O que mais me
surpreende quando síndicas questionam se há alguma lei que as obrigue a
conceder acessibilidade aos moradores com alguma deficiência física ou
dificuldade de locomoção em seus respectivos condomínios, muito mais do que a
questão legal, é a dificuldade de se colocar no lugar do outro, a dificuldade
de perceber a questão humana envolvida.
A primeira pergunta
deveria ser: “Como devemos agir para que o condomínio (muitas vezes antigo e
não preparado para receber a quantidade cada vez maior de moradores idosos e
portadores de deficiência) faça as adaptações necessárias, se modernizando e
trabalhando pela inclusão”.
A questão da
acessibilidade em condomínios é um tema que vem se tornando recorrente. De um
lado pessoas
com deficiência exigem que os condomínios minimizem as
dificuldades apresentadas pelas construções, e de outro lado síndicas, muitas
vezes desinformadas e que somente agem após decisões judiciais condenatórias – muitas
vezes, inclusive, com condenação também em danos morais.
E é justamente tratar
de decisões judiciais recentes e normas em vigor o objetivo dessa pequena
colaboração para as pessoas que lidam com o assunto, sejam elas síndicas,
conselheiras, advogadas, pessoas com deficiência e demais condôminas.
Primeiro.
Antes de qualquer coisa é oportuno que a síndica, ao se deparar com os
primeiros questionamentos sobre fornecer acessibilidade, chame uma assembleia
geral extraordinária, elaborando um Edital de Convocação apropriado e bem
redigido, para que o assunto possa ser decidido pelo conjunto dos moradores
presentes em assembleia com aprovação por maioria simples, pois aqui se está
discutindo o princípio constitucional da isonomia, e não sobre mudança da
Convenção de Condomínio ou destinação de áreas comuns.
Segundo. Conforme já adiantei no parágrafo
anterior a primeira norma a ser invocada nessas situações é a Constituição
Federal, especialmente o artigo 5º e outros que serão citados adiante, além do
princípio da dignidade da pessoa humana. Todas as demais normas que normalmente
são suscitadas pelas partes, embora relevantes, são secundárias, e as decisões
mais atualizadas também assim vem entendendo, mesmo diante do princípio da
irretroatividade das normas.
Evidentemente que não
conseguindo o direito normatizar todas as situações novas que vão surgindo no
decorrer dos anos, com a particularidade de cada morador, cada empreendimento,
cada contexto social, até poderá o Poder Judiciário entender que situações
específicas não impõem ao condomínio o dever de se adequar, porém, de maneira
geral, o mínimo que a síndica pode fazer é tomar a dianteira, se colocar no
lugar do condômino, conversar com o conselho, chamar uma assembleia e tentar o
possível, inclusive com a ajuda das pessoas com deficiência ou dos idosos, para
melhorar a acessibilidade.
O artigo 244, da
Constituição Federal, dispõe que:
“A
lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e
dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir
acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme disposto no art.
277, §2º.”
Ainda assim, a jurisprudência
vem entendendo que também os edifícios particulares devem se adequar, porque ao
fazer uma análise sistêmica do direito acabam prevalecendo as normas que
respeitam a dignidade da pessoa humana, como as contidas no artigo 5º.
Terceiro. Decisões judiciais vem
condenando os condomínios, cada uma delas tratando das particularidades envolvidas,
a fazer obras que permitam a acessibilidade, a fornecer vagas de garagem, a
efetuar pequenos reparos que permitam as adequações mencionadas.
Decisão da 31ª Câmara
de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na Apelação
n.º 1008767-11.2016.8.26.0564, Voto n.º 34.584, de 14/02/2017, cujo relator foi
o Des. Paulo Ayrosa, teve a seguinte Ementa:
“CONDOMÍNIO EDILÍCIO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE
FAZER C.C. INDENIZATÓRIA – PRETENSÃO DOS AUTORES VISANDO A REALIZAÇÃO DE OBRA
DE ACESSIBILIDADE, CONSISTENTE NA EDIFICAÇÃO DE RAMPA DE ACESSO OU PLATAFORMA
ELEVATÓRIA JUNTO À ENTRADA SOCIAL DO EDIFÍCIO – MORADOR COM CAPACIDADE DE
LOCOMOÇÃO REDUZIDA – INSTALAÇÃO QUE SE IMPÕE – LEI FEDERAL N.º 10.048/2000 C/C
ARTIGOS 5º E 244, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – SENTENÇA REFORMADA NESSE SENTIDO –
DANO MORAL – IMPERTINÊNCIA – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA – RECURSO DOS AUTORES PARCIALMENTE
PROVIDO. I. Nos termos da legislação aplicável ao caso, já há obrigatoriedade
de os condomínios residenciais multifamiliares promoverem adaptações para
pessoas portadoras de deficiências de locomoção, fornecendo condições de
acessibilidade ao seu portador, de modo que merece acolhimento o pedido autoral
de obrigar o réu realizar obra no condomínio, consistente na construção de uma
rampa de acesso ou mesmo plataforma elevatória junto à entrada social do
edifício, com cominação de multa diária.; II. Não restou demonstrada a
ocorrência de danos morais no caso em apreço, pois a simples demora do réu à
construção da rampa de acesso para portadores de necessidades especiais não
pode ser considerada discriminação, não tendo os autores relatado outros fatos
capazes de gerar indenização a esse título.”
