sexta-feira, 1 de março de 2019

Usufruto do imóvel penhorado pelo condomínio


"Usufruto do imóvel penhorado pelo condomínio"

São Paulo, 1º de Março de 2.019.

Há situações que são irritantes para síndicos e moradores. Trata-se daqueles casos em que o devedor "não está nem aí para a hora do Brasil", como dizia um professor meu do segundo grau, e simplesmente se nega a pagar as dívidas condominiais, deixando que toda a massa condominial tenha que dividir mais essa despesa para bancar as contas ordinárias mensais.

Já vi casos em que o condômino NUNCA pagou uma única cota condominial; simulava insanidade quando aparecia o Oficial de Justiça e não abria a porta, como se não houvesse ninguém no apartamento; envolveu o Ministério Público na ação para atestar sua suposta insanidade; mas todos sabiam que ele não rasgava dinheiro, até que um dia foi encontrado morto no apartamento, deixando para trás uma dívida exorbitante.

Noutra situação o condômino, que é uma empresa laranja (alguma semelhança com nosso momento político atual?), parou de pagar as cotas condominiais há anos, o imóvel sofreu concomitantemente outra penhora de processo proveniente da Justiça Federal, envolvendo crime contra o sistema financeiro, sem perspectivas de que esse último caso tenha um andamento processual razoável sob a ótica da rapidez que se espera da Justiça, mas a condômina, sócia da empresa, ainda por cima utiliza o imóvel residencial como salão de cabeleireiro, usando a água comum e ignorando os apelos do síndico para ao menos pagar as dívidas vincendas, aumentando cada vez mais o valor da dívida, sem contar o descaso que irrita profundamente os moradores.

O que fazer nessas situações, especialmente quando você tenta leiloar o imóvel e não aparecem interessados, mas não se cogita a adjudicação do imóvel, até porque o valor da dívida não se mostra razoável para tal empreitada?

Há alternativa existente no Código de Processo Civil, prevista em seus artigos 867, 868 e 869, que assim estipulam:

"Art. 867 - O juiz pode ordenar a penhora de frutos e rendimentos de coisa móvel ou imóvel quando a considerar mais eficiente para o recebimento do crédito e menos gravosa ao executado."

"Art. 868 - Ordenada a penhora de frutos e rendimentos, o juiz nomeará administrador-depositário, que será investido de todos os poderes que concernem à administração do bem e à fruição de seus frutos e utilidades, perdendo o executado o direito de gozo do bem, até que o exequente seja pago do principal, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios.
§1º. A medida terá eficácia em relação a terceiros a partir da publicação da decisão que a conceda ou de sua averbação no ofício imobiliário, em caso de imóveis.
§2º. O exequente providenciará a averbação no ofício imobiliário mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial."

"Art. 869 - O juiz poderá nomear administrador-depositário o exequente ou o executado, ouvida a parte contrária, e, não havendo acordo, nomeará profissional qualificado para o desempenho da função.
§1º. O administrador submeterá à aprovação judicial a forma de administração e a de prestar contas periodicamente.
§2º. Havendo discordância entre as partes ou entre essas e o administrador, o juiz decidirá a melhor forma de administração do bem.
§3º. Se o imóvel estiver arrendado, o inquilino pagará o aluguel diretamente ao exequente, salvo se houver administrador.
§4º. O exequente ou o administrador poderá celebrar locação do móvel ou do imóvel, ouvido o executado.
§5º. As quantias recebidas pelo administrador serão entregues ao exequente, a fim de serem imputadas ao pagamento da dívida.
§6º. O exequente dará ao executado, por termo nos autos, quitação das quantias recebidas."

Com essa medida o condomínio poderá ser nomeado usufrutuário do imóvel, bem como seu administrador, com a possibilidade de locação, sendo que o locatário interromperia as dívidas vincendas, pois passaria a pagar as cotas condominiais futuras, além de, com o valor dos alugueres, abater a dívida existente.

Após o pagamento da dívida o imóvel retornaria aos poderes do executado, encerrando-se o usufruto, com quitação total da dívida.

