São Paulo, 26 de Julho de 2.018.
Dessa vez foi uma síndica quem fez a pergunta. Ou melhor,
as perguntas:
Gostaria de sugerir um tema, posso?
Que tal discorrer sobre a legalidade ou não da participação de inquilinos, tanto em
assembleia quanto na composição de corpo diretivo? Sempre tive curiosidade
mas noto que quase não há artigos sobre o tema. O que você acha?
Na verdade o foco seria a participação legítima do inquilino por si só. Não quando representando
o proprietário. Por exemplo, já li que inquilino tem direito a voto em
matéria que não envolve gasto.
Outro ponto: se é permitido que o síndico seja alguém
estranho ao condomínio - síndico profissional - é permitido também que o inquilino seja conselheiro?
É nessa seara que eu gostaria de obter mais informações.
Uma questão a própria síndica já se encarregou de
responder: o inquilino/locatário pode participar da assembleia quando munido de
procuração do proprietário, especificando seus poderes, e esse é sempre o melhor cenário para
essa questão.
Passemos então às demais dúvidas suscitadas pela síndica.
Pode o inquilino/locatário participar de assembleia mesmo sem procuração
do proprietário?
Talvez antes de responder a essa pergunta seja interessante
delimitar o que é "condômino", pois o artigo 1.335, do Código Civil,
estipula que participar da assembleia é um direito do condômino:
Art. 1.335. São direitos do condômino:
(...)
III - votar nas deliberações da assembleia e delas
participar, estando quite.
E segundo o próprio Código Civil:
Art. 1.334. (...)
§ 2o São
equiparados aos proprietários, para os fins deste artigo, salvo
disposição em contrário, os promitentes compradores e os cessionários de direitos
relativos às unidades autônomas. - sem grifos no
original.
Temos, assim, que condômino é o proprietário, aquele que
detém o domínio do imóvel, mas que no caso de locação fica apenas com a posse
indireta. O inquilino, por seu turno, detém a posse direta, podendo agir no
condomínio como se dono fosse com
relação ao uso das áreas comuns.
Assim, uma interpretação possível é a que não permite a
participação do inquilino em assembleia quando não munido de procuração do
proprietário, ou seja, do condômino.
Mas há uma outra forma de ver o assunto. É o que se deduz
do §4º, da Lei n.º 4.591, de 16 de dezembro de 1.964, que dispõe sobre o
condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias, e que não foi
revogada pelo Código Civil por com ele não conflitar.
Assim dispõe a mencionada norma:
"Art. 24. (...)
(...)
§4º. Nas decisões da Assembleia que não envolvam despesas
extraordinárias do condomínio, o locatário poderá votar, caso o
condômino-locador a ela não compareça."
E agora?
Pode o locatário, por exemplo, participar então da
assembleia que vai discutir as regras do regulamento interno, que normalmente
são regras comportamentais e não podem alterar a Convenção de Condomínio se
o Código Civil não revogou expressamente
esse parágrafo 4º? Pode o locatário votar para eleição de síndico, subsíndico e
conselho consultivo ou fiscal?
Embora a questão não seja pacífica entre os juristas,
particularmente entendo que pode o locatário participar das assembleias, pois
não tendo sido revogado o mencionado dispositivo, somente as despesas
extraordinárias seriam alheias a possibilidade de voto do inquilino.
Além disso, nada impede, por exemplo, que a gestão do
condomínio seja participativa, colaborativa, tomando decisões colegiadas
(embora a decisão final será sempre do síndico - por imposição legal),
acatando-se a decisão da maioria em determinadas situações, e permitindo que
mesmo sem exercer um cargo específico, possa o inquilino/locatário e outros
moradores que sejam participativos de comporem as reuniões de conselho, ainda que
apenas para dar suas opiniões.
Então, respondendo a primeira indagação, e com base nesse
exercício de interpretação, entendo que pode o locatário participar da
assembleia, mas não pode votar em questões que envolvam despesas
extraordinárias, valendo salientar que como tudo isso é questão de
interpretação, não me xingue se algum magistrado entender de forma diferente,
pois quando a questão não é consensual sujeita-se a essa zona nebulosa do
direito.
Pode o inquilino/locatário ser membro do conselho consultivo ou conselho
fiscal?
A mesma lei mencionada (Lei n.º 4.591, de 16 de dezembro
de 1.964) atribui ao condômino a prerrogativa de compor o Conselho Consultivo, estabelecendo
que:
"Art. 23. Será eleito,
na forma prevista na Convenção, um Conselho
Consultivo, constituído de três condôminos, com mandatos que não
poderão exceder de 2 anos, permitida a reeleição." - sem grifos ou destaques no original.
Já o Código Civil não contempla explicitamente essa
exigência de ser condômino para integrar o Conselho Fiscal, sendo que a própria
palavra 'poderá' indica que a lei não atribuiu muita importância a esse
cargo:
"Art. 1.356. Poderá haver no condomínio um conselho fiscal, composto de três
membros, eleitos pela assembleia, por prazo não superior a dois anos, ao qual
compete dar parecer sobre as contas do síndico." -
sem destaque no original.