Também merece ser
reproduzida a seguinte decisão:
“OBRIGAÇÃO
DE FAZER – Dever de reformar área comum interna de edifício, para garantir a
acessibilidade dos portadores de deficiência física – Pedido juridicamente possível
– Carência da ação afastada – Aplicação, todavia, do disposto pelo §3º, do
artigo 515, do Código de Processo Civil – Exigência de atendimento à disposição
legal e à proteção constitucional – Aplicação da lei federal 10.098/2000 e dos
princípios constitucionais da dignidade e da promoção do bem estar de todos –
Artigos 1º, inciso III e 3º, inciso IV da Constituição Federal de 1988 –
Caracterização – Sentença reformada – RECURSO PROVIDO, com determinação.
(Apelação n.º 9068208-39.2007.8.26.0000, Rel. Des. Élcio Trujill. J. em
31.08.2011).”
Mesmo na primeira
instância as decisões já começam a ser semelhantes, como no caso julgado pelo
MM. Juiz de Direito Dr. Rogério Aguiar Munhoz Soares, da 3ª Vara Cível do Foro
Regional do Jabaquara, processo n.º 1021847-76.2016.8.26.0003, que condenou o
condomínio inclusive em danos morais:
“A
acessibilidade da pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida é
garantida constitucionalmente (arts. 5º, 7º, XXXI, 23, II, 24, XIV, 37, VIII,
203, IV, V, 208, III, IV, 227, §1º, II, §2º e 244), sendo a matéria amplamente
regulamentada no âmbito da legislação federal.
No
tocante à retroatividade, argumento central da defesa, o Estatuto da Pessoa com
Deficiência (Lei Federal n.º 13.146/2015) prevê, em seus arts. 56 a 58, que as
normas de acessibilidade se destinam inclusive às edificações privadas já
existentes, o que inclui construção, reforma, ampliação ou mudança de uso de
edificações, devendo ser garantida acessibilidade com observância das normas
técnicas em vigor (ABNT NBR 9050/2015), além de ser vedada cobrança de valores
adicionais aos beneficiados.
“(...)
Não custa observar que a relutância de alguns síndicos em proporcionar
acessibilidade aos condôminos que dela necessitam acaba gerando demandas como a
presente, que importam em maiores custos ao condomínio, mormente porque este
tipo de atuação injustificada e contra a lei invade a seara do dano moral por
configurar ato ilícito.”
A lei é “(...) clara ao determinar a “eliminação de
barreiras, entraves e obstáculos arquitetônicos” existentes tanto nos edifícios
públicos quanto nos privados (art. 3º, b), além de trazer a figura do
“acompanhante” (inciso XIV), imprescindível à pessoa com necessidades, como nos
casos de motoristas ou cuidadores de deficientes visuais que necessitam de uma
vaga preferencial.”
Aliás, quando se trata
de deficientes visuais, reproduzo trecho de decisão do Juizado Especial Cível
Central – Anexo PUC/SP, processo n.º 0010934-13.2016.8.26.0016, onde a MM.
Juíza de Direito Dra. Marcela Filus Coelho, entendeu que:
“Restou
incontroverso que o prédio não possui a acessibilidade necessária para os
deficientes visuais.
Para
que possam ter um convívio digno em sociedade, os portadores de deficiências
físicas reclamam tratamento adequado, para que se alcance uma verdadeira
isonomia.
(...)
O
fato de o prédio possuir alvará de funcionamento também não exime a
responsabilidade da requerida em observar tal comando legal, sendo lamentável
que ainda não seja exigida tal observância para concessão do alvará.
É
fato que o autor tem o direito à acessibilidade plena no imóvel em que reside,
e a falta do piso fere seu direito fundamental de locomoção e ofende à
isonomia.”
Conclusão. É recomendável que a
síndica se coloque no lugar das pessoas com deficiência ou com necessidade de
locomoção para que situações como as acima relatadas não enveredem para mais
uma demanda judicial desnecessária que poderia ser resolvida interna corporis entre os moradores.
Mas nem tudo está
perdido. Recentemente recebi uma ligação de uma síndica querendo saber se
poderia fazer obras de acessibilidade no salão de festas. Perguntei se havia
alguma reclamação, mas ela respondeu que ela fica constrangida quando vê festas
com cadeirantes tendo dificuldade em entrar, sair, usar o toalete, enfim, ela
se colocou no lugar do outro e, nesse caso, também seu conselho opinou, dizendo
que antes de chamar a assembleia já é melhor fazer 03 (três) orçamentos e levar
para aprovação de uma vez só.
Também acredito que essa
pode ser a melhor saída, porém, cada condomínio deve se atentar às suas
peculiaridades.
Joel dos Santos
Leitão, Outubro de 2017.