Trata-se de uma medida que não é onerosa ao executado e atende as necessidades do condomínio, que deseja tão somente receber as cotas condominiais para que possa evitar mais um aumento do valor das cotas ordinárias, mormente num cenário de crise sem fim, cujo desemprego bate recordes seguidos.

A possibilidade aqui aventada é respaldada pela jurisprudência, que assim vem se manifestando:

"COBRANÇA DE DESPESAS CONDOMINIAIS - CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - Pretensão de constituição de USUFRUTO, em favor do condomínio exequente, sobre imóvel penhorado - Possibilidade - Aplicação dos artigos 867 a 869, do Código de Processo Civil - Medida que não ofende o princípio da menor onerosidade e que se mostra eficiente à satisfação do crédito - Decisão reformada - Recurso PROVIDO." in Agravo de Instrumento n.º 2165227-18.2017.8.26.0000, da 25ª Câmara de Direito Privado do E. TJSP, Rel. Des. Claudio Hamilton, originário de Diadema, julgado em 09.11.2017.

"PENHORA. EXCESSO. AVALIAÇÃO JUDICIAL. USUFRUTO. REDUÇÃO. REFORÇO. OPORTUNIDADE. SUBSTITUIÇÃO. OPORTUNIDADE. AVALIAÇÃO JUDICIAL. NOMEAÇÃO DE BENS PELO DEVEDOR. IMPENHORABILIDADE. ALEGAÇÃO - Penhora - Excesso. Inexistindo outros bens penhoráveis e suficientes para garantia da execução, não se pode indeferir penhora de imóvel indicado pelo credor sob argumento de que a penhora seria excessiva. Faculdade do juiz reduzi-la ou transferi-la para outros bens após a avaliação (artigo 685 do Código de Processo Civil) ou  proceder a execução de modo menos gravoso para o devedor (artigo 620) deferindo ao credor apenas o usufruto do imóvel (artigo 716) se suficiente para o recebimento da dívida. Agravo provido. (TARS - AGI 194.006.250 - 4ª CCiv. - Rel. Juiz Moacir Leopoldo Haeser - J. 07.04.1994)." - sem grifos no original. Artigos mencionados são do antigo Código.

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. Etapa de cumprimento de julgado. Débito condominial. Acordo homologado por sentença. Penhora da unidade em débito. Impossibilidade. Usufruto do imóvel, a benefício do credor. Alternativa menos gravosa. Cabimento na espécie. Inteligência do artigo 716, do Código de Processo Civil. Recurso do credor. Provimento." - in Agravo de Instrumento n.º 2099185-89.2014.8.26.0000 - Rel. Dr. Carlos Russo - 30ª Câmara de Direito Privado. Data do julgamento 06/08/2014. - sem grifos no original. Artigo mencionado é do antigo código.

"AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE COBRANÇA DE COTAS CONDOMINIAIS EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - Decisão que defere pedido do condomínio exequente de usufruto do imóvel (art. 716 do CPC) - Admissibilidade - Mecanismo que permite a amortização do débito e, ao longo do tempo, tende a quitar a dívida, sem implicar a expropriação da unidade - Precedente da Câmara - Recurso não provido." in Agravo de Instrumento n.º 0275569-43.2011.8.26.0000 - Rel. Dr. Reinaldo Caldas, 29ª Câmara de Direito Privado - Dt. Julg. 08/02/2012 - sem grifos no original. Artigo mencionado é o do antigo código.

Também juristas renomados amparam a possibilidade tratada no presente texto, considerando a permissão dos artigos 867 a 869 do novo Código de Processo Civil. Luiz Rodrigues Wambier diz que o usufruto judicial:

"(...) é o ato pelo qual, dentro da execução, concede-se ao credor o direito real limitado e temporário sobre a empresa ou imóvel penhorado, a fim de que receba seu crédito através das rendas geradas pelo bem." in Curso Avançado de Processo Civil, vol. 2, Processo de Execução, 5ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002, pg. 230. - citado no Agravo de Instrumento n.º 2165227-18.2017.8.26.0000.

