quinta-feira, 24 de maio de 2018

O zelador ou o porteiro são obrigados a permitir o acesso de funcionário da companhia de energia elétrica para desligar a luz de morador inadimplente?



São Paulo, 24 de Maio de 2.018.

O zelador do prédio me perguntou se ele é obrigado a permitir o acesso de funcionário da companhia de energia elétrica no condomínio para desligar a luz de morador inadimplente com a concessionária.

Segundo ele, a pessoa que supostamente representava a companhia de energia elétrica - provavelmente um funcionário terceirizado - ganha pelos cortes que efetua e, além disso, insinuou que se não fosse permitido o acesso cortaria a energia elétrica do prédio todo e chamaria a polícia.

Respondi a ele com outra pergunta: E se na unidade em questão houver alguém doente que precisa da energia elétrica para sobreviver? De quem será a responsabilidade em caso de agravamento da doença ou mesmo de morte? Sua? Do condomínio? Da companhia de energia elétrica?

Hoje é pacífico na jurisprudência (que são as decisões dos tribunais) que mesmo sendo a energia elétrica um serviço essencial ela pode ser cortada, porém, há alguns critérios estabelecidos em julgados do Superior Tribunal de Justiça - STJ, que são autoexplicativos, motivo pelo qual sobre eles não tecerei comentários, bastando uma leitura atenta para a respectiva compreensão:

1) É legítimocorte no fornecimento de serviços públicos essenciais quando inadimplente o usuário, desde que precedido de notificação.

2) É ilegítimocorte no fornecimento de energia elétrica quando puder afetar o direito à saúde e à integridade física do usuário.

3) É ilegítimocorte no fornecimento de serviços públicos essenciais por débitos de usuário anterior, em razão da natureza pessoal da dívida.

4) É ilegítimocorte no fornecimento de energia elétrica em razão de débito irrisório, por configurar abuso de direito e ofensa aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, sendo cabível a indenização ao consumidor por danos morais.

5) É ilegítimocorte no fornecimento de serviços públicos essenciais quando o débito decorrer de irregularidade no hidrômetro ou no medidor de energia elétrica, apurada unilateralmente pela concessionária.

6) O corte no fornecimento de energia elétrica somente pode recair sobre o imóvel que originou o débito, e não sobre outra unidade de consumo do usuário inadimplente.

Essa última decisão responde à ameaça do funcionário da companhia elétrica, que poderá ser responsabilizada civilmente em caso de abuso e pelos prejuízos que eventualmente venha a causar, sem contar eventuais questões criminais no item relativo à saúde e integridade física do usuário. Não custa lembrar que a vida é o maior bem protegido pelo direito.

Então não sou partidário da opinião de que o condomínio não possa criar qualquer obstáculo quando o representante da concessionária de serviço público comparecer ao condomínio para efetuar o corte do serviço de energia elétrica. Tudo tem que ser feito nos limites da lei e das demais normas em vigor, devendo, todavia, serem sopesados diversos fatores:

(i) demonstração de que a unidade já foi previamente notificada; (ii) ser constatado que não há risco à saúde e integridade física dos usuários (e se o porteiro ou o zelador tiverem notícias de que há um balão de oxigênio ligado a morador da unidade?); (iii) não ser o débito de morador que já deixou o imóvel; (iv) não ser o débito irrisório; (v) não ser débito decorrente de irregularidade no medidor; e (vi) ser efetuado o corte exclusivamente na unidade em questão e não no prédio todo.

É prudente que enquanto o zelador apure essas informações concomitantemente seja tentado um contato com o morador em questão, seja na própria unidade, seja no seu local de trabalho, motivo pelo qual é imprescindível que sempre estejam atualizados os cadastros dos moradores. Ainda assim, se não houver irregularidade, nada poderá fazer o condomínio para evitar o corte.

O porteiro ou zelador devem obter todos os dados do funcionário que representa a companhia de energia elétrica (que se for terceirizado, deverá comprovar sua autonomia para agir em nome da concessionária), confrontando seu documento de identidade, anotando os respectivos números, nome, registro de funcionário na empresa, crachá, verificar se usa uniforme, além de obter seu telefone de contato e de seu supervisor, jamais permitindo a entrada sem que seja ele acompanhado até o local do corte.

