quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Barbeiro pelado e garota de programa no condomínio. Pode isso, Arnaldo?



São Paulo, 12 de Setembro de 2.018.

A notícia dizia: "Barbeiro de São Paulo corta cabelo pelado e, às vezes, rola algo mais". Noutro caso a moradora era garota de programa e utilizava o apartamento para a prestação de seus serviços. Meu olhar de advogado condominial imediatamente identificou que no caso da notícia o provável local do fato é um apartamento e que, portanto, é necessário verificar se está havendo o correto uso da unidade condominial em consonância com o que prevê a Convenção de Condomínio, ou seja, com a destinação ali prevista.

Sim, evidente que também nos deparamos com questões de ordem moral e normalmente elas também estão delimitadas na Convenção de Condomínio, embora suas regras sejam para as áreas comuns, valendo dentro do apartamento aquilo que seu possuidor achar melhor, desde que não afronte as regras relativas a barulho, segurança e demais previstas.

Como não conheço o condomínio da notícia em questão, tampouco sua Convenção de Condomínio, não há como opinar sobre o caso concreto, mas o fato é que se ela estipula o caráter eminentemente residencial das unidades, evidentemente que não pode ser utilizada para fins comerciais, como deixarei claro mais adiante.

Diante da atual conjuntura econômica, com crescente desemprego e trabalhos informais, vem sendo comum que as pessoas tentem se virar como podem para sobreviver.

Esse fenômeno já existe há décadas, sendo normal em residências a utilização da garagem das casas como se fossem lojinhas, bares, salão de cabeleireiros, dentre outras atividades, para comércio e serviços, sem contar as que também as utilizam como pequenas metalúrgicas, não se importando com as leis de zoneamento de cada região.

Mas a pergunta que se faz é: podem também os moradores de condomínios residenciais utilizarem seus apartamentos para prestar esses tipos de serviços ou comércios?

A resposta é: depende.

Depende do que está previsto na Convenção de Condomínio, onde é especificado se o condomínio é residencial, comercial ou misto.

Assim, num condomínio residencial é inconcebível o trânsito de clientes para cortar cabelo ou outros serviços que desviam o uso da unidade para fins não residenciais.

Note, inclusive, que nos condomínios em que a água não é individualizada o salão de cabeleireiro improvisado na unidade residencial fará com que todos os demais moradores do prédio custeiem a água consumida por ele, ou seja, enquanto o barbeiro ou cabeleireiro utilizará a água sem qualquer restrição, serão os demais moradores que arcarão com o respectivo rateio.

Há outras atividades e profissões que trazem também perigo à segurança e integridade física dos moradores no condomínio, pois uma das saídas que as pessoas encontraram para se livrar da crise instituída é cozinhar dentro da unidade, utilizando-se de fogões profissionais e outros equipamentos que podem trazer perigo para o empreendimento, já que não foi construído com essa finalidade e não se sabe se suporta as demandas de cada setor específico envolvido.

A lei que trata o assunto é o Código Civil, que em seu artigo 1.336, no inciso IV, estipula que "são deveres do condômino dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes."

Assim sendo, se o condomínio é residencial, não podem nele serem prestados serviços como o mencionado no título deste artigo, pois se estaria alterando a destinação residencial da unidade autônoma.

A jurisprudência também assim vem entendendo como se pode perceber da Apelação n.º 0026004-80.2013.8.26.0564, em que um morador demandou contra o condomínio porque foi proibido e multado com seus serviços de "DJ" nas festinhas internas, incomodando os demais moradores com o barulho. No caso concreto, os moradores alteraram até o Regulamento Interno para garantir o sossego, entendendo os Desembargadores que houve legalidade na decisão do condomínio, sendo o "DJ" proibido de atuar nas festas internas.

Determinado síndico que atendi há muitos anos estava incomodado com uma garota de programa que alugou um apartamento e recebia seus clientes, muitas vezes com barulho exagerado a qualquer hora do dia e da noite, num condomínio estritamente residencial, com entrada livre de pessoas estranhas ao ambiente do condomínio, que tinham o acesso com a permissão da própria moradora.

Nesse caso uma providência de segurança básica do condomínio foi adotada e a clientela teve que mudar de local. O condomínio passou a exigir documento  de identificação de todos os visitantes que não eram moradores como questão de segurança, e como os clientes não queriam se identificar ou apresentar documentos (sabe-se lá por qual motivo), o trânsito de estranhos cessou.

Enfim, quando o condomínio é comercial ou misto, evidentemente que, observadas as regras internas estabelecidas e seus respectivos horários não haverá qualquer problema em se dar à unidade autônoma a destinação permitida pela Convenção de Condomínio.

Por outro lado, aqueles profissionais que utilizam-se de sua unidade autônoma residencial sem interferir na paz e segurança do condomínio, apenas com o uso do seu computador e telefone, no sistema denominado home office, como jornalistas e advogados, não ferem a convenção de condomínio, tampouco alteram a destinação de sua unidade, pois ela continua sendo residencial, já que o serviço realizado pelos profissionais mencionados, através de um notebook, por exemplo, pode ser prestado até em cafés e restaurantes sem qualquer incômodo.

Portanto, especialmente nesse momento de crise em que vivemos, onde as pessoas tentam se virar como podem, é recomendado que antes de comprar equipamentos para prestar serviços, comércio ou outras atividades em unidades residenciais, que, diga-se, muitas vezes não são baratos, verifiquem os locatários e seus proprietários a Convenção de Condomínio, Regulamento Interno e Atas das Assembleias de Condomínio, para não terem prejuízo com as decisões que vierem a tomar em desacordo com suas regras.

Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186

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