São Paulo, 1º de Outubro de 2.018.
Atualizado em 19 de Fevereiro de 2.020.
Atualizado em 19 de Fevereiro de 2.020.
Longe de ser um obscurantista digital, o fato é que
defendo o direito ao trabalho e a dignidade humana em primeiro lugar. Mas sobre
isso discorrerei ao final do texto, quando esse preâmbulo ficará mais claro.
As questões que se colocam em vários condomínios hoje são:
"O que fazer com moradores que utilizam-se do aplicativo Airbnb e
assemelhados em condomínios residenciais?"; "Isso é permitido?";
"Podem ser multados?"; "Como fica o direito de propriedade do
detentor do domínio do imóvel?"
As discussões ganham cunho passional quando de um lado
temos moradores mais antigos, alheios às inovações tecnológicas, diante dos
mais novos, entusiastas extremados delas.
Na esfera jurídica temos de um lado os defensores do Airbnb, para quem deve-se
respeitar o direito de propriedade, além do fato de que o aplicativo teria
características de locação; e de outro os contrários
ao Airbnb, para quem o direito de propriedade não é ilimitado, devendo-se
cumprir a função social do imóvel, sem contar que o Airbnb não seria uma
locação, mas hospedagem.
Nessa seara jurídica eu me coloco dentre os contrários,
pois entendo que o Airbnb não é uma locação, mas, de fato, contém
características de hospedagem, que no direito pátrio segue regramento próprio,
que não se confunde com o da Lei de Locações, Lei n.º 8.245/91. E tal conclusão
se extrai do próprio regramento do Airbnb, que trata a relação jurídica como
sendo de 'hospedagem', tratando o ato que antecede a cessão do espaço para a
'estadia' como sendo uma 'reserva', todas questões previstas nos Termos de Serviço do site do Airbnb,
atualizado até 16/04/2018.
A própria concorrência
daqueles que fazem suas 'reservas' para uso do Airbnb não é com os locadores de imóveis, mas com os hotéis,
as hospedarias, as pousadas e assemelhados, fato que, por si, evidencia que, se
estamos diante de uma 'hospedagem', aplicam-se as regras a ela inerentes, sejam
elas tributárias, trabalhistas e comerciais, não se podendo cogitar que à
hospedagem se apliquem as regras de locação.
E se estamos diante de uma hospedagem, estamos diante de
uma atividade comercial que não é permitida em condomínios residenciais, pois
isso alteraria a destinação da unidade condominial, como tratei no texto
anterior, abstendo-me de repetir os esclarecimentos ali prestados.
Portanto, o que
fazer diante desse cenário que se apresenta? Minha sugestão é levar o assunto
para deliberação em uma assembleia de condomínio, para que os moradores possam
debater os prós e contras da utilização desse aplicativo, pois embora eu seja
contra, não posso ignorar que estamos num cenário dividido.
É bom dizer,
inclusive, que mesmo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - TJSP, nem
sempre respeita decisões das assembleias que proíbem o Airbnb. Veja alguns
julgados bem recentes, com posições contra e favoráveis:
|
||||||||||||||||||
|
||||||||||||||||||
|
||||||||||||||||||
|
Como se percebe, o Poder Judiciário não oferece segurança
jurídica aos síndicos e usuários do Airbnb, pois como o assunto é relativamente
novo, a jurisprudência ainda não está consolidada e cada juiz interpreta a
questão de acordo com suas convicções jurídicas.
Penso, ainda assim, com o devido respeito aos desembargadores dos julgados mencionados, que a assembleia ainda é o melhor
local para esse debate. É o momento de proibir ou
autorizar e, nesse último caso, criar as respectivas regras sobre a entrada no
imóvel, respeito à Convenção, aplicação de multas, etc.
Também não se pode ignorar as questões de segurança
envolvidas, motivo pelo qual, independentemente de se tratar de uma locação,
através de um contrato remetido por uma imobiliária de imóveis, ou mesmo pelo
aplicativo Airbnb, devem os condomínios se cercar de formas para minimizar as
chances de estranhos causarem danos ao condôminos e áreas comuns, sugerindo-se
que a cada nova locação ou hospedagem seja realizado um cadastro, além de serem
fornecidos cópias da convenção, regulamento interno, advertindo e multando o
responsável pela unidade autônoma em caso de infrações às regras em vigor, além
de se criar regras para as duas situações.
