento que veda o uso de mais de um veículo por vaga, nos termos do art. 27, que se coaduna com a regra do art. 35, que trata somente das espécies de veículos e da demarcação. Trata-se de ambiente comum de moradia, sendo que o Regulamento visa prevenir atritos, indefinições e polêmicas, prevalecendo, assim, o interesse coletivo. (TJSP;  Apelação 1083283-02.2017.8.26.0100; Relator (a): Kioitsi Chicuta; Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 09/08/2018; Data de Registro: 09/08/2018). - sem grifos no original.

“CONDOMÍNIO EDILÍCIO VAGA DE GARAGEM - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. INDENIZATÓRIA PRETENSÃO DOS AUTORES VISANDO À AUTORIZAÇÃO JUDICIAL DE ESTACIONAR DOIS VEÍCULOS EM UMA VAGA - EM RESPEITO À CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO, CABE AO TITULAR O DIREITO DE GUARDAR UM ÚNICO VEÍCULO EM SUA VAGA DE GARAGEM, MESMO QUE AS DIMENSÕES PERMITAM MAIS DE UM VEÍCULO - SENTENÇA REFORMADA RECURSO DO RÉU PROVIDO. Havendo disposição expressa a respeito na convenção de condomínio, cabe ao titular o direito de guardar um único veículo em sua vaga de garagem, mesmo que as dimensões permitam mais de um veículo. Demais, de acordo com a própria escritura de compra e venda da unidade imobiliária, ao imóvel corresponde somente uma vaga na garagem do edifício, sendo que a autorização de estacionar dois veículos em cada vaga constituiu ato de mera tolerância, que não gera direito algum” (TJSP; Apelação 0051834-40.2003.8.26.0001; Relator (a): Paulo Ayrosa; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional I - Santana - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/02/2016; Data de Registro: 16/02/2016). - sem grifos no original.

“OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. CONDOMÍNIO EDILÍCIO. NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO OCORRÊNCIA. VAGAS DE GARAGEM. DOIS VEÍCULOS. MESMO CONDÔMINO. Insurgência contra sentença de improcedência. Sentença reformada. Não é nula sentença que fundamenta de modo suficiente as razões de convencimento (art. 93, IX, CF; arts. 165, 458, CPC). Prova pericial desnecessária na hipótese, de tal sorte que sua ausência não gera nulidade. Tendo sido deliberada em assembleia condominial a utilização de apenas um veículo por garagem, a ata produz todos os efeitos, vinculando os condôminos, até que seja desconstituída. Recurso do autor provido, desprovida a apelação adesiva da ré” (TJSP; Apelação 0210795-05.2005.8.26.0100; Relator (a): Carlos Alberto de Salles; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20/10/2015; Data de Registro: 22/10/2015). - sem grifos no original.

Bicicleta:

Há também um caso interessante, ainda que julgado provisoriamente num Agravo de Instrumento, que envolve bicicleta, e merece ser reproduzido a título de curiosidade:

"VOTO Nº 31.126 Multa condominial. Ação declaratória de inexigibilidade de débito cumulada com obrigação de fazer. Hipótese em que o Regimento Interno do condomínio permite apenas que uma motocicleta e um carro de passeio sejam acomodados na mesma vaga de garagem, bem como prevê que, para o alojamento de bicicletas, o condomínio disponibilizará um local determinado. Considerando que o bicicletário ainda está sendo construído e que uma bicicleta possui medida menor do que a de uma motocicleta, razoável, nesta oportunidade, autorizar a agravante a guardar a sua bicicleta junto com o seu veículo de passeio na vaga de garagem, desde que não seja ultrapassada a demarcação. A discussão judicial da multa, fundada em argumentos consistentes, é hábil a suspender a sua exigibilidade, desde que o valor do débito atualizado seja depositado em juízo. Recurso parcialmente provido. (TJSP;  Agravo de Instrumento 2045077-71.2018.8.26.0000; Relator (a): Gomes Varjão; Órgão Julgador: 34ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas - 1ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 22/05/2018; Data de Registro: 22/05/2018). - sem grifos no original.

Portanto, o que recomendo nessas situações é que se tenha bom senso, pois se a vaga de garagem possui tamanho que dá e sobra para estacionar o automóvel e uma motocicleta, não faz sentido a proibição.

Perceba-se que para um juiz chegar à conclusão de que deve-se permitir um automóvel e uma motocicleta numa mesma vaga, ele foi convencido de que a soma da fração ideal a que o condômino tem direito, considerando a área individual e a área comum, constituem-se como seu direito de propriedade, e que, portanto, somente em situações específicas pode ser restringido.

Por outro lado, se estamos diante daquelas vagas minúsculas, que permitem apenas o estacionamento de um veículo de porte médio, evidentemente que esses automóveis enormes dos dias atuais não podem ser estacionados no condomínio, pois o respeito à demarcação da vaga deve ser observado para que não se cause transtorno aos demais moradores.

Ah! Bom lembrar que armário não é veículo, portanto os demais bens materiais (exceto quando há previsão na Convenção de Condomínio) não podem ali ser deixados em hipótese alguma.

Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186

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