Todavia, é uma interpretação válida a que considera que
não pode o inquilino/locatário ser conselheiro, pois se assim quisesse a lei,
trataria a questão da mesma forma como deliberou sobre o síndico:
"Art. 1.347. A assembleia escolherá um síndico,
que poderá não ser condômino, para administrar o condomínio, por prazo não
superior a dois anos, o qual poderá renovar-se."
Em outras palavras, se quisesse o Código Civil permitir
que o Conselho Fiscal fosse composto por 'não condômino', a redação do artigo
1.346 seria diferente, também possibilitando essa faculdade que concedeu ao
síndico.
Há de se verificar também o que dizem as normas internas de cada condomínio. Assim, cito, a título
exemplificativo, duas Convenções de Condomínio que tratam o assunto:
Num condomínio da Zona Leste de São Paulo há a expressa
exigência da Convenção de que o Conselho Consultivo seja composto por
condôminos:
"O
Conselho Consultivo será composto de três membros efetivos, todos condôminos
eleitos por um biênio, pela Mesma Assembléia Geral Ordinária que eleger o
Síndico, por maioria de votos, permitida a reeleição." sem grifos no
original.
Assim, a possibilidade de questionamento judicial numa
situação em que a assembleia opta por eleger um inquilino/locatário existe
nesse caso e deve ser ponderada pelos condôminos presentes na assembleia desse
condomínio.
Já uma Convenção de Condomínio da Zona Sul, da própria
síndica que fez as perguntas desse texto, prevê a formação de um Conselho
Consultivo e um Conselho Fiscal. No caso do primeiro, estipula a Convenção que:
"Art.
13 - O Conselho Consultivo será composto por três membros e três
suplentes, que indicarão a Presidência, eleitos em assembleia e terá as
seguintes atribuições:"
Assim, não há a exigência de que seja composto por
morador, havendo a possibilidade de interpretação de que o inquilino/locatário
possa compor o Conselho Consultivo, bem como o Conselho Fiscal, pois assim
dispõe a Convenção:
"Art.
14 - O Conselho Fiscal será composto por três membros efetivos e três
suplentes eleitos em Assembleia Geral Ordinária e terá mandato equivalente ao
do Síndico."
Perceba-se, portanto, que infelizmente não há uma
resposta taxativa sobre o assunto, podendo ser objeto de questionamento
judicial, valendo, ao final, a decisão do juiz transitada em julgado (aquela
que não cabe mais recurso).
Em qualquer caso, tanto o Conselho Consultivo, quanto o
Conselho Fiscal, embora sejam órgãos importantes para que o síndico seja
devidamente fiscalizado e haja participação de todos, não podem impor ao
síndico qualquer ordem ou mesmo que ele siga eventual decisão colegiada,
tampouco são obrigatórios.
Minha sugestão, para evitar questionamentos e até
conflito de interesses, pois em tese a forma como um inquilino/locatário
enxerga o condomínio não é necessariamente a mesma do proprietário, recomendo
que os integrantes de Conselho Fiscal ou Conselho Consultivo sejam todos
condôminos, permitindo-se, todavia, que os inquilinos/locatários e demais
moradores possam participar de reuniões de conselho como convidados.
E a jurisprudência, como se comporta?
A jurisprudência é o conjunto das decisões dos tribunais
e quando se trata dessas questões acima suscitadas ela oscila bastante.
Note no caso abaixo que o Relator, o Excelentíssimo Dr.
Luiz Antonio Costa, a Sétima Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, entendeu não apenas que o inquilino não pode
participar (procuração posterior legitimou a participação da locatária - que
era síndica), bem como que a Lei 4.591/64 foi derrogada pelo Código Civil:
1025222-80.2014.8.26.0577
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Classe/Assunto: Apelação / Administração
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Relator(a): Luiz Antonio Costa
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Comarca: São José dos Campos
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Órgão
julgador: 7ª
Câmara de Direito Privado
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Data do
julgamento: 04/10/2017
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Data de
publicação: 04/10/2017
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Data de
registro: 04/10/2017
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Ementa: Ação de Obrigação de Fazer/Não Fazer –
Insurgência contra decisão que julgou extinto o processo, sem exame do mérito
– Síndica que era locatária, necessitando de procuração do proprietário para
votar na eleição de síndico – Lei 4.591/64 que foi derrogada pelo CC –
Ratificação da procuração que possui efeitos pretéritos – Convalidação do
vício – Anulação da sentença – Retorno à origem – Recurso do Autor provido –
Recurso da Ré prejudicado
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Já a decisão abaixo, do Relator Excelentíssimo Dr. J. R.
Mônaco da Silva, da Colenda 5ª Câmara de Direito Privado, também do Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, entendeu que o inquilino pode votar
e que o Código Civil não revogou a Lei 4.591/64:
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Ontem uma síndica que gosto muito ficou brava porque na
sua interpretação uma hora falo uma coisa, mas noutro momento falo outra. Mas
então eu que faço a pergunta agora: E então, amigas? É fácil ser advogado?
Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186