segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Airbnb em Condomínios



São Paulo, 1º de Outubro de 2.018.
Atualizado em 19 de Fevereiro de 2.020.

Longe de ser um obscurantista digital, o fato é que defendo o direito ao trabalho e a dignidade humana em primeiro lugar. Mas sobre isso discorrerei ao final do texto, quando esse preâmbulo ficará mais claro.

As questões que se colocam em vários condomínios hoje são: "O que fazer com moradores que utilizam-se do aplicativo Airbnb e assemelhados em condomínios residenciais?"; "Isso é permitido?"; "Podem ser multados?"; "Como fica o direito de propriedade do detentor do domínio do imóvel?"

As discussões ganham cunho passional quando de um lado temos moradores mais antigos, alheios às inovações tecnológicas, diante dos mais novos, entusiastas extremados delas.

Na esfera jurídica temos de um lado os defensores do Airbnb, para quem deve-se respeitar o direito de propriedade, além do fato de que o aplicativo teria características de locação; e de outro os contrários ao Airbnb, para quem o direito de propriedade não é ilimitado, devendo-se cumprir a função social do imóvel, sem contar que o Airbnb não seria uma locação, mas hospedagem.

Nessa seara jurídica eu me coloco dentre os contrários, pois entendo que o Airbnb não é uma locação, mas, de fato, contém características de hospedagem, que no direito pátrio segue regramento próprio, que não se confunde com o da Lei de Locações, Lei n.º 8.245/91. E tal conclusão se extrai do próprio regramento do Airbnb, que trata a relação jurídica como sendo de 'hospedagem', tratando o ato que antecede a cessão do espaço para a 'estadia' como sendo uma 'reserva', todas questões previstas nos Termos de Serviço do site do Airbnb, atualizado até 16/04/2018.

A própria concorrência daqueles que fazem suas 'reservas' para uso do Airbnb não é com os locadores de imóveis, mas com os hotéis, as hospedarias, as pousadas e assemelhados, fato que, por si, evidencia que, se estamos diante de uma 'hospedagem', aplicam-se as regras a ela inerentes, sejam elas tributárias, trabalhistas e comerciais, não se podendo cogitar que à hospedagem se apliquem as regras de locação.

E se estamos diante de uma hospedagem, estamos diante de uma atividade comercial que não é permitida em condomínios residenciais, pois isso alteraria a destinação da unidade condominial, como tratei no texto anterior, abstendo-me de repetir os esclarecimentos ali prestados.

Portanto, o que fazer diante desse cenário que se apresenta? Minha sugestão é levar o assunto para deliberação em uma assembleia de condomínio, para que os moradores possam debater os prós e contras da utilização desse aplicativo, pois embora eu seja contra, não posso ignorar que estamos num cenário dividido.

É bom dizer, inclusive, que mesmo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - TJSP, nem sempre respeita decisões das assembleias que proíbem o Airbnb. Veja alguns julgados bem recentes, com posições contra e favoráveis:

1001165-97.2017.8.26.0510   
Classe/Assunto: Apelação / Condomínio em Edifício
Relator(a): Mario A. Silveira
Comarca: Rio Claro
Órgão julgador: 33ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 27/08/2018
Data de publicação: 31/08/2018
Data de registro: 31/08/2018
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL – Interposição contra sentença que julgou procedente ação de obrigação de não fazer e improcedente a ação ordinária conexa. Imóvel residencial que passou a ser oferecido para locação por meio do site airbnb.com.br. Situação que se assemelha à hotelaria e hospedaria. Característica não residencial. Observação da cláusula quarta, parágrafo único, da Convenção do Condomínio, e do artigo 1.336, IV, do Código Civil. Honorários advocatícios majorados, nos termos do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015. Sentença mantida. 

