quinta-feira, 19 de outubro de 2017

A acessibilidade em condomínios é obrigatória?



O que mais me surpreende quando síndicas questionam se há alguma lei que as obrigue a conceder acessibilidade aos moradores com alguma deficiência física ou dificuldade de locomoção em seus respectivos condomínios, muito mais do que a questão legal, é a dificuldade de se colocar no lugar do outro, a dificuldade de perceber a questão humana envolvida.

A primeira pergunta deveria ser: “Como devemos agir para que o condomínio (muitas vezes antigo e não preparado para receber a quantidade cada vez maior de moradores idosos e portadores de deficiência) faça as adaptações necessárias, se modernizando e trabalhando pela inclusão”.

A questão da acessibilidade em condomínios é um tema que vem se tornando recorrente. De um lado pessoas com deficiência exigem que os condomínios minimizem as dificuldades apresentadas pelas construções, e de outro lado síndicas, muitas vezes desinformadas e que somente agem após decisões judiciais condenatórias – muitas vezes, inclusive, com condenação também em danos morais.

E é justamente tratar de decisões judiciais recentes e normas em vigor o objetivo dessa pequena colaboração para as pessoas que lidam com o assunto, sejam elas síndicas, conselheiras, advogadas, pessoas com deficiência e demais condôminas.

Primeiro. Antes de qualquer coisa é oportuno que a síndica, ao se deparar com os primeiros questionamentos sobre fornecer acessibilidade, chame uma assembleia geral extraordinária, elaborando um Edital de Convocação apropriado e bem redigido, para que o assunto possa ser decidido pelo conjunto dos moradores presentes em assembleia com aprovação por maioria simples, pois aqui se está discutindo o princípio constitucional da isonomia, e não sobre mudança da Convenção de Condomínio ou destinação de áreas comuns.

Segundo. Conforme já adiantei no parágrafo anterior a primeira norma a ser invocada nessas situações é a Constituição Federal, especialmente o artigo 5º e outros que serão citados adiante, além do princípio da dignidade da pessoa humana. Todas as demais normas que normalmente são suscitadas pelas partes, embora relevantes, são secundárias, e as decisões mais atualizadas também assim vem entendendo, mesmo diante do princípio da irretroatividade das normas.

Evidentemente que não conseguindo o direito normatizar todas as situações novas que vão surgindo no decorrer dos anos, com a particularidade de cada morador, cada empreendimento, cada contexto social, até poderá o Poder Judiciário entender que situações específicas não impõem ao condomínio o dever de se adequar, porém, de maneira geral, o mínimo que a síndica pode fazer é tomar a dianteira, se colocar no lugar do condômino, conversar com o conselho, chamar uma assembleia e tentar o possível, inclusive com a ajuda das pessoas com deficiência ou dos idosos, para melhorar a acessibilidade.

O artigo 244, da Constituição Federal, dispõe que:

“A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme disposto no art. 277, §2º.”

Ainda assim, a jurisprudência vem entendendo que também os edifícios particulares devem se adequar, porque ao fazer uma análise sistêmica do direito acabam prevalecendo as normas que respeitam a dignidade da pessoa humana, como as contidas no artigo 5º.

Terceiro. Decisões judiciais vem condenando os condomínios, cada uma delas tratando das particularidades envolvidas, a fazer obras que permitam a acessibilidade, a fornecer vagas de garagem, a efetuar pequenos reparos que permitam as adequações mencionadas.

Decisão da 31ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na Apelação n.º 1008767-11.2016.8.26.0564, Voto n.º 34.584, de 14/02/2017, cujo relator foi o Des. Paulo Ayrosa, teve a seguinte Ementa:

CONDOMÍNIO EDILÍCIO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. INDENIZATÓRIA – PRETENSÃO DOS AUTORES VISANDO A REALIZAÇÃO DE OBRA DE ACESSIBILIDADE, CONSISTENTE NA EDIFICAÇÃO DE RAMPA DE ACESSO OU PLATAFORMA ELEVATÓRIA JUNTO À ENTRADA SOCIAL DO EDIFÍCIO – MORADOR COM CAPACIDADE DE LOCOMOÇÃO REDUZIDA – INSTALAÇÃO QUE SE IMPÕE – LEI FEDERAL N.º 10.048/2000 C/C ARTIGOS 5º E 244, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – SENTENÇA REFORMADA NESSE SENTIDO – DANO MORAL – IMPERTINÊNCIA – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA – RECURSO DOS AUTORES PARCIALMENTE PROVIDO. I. Nos termos da legislação aplicável ao caso, já há obrigatoriedade de os condomínios residenciais multifamiliares promoverem adaptações para pessoas portadoras de deficiências de locomoção, fornecendo condições de acessibilidade ao seu portador, de modo que merece acolhimento o pedido autoral de obrigar o réu realizar obra no condomínio, consistente na construção de uma rampa de acesso ou mesmo plataforma elevatória junto à entrada social do edifício, com cominação de multa diária.; II. Não restou demonstrada a ocorrência de danos morais no caso em apreço, pois a simples demora do réu à construção da rampa de acesso para portadores de necessidades especiais não pode ser considerada discriminação, não tendo os autores relatado outros fatos capazes de gerar indenização a esse título.”