A jurisprudência mencionada prevalece sobre resoluções da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, valendo salientar que resoluções possuem validade restrita, pois nossas normas ainda são feitas pelas casas legislativas, e não se pode esquecer que há meios próprios para que a concessionária de energia elétrica possa cobrar pelo serviço não pago, devendo se utilizar das opções disponíveis, dentre elas a ação judicial apropriada, ou seja, a observância dos critérios mencionados visa tão somente garantir que direitos sejam respeitados, mas nem por isso privilegiam o enriquecimento sem causa do devedor.

Sim, eu sei! O assunto é polêmico! Mas também não se pode ignorar a grande probabilidade de alguém que ganha comissão por corte de energia elétrica cometer abusos, especialmente quando sai por aí ameaçando incautos. Quem supostamente possui prerrogativa de agir como mandatário do Estado para cortar energia, também pode ser responsabilizado em caso de abusar desse poder.

Se o funcionário da concessionária quiser chamar a polícia, paciência! Também a polícia terá que agir dentro das normas em vigor, lembrando que o condomínio é uma propriedade privada, com todas as garantias inerentes a esse instituto, e se não há perseguição a algum criminoso, mesmo o poder de polícia é limitado.

O objetivo desse texto é tão somente demonstrar que existem regras próprias e os funcionários ou terceirizados de empresas concessionárias de fornecimento de serviço de energia elétrica não podem fazer o que bem entendem. Evidente que não sugiro que se discuta com a polícia, mas as ponderações acima devem ser consideradas, assim como as devidas identificações.

A minha sugestão é que os funcionários de condomínios discutam previamente com a direção (síndico e conselheiros) sobre qual a melhor saída nesses casos, elaborando um processo interno próprio do respectivo procedimento, pois não podem os funcionários ficar com tamanha responsabilidade.

Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186

PS: Depois que escrevi o texto mostrei ao zelador. Além de agradecer ele fez o seguinte comentário: "Quando o funcionário que vem é da própria companhia de energia elétrica, ele diz para que tentemos verificar com os condôminos sobre eventual pagamento enquanto faz a leitura do consumo no condomínio, ou seja, dá a oportunidade para que a questão seja resolvida. Mas quando o funcionário é de empresa terceirizada, daí não há jeito mesmo. Não querem nem saber."

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Pode o condomínio instalar câmeras em sua portaria?


São Paulo, 03 de Maio de 2.018.

A instalação de câmeras na portaria do condomínio deve obedecer algumas normas para minimizar as chances de questionamentos judiciais - que sempre existirão, dependendo da situação específica envolvida.

Além disso, os próprios moradores devem colaborar com a questão da segurança, evitando, por exemplo, a entrada na portaria e distração dos funcionários.

Por isso, o texto abaixo tratará de duas questões, cujas respostas já deixo de antemão. 1) Sim. O condomínio pode instalar câmeras na portaria para realizar a filmagem, observando alguns critérios; e 2) Os moradores devem respeitar as normas condominiais de segurança visando o seu próprio bem, em vista da segurança envolvida, como discorrerei a seguir.

Esse assunto trata do conflito de dois direitos constitucionais que se deve tentar harmonizar a cada caso específico: 1) o direito à privacidade e intimidade dos funcionários e 2) o direito patrimonial dos moradores.

Não há leis que tratam especificamente da instalação de câmeras, filmagem ou gravação de funcionários, muito menos na portaria de um condomínio, mas há decisão do Tribunal Superior do Trabalho que até hoje é utilizada como parâmetro pelos operadores do direito, podendo ser localizada nos seguintes links:



Esse comentário é importante porque quando não há uma norma específica delimitando a forma de agir, vale dizer, a conduta dos cidadãos, isso dá margem a dúvidas e interpretações as mais diversas, gerando insegurança jurídica, e por isso deve-se observar alguns critérios na instalação de câmeras, filmagem e gravação das imagens.

Portanto, a sugestão é que se tome as seguintes medidas:

1) Aprovação em Assembleia

Antes de instalar câmeras na portaria recomenda-se que seja aprovado em assembleia de moradores, constando dentre um dos itens da pauta o seguinte tópico no respectivo edital de convocação:

"I - Votação e aprovação da instalação de câmera na portaria do condomínio e/ou em outros locais, com filmagem e gravação, bem como votação e aprovação do orçamento e respectiva forma de rateio;

Outro assunto que se pode cogitar em aprovar na mesma assembleia, caso queiram, seria:

II - Votação e aprovação de medidas disciplinares para moradores que entrem na portaria, estabelecendo critérios de advertência e multa."