2114141-71.2018.8.26.0000   
Classe/Assunto: Agravo de Instrumento / Despesas Condominiais
Relator(a): Gilberto Leme
Comarca: São Paulo
Órgão julgador: 35ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 15/08/2018
Data de publicação: 15/08/2018
Data de registro: 15/08/2018
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONDOMÍNIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. TUTELA DE URGÊNCIA PARA PERMITIR A LOCAÇÃO DE UNIDADE CONDOMINIAL POR TEMPORADA A VIAJANTES. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE EVIDENCIEM A PROBABILIDADE DO DIREITO. ART. 300 DO NOVO CPC. Convenção Condominial e Regulamento Interno que demonstram a finalidade estritamente residencial do edifício, o que é confirmado em assembleia de condôminos ao proibir a locação de unidade condominial mediante uso de aplicativos tal como "Airbnb" e assemelhados, que visam à divulgação de hotéis e hospedagem. Ausência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito, um dos requisitos para a concessão da tutela de urgência (art. 300 do novo CPC). Recurso provido. 

2118946-67.2018.8.26.0000   
Classe/Assunto: Agravo de Instrumento / Condomínio em Edifício
Relator(a): Maria Lúcia Pizzotti
Comarca: São Paulo
Órgão julgador: 30ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 08/08/2018
Data de publicação: 09/08/2018
Data de registro: 09/08/2018
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ASSEMBLEIA CONDOMINIAL – OBRIGAÇÃO DE FAZER - TUTELA ANTECIPADA – PLATAFORMA "AIRBNB" – DECISÃO DA ASSEMBLEIA CONDOMINAL INEFICAZ – ART. 1351 CC - Não há na Convenção do Condomínio regra expressa que vede a locação da unidade para temporada, tampouco de utilização da plataforma "Airbnb", facilidade tecnológica recente; - O artigo 1.351 do Código Civil prevê que a alteração da convenção do condomínio depende de aprovação de 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos. Por outro lado, a própria convenção prevê um quórum ainda mais qualificado, de ¾ (três quartos) dos votos para alteração da convenção; - Decisão tomada por 17 das 59 unidades de proibir o uso da plataforma Airbnb no Condomínio não cumpre os requisitos legais – decisão ineficaz, cujos efeitos devem ser suspensos até decisão final de mérito. RECURSO IMPROVIDO

1065850-40.2017.8.26.0114   
Classe/Assunto: Apelação / Assembléia
Relator(a): Milton Carvalho
Comarca: Campinas
Órgão julgador: 36ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 12/07/2018
Data de publicação: 12/07/2018
Data de registro: 12/07/2018
Ementa: AÇÃO ANULATÓRIA DE DECISÃO ASSEMBLEAR E DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. Assembleia condominial que, por maioria, deliberou proibir a locação por temporada. Restrição ao direito de propriedade. Matéria que deve ser versada na convenção do condomínio. Ocupação do imóvel por pessoas distintas, em espaços curtos de tempo (Airbnb) que não descaracteriza a destinação residencial do condomínio. Precedentes. Recurso desprovido.

Como se percebe, o Poder Judiciário não oferece segurança jurídica aos síndicos e usuários do Airbnb, pois como o assunto é relativamente novo, a jurisprudência ainda não está consolidada e cada juiz interpreta a questão de acordo com suas convicções jurídicas.

Penso, ainda assim, com o devido respeito aos desembargadores dos julgados mencionados, que a assembleia ainda é o melhor local para esse debate. É o momento de proibir ou autorizar e, nesse último caso, criar as respectivas regras sobre a entrada no imóvel, respeito à Convenção, aplicação de multas, etc.

Também não se pode ignorar as questões de segurança envolvidas, motivo pelo qual, independentemente de se tratar de uma locação, através de um contrato remetido por uma imobiliária de imóveis, ou mesmo pelo aplicativo Airbnb, devem os condomínios se cercar de formas para minimizar as chances de estranhos causarem danos ao condôminos e áreas comuns, sugerindo-se que a cada nova locação ou hospedagem seja realizado um cadastro, além de serem fornecidos cópias da convenção, regulamento interno, advertindo e multando o responsável pela unidade autônoma em caso de infrações às regras em vigor, além de se criar regras para as duas situações.