Também merece ser reproduzida a seguinte decisão:

“OBRIGAÇÃO DE FAZER – Dever de reformar área comum interna de edifício, para garantir a acessibilidade dos portadores de deficiência física – Pedido juridicamente possível – Carência da ação afastada – Aplicação, todavia, do disposto pelo §3º, do artigo 515, do Código de Processo Civil – Exigência de atendimento à disposição legal e à proteção constitucional – Aplicação da lei federal 10.098/2000 e dos princípios constitucionais da dignidade e da promoção do bem estar de todos – Artigos 1º, inciso III e 3º, inciso IV da Constituição Federal de 1988 – Caracterização – Sentença reformada – RECURSO PROVIDO, com determinação. (Apelação n.º 9068208-39.2007.8.26.0000, Rel. Des. Élcio Trujill. J. em 31.08.2011).”

Mesmo na primeira instância as decisões já começam a ser semelhantes, como no caso julgado pelo MM. Juiz de Direito Dr. Rogério Aguiar Munhoz Soares, da 3ª Vara Cível do Foro Regional do Jabaquara, processo n.º 1021847-76.2016.8.26.0003, que condenou o condomínio inclusive em danos morais:

“A acessibilidade da pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida é garantida constitucionalmente (arts. 5º, 7º, XXXI, 23, II, 24, XIV, 37, VIII, 203, IV, V, 208, III, IV, 227, §1º, II, §2º e 244), sendo a matéria amplamente regulamentada no âmbito da legislação federal.

No tocante à retroatividade, argumento central da defesa, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Federal n.º 13.146/2015) prevê, em seus arts. 56 a 58, que as normas de acessibilidade se destinam inclusive às edificações privadas já existentes, o que inclui construção, reforma, ampliação ou mudança de uso de edificações, devendo ser garantida acessibilidade com observância das normas técnicas em vigor (ABNT NBR 9050/2015), além de ser vedada cobrança de valores adicionais aos beneficiados.

“(...) Não custa observar que a relutância de alguns síndicos em proporcionar acessibilidade aos condôminos que dela necessitam acaba gerando demandas como a presente, que importam em maiores custos ao condomínio, mormente porque este tipo de atuação injustificada e contra a lei invade a seara do dano moral por configurar ato ilícito.”

A lei é “(...) clara ao determinar a “eliminação de barreiras, entraves e obstáculos arquitetônicos” existentes tanto nos edifícios públicos quanto nos privados (art. 3º, b), além de trazer a figura do “acompanhante” (inciso XIV), imprescindível à pessoa com necessidades, como nos casos de motoristas ou cuidadores de deficientes visuais que necessitam de uma vaga preferencial.”

Aliás, quando se trata de deficientes visuais, reproduzo trecho de decisão do Juizado Especial Cível Central – Anexo PUC/SP, processo n.º 0010934-13.2016.8.26.0016, onde a MM. Juíza de Direito Dra. Marcela Filus Coelho, entendeu que:

“Restou incontroverso que o prédio não possui a acessibilidade necessária para os deficientes visuais.
Para que possam ter um convívio digno em sociedade, os portadores de deficiências físicas reclamam tratamento adequado, para que se alcance uma verdadeira isonomia.
(...)
O fato de o prédio possuir alvará de funcionamento também não exime a responsabilidade da requerida em observar tal comando legal, sendo lamentável que ainda não seja exigida tal observância para concessão do alvará.
É fato que o autor tem o direito à acessibilidade plena no imóvel em que reside, e a falta do piso fere seu direito fundamental de locomoção e ofende à isonomia.”

Conclusão. É recomendável que a síndica se coloque no lugar das pessoas com deficiência ou com necessidade de locomoção para que situações como as acima relatadas não enveredem para mais uma demanda judicial desnecessária que poderia ser resolvida interna corporis entre os moradores.

Mas nem tudo está perdido. Recentemente recebi uma ligação de uma síndica querendo saber se poderia fazer obras de acessibilidade no salão de festas. Perguntei se havia alguma reclamação, mas ela respondeu que ela fica constrangida quando vê festas com cadeirantes tendo dificuldade em entrar, sair, usar o toalete, enfim, ela se colocou no lugar do outro e, nesse caso, também seu conselho opinou, dizendo que antes de chamar a assembleia já é melhor fazer 03 (três) orçamentos e levar para aprovação de uma vez só.

Também acredito que essa pode ser a melhor saída, porém, cada condomínio deve se atentar às suas peculiaridades.

Joel dos Santos Leitão, Outubro de 2017.


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