É oportuno trazer um recentíssimo julgado reconhecendo a
relação de consumo entre o usuário do Airbnb e essa plataforma, fato que traz
profundos impactos nessa relação jurídica, pois evidencia que ela
se aproxima mais de uma hospedagem do que de uma locação, já que não há
relação de consumo nas locações de imóveis, como entende o Superior
Tribunal de Justiça - STJ:
|
Outra decisão do STJ que merece comentário e ainda está em julgamento, com previsão para definição neste ano de 2.020, em sua 4ª Turma, mas que já contém um voto do relator, o Ministro Luís Felipe Salomão, que entende que não se pode proibir as 'locações' via Airbnb e plataformas assemelhadas (Resp 1.819.075), é de um condomínio de Porto Alegre/RS, e poderá servir de parâmetro para os demais juízes e tribunais espalhados pelo país.
Enquanto isso, em decisão de 13/02/2020, o MM. Juiz da 33ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, Dr. Douglas Iecco Ravacci, acatou os argumentos de um condominio e proibiu o Airbnb. Dentre as alegações do condomínio em sua defesa, consideradas pelo juiz, vale reproduzir o trecho abaixo:
"Tanto assim que segundo anúncios na internet há cobrança de taxa de limpeza e taxa de serviços. (...) Asseverou que a utilização do apartamento tem sido contínua e com reservas em sistema hoteleiro, com observações e horários para check in e check out, situação que também descaracteriza a locação para temporada." (Processo n.º 1031358-93.2019.8.26.0100).
Por fim, mas não menos importante, explico o preâmbulo
desse texto, pois num mundo onde a automação e o desemprego são cada vez mais presentes,
temos que pensar nas novas tecnologias vislumbrando qual o retorno social que
elas nos trazem, a curto, médio e longo prazo, para que, embora não devamos ser
obscurantistas digitais, ou jurássicos, como preferem alguns, tenhamos sensatez
e consigamos perceber o contexto social em que vivemos, para que o uso exagerado
dessas tecnologias não nos causem prejuízos.
Se o sujeito quer criar um aplicativo ou uma startup, bom
pra ele. Daí a termos que aplaudir e nos resignar com tudo o que é novidade de
forma ilimitada e sem um mínimo de senso crítico, daí já é outra coisa...
Os maiores beneficiários do uso do Airbnb são aqueles que
cedem os imóveis para a hospedagem e os que nesses imóveis se hospedam. Os
primeiros conseguem um bom dinheiro com esse negócio, enquanto os segundos
fazem uma boa economia, deixando de utilizar hotéis, hospedarias, pousadas e
assemelhados, que por sua vez, deixam de recolher os respectivos tributos e
empregar pessoas.
Enfim, são os hotéis, hospedarias, pousadas e
assemelhados que pagam tributos e oferecem milhares de empregos, havendo um
evidente retorno social com o seu negócio, enquanto os benefícios dos usuários
do Airbnb são restritos às partes contratantes, não havendo qualquer
compensação social nessa relação jurídica. Isso sem contar sociedades que vivem
exclusivamente do turismo e que sofrem enormemente com o uso indiscriminado em
sem a devida regulação.
Não se pode esquecer que o capitalismo desenfreado
causa crises como a de 2008, impondo-se regulações em prol de toda a
sociedade, além do devido comedimento com as novas tecnologias e seus impactos.
Assim, diante de todo o impasse existente a minha sugestão é que os condomínios discutam o assunto em assembleia geral extraordinária especificamente convocada com tal finalidade, onde também já seriam discutidas as regras do 'regulamento interno' da locação por aplicativos e assemelhados a Airbnb, regras essas que os proprietários devem inserir na oferta do imóvel naquela plataforma (que permite isso), respeitando as normas internas de cada condomínio, bem como aprovando que eventuais descumprimentos de normas internas ensejarão aplicação de multas ao proprietário do imóvel.
Assim, diante de todo o impasse existente a minha sugestão é que os condomínios discutam o assunto em assembleia geral extraordinária especificamente convocada com tal finalidade, onde também já seriam discutidas as regras do 'regulamento interno' da locação por aplicativos e assemelhados a Airbnb, regras essas que os proprietários devem inserir na oferta do imóvel naquela plataforma (que permite isso), respeitando as normas internas de cada condomínio, bem como aprovando que eventuais descumprimentos de normas internas ensejarão aplicação de multas ao proprietário do imóvel.
Isso, acompanhado do cadastro dos usuários, previamente informados pelo proprietário do imóvel em acordo com as regras e procedimentos internos, minimizariam as desordens e preocupações com segurança, até porque os usuários de Airbnb também não querem ser pontuados como pessoas inaptas a usar o aplicativo em outra oportunidade, e isso é um ponto favorável ao condomínio, pois caberá ao proprietário do imóvel informar ao Airbnb os transtornos que eventualmente teve com determinado grupo de pessoas.
Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186
joelleitaoadvogado@gmail.com
joelleitaoadvogado@gmail.com