É oportuno trazer um recentíssimo julgado reconhecendo a relação de consumo entre o usuário do Airbnb e essa plataforma, fato que traz profundos impactos nessa relação jurídica, pois evidencia que ela se aproxima mais de uma hospedagem do que de uma locação, já que não há relação de consumo nas locações de imóveis, como entende o Superior Tribunal de Justiça - STJ:

 
1009888-93.2017.8.26.0320   
Classe/Assunto: Apelação / Responsabilidade Civil
Relator(a): Lino Machado
Comarca: Limeira
Órgão julgador: 30ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 25/07/2018
Data de publicação: 27/07/2018
Data de registro: 27/07/2018
Ementa: Apelação – Sítio eletrônico na internet que oferece hospedagens – Airbnb. Não há nulidade na sentença que está devidamente fundamentada e dotada dos demais requisitos legais para sua validade - Não há nulidade na oitiva de testemunhas residentes fora da Comarca perante a qual tramita o processo, por meio de videoconferência, o que é expressamente previsto no ordenamento jurídico (art. 453, § 1º, do CPC/2015) - Está a autora, na condição de consumidora, favorecida pela inversão do ônus da prova; incumbia, pois, à ré, demonstrar fato impeditivo, extintivo ou modificativo do direito da autora, sendo certo que todas as provas contidas no processo são consideradas para a formação da convicção do julgador - Ainda que o Airbnb não seja o efetivo anfitrião ou locador dos imóveis oferecidos, é dessa empresa que o consumidor busca a prestação do serviço que lhe garanta uma hospedagem tranquila, no local ali divulgado, pelo preço previamente ajustado, e com a garantia da empresa de que o consumidor não está sendo vítima de uma fraude ao aceitar se hospedar em um imóvel indicado na plataforma; logo, Airbnb responde, sim, por eventuais danos causados aos consumidores, incumbindo a ela, querendo, e se for o caso, buscar eventual reparação de danos causados por atos praticados por terceiros - Se o consumidor enfrentou problemas durante a hospedagem, a empresa ré tinha a obrigação de tomar as medidas necessárias para verificar o que estava ocorrendo com o hóspede, o qual contatou diretamente o anfitrião porque a própria Airbnb lhe deu essa opção para que dificuldades fossem solucionadas, em tese, de maneira mais rápida, em razão das alegadas milhões de hospedagens que a plataforma administra - O dano moral é evidente se não houve razoável atendimento à consumidora na busca pela solução do problema que ela encontrou durante a estadia - A quantificação do dano moral deve pautar-se pela razoabilidade, envolvendo-se o caráter repressivo de novas ofensas, por parte do agressor, e o caráter compensatório à vítima, levando-se em conta, ainda, a condição socioeconômica das partes e as circunstâncias do caso sob exame - Quanto aos danos materiais, de afastar-se a condenação quanto àqueles que não foram devidamente comprovados no curso do processo - Quanto à restituição da quantia paga, não se há de falar em devolução integral, uma vez que incontroverso que a hospedagem foi utilizada por um determinado período, devendo ser levado em conta, também, que mesmo esse período no qual o serviço foi prestado, a qualidade não foi adequada, razão pela qual razoável o abatimento proporcional do preço - De corrigir-se o valor utilizado na condenação para aquele que corresponde à quantia que realmente foi paga - Não há ilegalidade na utilização, autorizada, de cartão de crédito de terceiro para a realização do pagamento, prática comum, principalmente no Brasil - Ausente prejuízo, não há nulidade na juntada de novos documentos em grau de recurso - Não se há de falar em ausência de prejuízo pelo fato de a parte consumidora ter se programado para gastar um determinado valor antes mesmo dos contratempos, uma vez que esse foi um gasto programado para a hipótese de um serviço prestado da maneira prometida e não como aconteceu no caso concreto. Recurso provido em parte.