O síndico tem o direito e dever de se preocupar com a segurança do condomínio, mas como a verba utilizada para a aquisição das câmeras não é sua, sugere-se, por cautela, aprovar a despesa em assembleia, apresentando três orçamentos, para minimizar as chances de ser questionado futuramente sobre essa despesa, sem contar o fato de que por envolver assunto relativo a privacidade, ou seja, o foro íntimo das pessoas que ali trabalham, essa aprovação é ainda mais importante.

Note que quando o assunto é instalação de câmeras muitos condôminos poderão demonstrar o interesse em aprovar a instalações de câmeras em outros lugares também, podendo acusar o síndico de não ter feito tudo de uma vez só, o que em muitos casos minimiza custos.

Além disso, como o objetivo da instalação de câmeras é com a segurança do condomínio, pode-se pensar também em chamar a atenção dos condôminos de que ali não é um lugar para conversa e para retirar a atenção do porteiro que está trabalhando.

A assembleia aprovaria também, portanto, que o morador infrator que entre na portaria primeiro seria advertido por escrito e, em caso de reincidência, seria aplicada uma multa equivalente a metade da cota condominial ordinária (valor exemplificativo), sendo dobrada em caso de reincidência, quantas vezes o comportamento se repetir, tendo o valor arrecadado destino específico, observados a Convenção de Condomínio e Regulamento Interno de cada condomínio.

Assim, esse item aprovaria não apenas a instalação das câmeras, com a respectiva filmagem e gravação das imagens, (talvez uma câmera voltada para a porta de entrada e outra para a frente/vidro dianteiro - mas sem ângulo para visualizar o banheiro), com o intuito de saber quem entra na portaria sem autorização e eventuais intrusos com objetivo de crime, bem como já deixaria aprovado pela assembleia a respectiva punição a eventuais infratores.

2) Colocação de avisos na portaria

Assim que os tópicos acima forem aprovados sugiro colocar na porta da portaria e também internamente dois adesivos com os dizeres:

"O ambiente está sendo filmado e poderá ser gravado. As imagens são confidenciais e protegidas nos termos da lei."

"Por questões de segurança é proibido a entrada de moradores ou terceiros na portaria. Sujeito a advertência e multa."

Além disso, as câmeras não podem ficar escondidas, sendo importante que estejam à vista para que não se alegue o desconhecimento e para que possam ser utilizadas perante o Poder Judiciário, se o caso, conforme dispõe o artigo 5º, inciso LVI da Constituição Federal.

3) Treinamento e valorização dos funcionários

Com relação aos funcionários sugerimos que recebam um treinamento, em que seriam orientados sobre as condutas a serem tomadas na portaria, inclusive recebendo um certificado de participação, pois, além disso, valorizar o funcionário e seu crescimento profissional mostraria a ele a preocupação e o respeito que o condomínio possui.

O condomínio verificaria com antecedência o programa do curso para saber se atende aos seus anseios, inscrevendo e pagando sua participação.
É o funcionário que cuida do seu patrimônio. Merece ou não ser valorizado, não apenas com treinamentos?

CONCLUSÃO

A filmagem pode ser feita, mas não se deve filmar banheiros, refeitórios e vestiários, além de outros locais que nada tenham a ver com a segurança do condomínio e possam causar desconforto ou afrontar a intimidade e privacidade dos funcionários.

Outra questão é a ciência dos funcionários, motivo pelo qual deve-se instalar os avisos já mencionados, além de, se possível, pedir para que assinem um termo em que confirmam ter ciência de que o ambiente é filmado e gravado, embora isso não seja impeditivo para instalar as câmeras.

Diga-se, também, que as câmeras devem ficar em lugar visível, onde todos possam vê-la, sem alegar seu desconhecimento, o que supriria a assinatura de qualquer documento.

Também é importante verificar a Convenção Coletiva da categoria especifica envolvida para apurar se há ali alguma restrição ou recomendação sobre o assunto, bem como se ela confronta com os direitos aqui suscitados: intimidade/privacidade x propriedade.

Por conta das diversas discussões acerca de eventuais danos que os funcionários filmados podem sofrer a sua intimidade e privacidade, previstos no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, recomenda-se alguns cuidados, como por exemplo, deixar o acesso aos vídeos restritos ao síndico, não fornecer imagens gravadas a ninguém, pois não se está em discussão apenas o direito patrimonial, mas também o direito à intimidade/privacidade, que deve-se harmonizar com o direito à propriedade, também previsto no artigo 5º, da Constituição Federal, em seu caput.

Joel dos Santos Leitão
Advogado
OAB/SP nº. 173.186

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