Já para Cássio Scarpinella Bueno:

"O usufruto é uma das formas de pagamento onde o solvimento da dívida é gradativo e não imediato. Trata-se, com efeito, de modalidade pro solvendo de extinção da dívida e não pro soluto. Expropria-se não o bem penhorado (total ou parcialmente) mas, apenas e tão somente, seus frutos." in "A Nova Etapa da Reforma do Código de Processo Civil", vol. 3, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 239 - citado no Agravo de Instrumento n.º 2165227-18.2017.8.26.0000.

Há, entretanto, algumas questões que poderão ficar num grau de subjetividade que não é tão claramente tratado pela jurisprudência, tampouco pelas normas positivadas, e que podem gerar alguma dúvida: De quem será a responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais em atraso enquanto o imóvel estiver sob usufruto/posse direta do condomínio e não conseguir ele locar o imóvel?

Vislumbro duas possibilidades de interpretação, sendo que numa delas o condomínio tem que arcar com o pagamento das cotas condominiais vincendas e assumir essa obrigação enquanto não consegue locatário para o imóvel - e mesmo quando o locatário ficar inadimplente. Na outra situação considera-se que o devedor, embora haja usufruto, é o nu-proprietário do imóvel e deve responder pela dívida, considerando-se as normas do instituto do usufruto, bem como seu total interesse em caso de penhora e alienação judicial do imóvel.

Então o condomínio deve ter ciência dessa zona cinzenta do direito e considerar que uma vez que está na posse direta do imóvel como usufrutuário, poderá ter que ignorar as cotas condominiais vincendas da dívida do nu-proprietário, que terá a seu favor dois efeitos: as cotas condominiais vincendas não se somariam à dívida, bem como os proventos de eventual locação servirão para amortizar a dívida passada.

Há uma outra situação que pode ocorrer ao se ter o direito judicial de usufruto do imóvel. Pode ser que o imóvel esteja em péssimas condições de uso e o condomínio tenha que realizar uma pequena reforma/pintura para que possa oferecer a interessados locatários com um mínimo de salubridade.

Entendo que deverá o condomínio requerer autorização do juízo para tal, esclarecendo de quem será a responsabilidade pelo pagamento dessas despesas, especialmente se for nomeado administrador do imóvel, nos termos do artigo 869, §1º, do CPC, sendo que poderá ter que se responsabilizar pela dívida, dependendo do tipo de despesa a ser realizada, à luz do que dispõe o Código Civil, que será cotejado para o caso concreto:

"Art. 1.403 - Incumbem ao usufrutuário:
I - as despesas ordinárias de conservação dos bens no estado em que os recebeu;
II - as prestações e os tributos devidos pela posse ou rendimento da coisa usufrutída."

"Art. 1.404 - Incumbem ao dono as reparações extraordinárias e as que não forem de custo módico; mas o usufrutuário lhe pagará os juros do capital despendido com as que forem necessárias à conservação, ou aumentarem o rendimento da coisa usufruída.
"§1º. Não se consideram módicas as despesas superiores a dois terços do líquido rendimento em um ano.
§2º. Se o dono não fizer as reparações a que está obrigado, e que são indispensáveis à conservação da coisa, o usufrutuário pode realizá-las, cobrando daquele a importância despendida."

Portanto, como se percebe, pode ser vantajoso para o condomínio exequente, em situações como essa, requerer o usufruto do imóvel, especialmente se entender que será fácil conseguir um locatário para o imóvel, dependendo das condições de mercado, pois além de passar a receber cotas condominiais vincendas, com o dinheiro da locação terá condições de amortizar a dívida existente.


Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186
É advogado atuando majoritariamente na esfera condominial. Especialista em direito tributário na PUC/SP / Cogeae. Foi Ouvidor da AASP - Associação dos Advogados de São Paulo e foi Relator da 20ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP. Bacharel em Filosofia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O condomínio é obrigado a reservar vagas para pessoas com necessidades especiais?

  Sorteio de Vagas de Garagem O condomínio é obrigado a reservar vagas para pessoas com necessidades especiais? Em caso afirmativo, quan...