Outra decisão do STJ que merece comentário e ainda está em julgamento, com previsão para definição neste ano de 2.020, em sua 4ª Turma, mas que já contém um voto do relator, o  Ministro Luís Felipe Salomão, que entende que não se pode proibir as 'locações' via Airbnb e plataformas assemelhadas (Resp 1.819.075), é de um condomínio de Porto Alegre/RS, e poderá servir de parâmetro para os demais juízes e tribunais espalhados pelo país. 

Enquanto isso, em decisão de 13/02/2020, o MM. Juiz da 33ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, Dr. Douglas Iecco Ravacci, acatou os argumentos de um condominio e proibiu o Airbnb. Dentre as alegações do condomínio em sua defesa, consideradas pelo juiz, vale reproduzir o trecho abaixo:

"Tanto assim que segundo anúncios na internet há cobrança de taxa de limpeza e taxa de serviços. (...) Asseverou que a utilização do apartamento tem sido contínua e com reservas em sistema hoteleiro, com observações e horários para check in e check out, situação que também descaracteriza a locação para temporada." (Processo n.º 1031358-93.2019.8.26.0100).

Por fim, mas não menos importante, explico o preâmbulo desse texto, pois num mundo onde a automação e o desemprego são cada vez mais presentes, temos que pensar nas novas tecnologias vislumbrando qual o retorno social que elas nos trazem, a curto, médio e longo prazo, para que, embora não devamos ser obscurantistas digitais, ou jurássicos, como preferem alguns, tenhamos sensatez e consigamos perceber o contexto social em que vivemos, para que o uso exagerado dessas tecnologias não nos causem prejuízos.

Se o sujeito quer criar um aplicativo ou uma startup, bom pra ele. Daí a termos que aplaudir e nos resignar com tudo o que é novidade de forma ilimitada e sem um mínimo de senso crítico, daí já é outra coisa...

Os maiores beneficiários do uso do Airbnb são aqueles que cedem os imóveis para a hospedagem e os que nesses imóveis se hospedam. Os primeiros conseguem um bom dinheiro com esse negócio, enquanto os segundos fazem uma boa economia, deixando de utilizar hotéis, hospedarias, pousadas e assemelhados, que por sua vez, deixam de recolher os respectivos tributos e empregar pessoas.

Enfim, são os hotéis, hospedarias, pousadas e assemelhados que pagam tributos e oferecem milhares de empregos, havendo um evidente retorno social com o seu negócio, enquanto os benefícios dos usuários do Airbnb são restritos às partes contratantes, não havendo qualquer compensação social nessa relação jurídica. Isso sem contar sociedades que vivem exclusivamente do turismo e que sofrem enormemente com o uso indiscriminado em sem a devida regulação.

Não se pode esquecer que o capitalismo desenfreado causa crises como a de 2008, impondo-se regulações em prol de toda a sociedade, além do devido comedimento com as novas tecnologias e seus impactos.

Assim, diante de todo o impasse existente a minha sugestão é que os condomínios discutam o assunto em assembleia geral extraordinária especificamente convocada com tal finalidade, onde também já seriam discutidas as regras do 'regulamento interno' da locação por aplicativos e assemelhados a Airbnb, regras essas que os proprietários devem inserir na oferta do imóvel naquela plataforma (que permite isso), respeitando as normas internas de cada condomínio, bem como aprovando que eventuais descumprimentos de normas internas ensejarão aplicação de multas ao proprietário do imóvel.

Isso, acompanhado do cadastro dos usuários, previamente informados pelo proprietário do imóvel em acordo com as regras e procedimentos internos, minimizariam as desordens e preocupações com segurança, até porque os usuários de Airbnb também não querem ser pontuados como pessoas inaptas a usar o aplicativo em outra oportunidade, e isso é um ponto favorável ao condomínio, pois caberá ao proprietário do imóvel informar ao Airbnb os transtornos que eventualmente teve com determinado grupo de pessoas.

Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186
joelleitaoadvogado@gmail.com

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