quarta-feira, 20 de março de 2019

Assembleia de Condomínio pode ser anulada se votar o que não constou no Edital de Convocação


"Assembleia de Condomínio pode ser anulada se votar o que não constou no Edital de Convocação"

São Paulo, 19 de Março de 2.019.

Há condomínios que insistem em desrespeitar as formalidades previstas em lei e na sua própria Convenção de Condomínio quando da realização da assembleia, votando assuntos que não constavam na pauta do Edital de Convocação, vale dizer, da 'ordem do dia', e isso pode gerar a nulidade, se não da totalidade da assembleia, ao menos dos assuntos irregularmente votados.

Sempre que vou participar  de assembleias de condomínio, e isso acontece toda semana, às vezes dias seguidos, procuro pedir para analisar o Edital de Convocação antes que seja distribuído aos moradores, e sempre faço alterações, porque nem sempre há correspondência sobre o que se pretende votar e o que consta do respectivo edital.

O item do Edital de Convocação que gera mais polêmica é sempre o "Assuntos Gerais de Interesse do Condomínio", que normalmente fica por último na pauta, pois como se percebe ele é extremamente genérico, diz muito e ao mesmo tempo não diz nada. Nesse tópico os moradores podem discutir questões cotidianas ou mesmo mais profundas, mas nunca votar e deliberar sobre algo que não constou expressamente no Edital de Convocação.

E isso se dá porque a transparência e a clareza são inerentes ao Edital de Convocação. Isso permite que os condôminos tenham ciência do que será discutido, sem surpresas.

Um morador pode não ter o mínimo interesse em participar de uma assembleia convocada, cujo item da pauta é "Deliberação e votação para utilização do salão de festas para comemoração do Halloween", pois pode ser que ele não utilize o salão de festas, tampouco comemore o dia das bruxas.

Por isso quando esse assunto for discutido numa assembleia espera-se que respeite o calendário de reserva do salão de festas, utilizando-se dias não reservados, além de limitar-se aos enfeites, música, fantasias e coisas do tipo.

Num item de pauta como esse não se espera que seja votada a isenção da cota condominial para a unidade que cederá as fantasias, por exemplo. Primeiro porque a festa é específica dos interessados e a isenção da cota condominial afetará toda a comunidade dos moradores, inclusive a previsão orçamentária, extrapolando o que constou do Edital de Convocação. Segundo porque não constou do Edital de Convocação "Deliberação e votação para isenção de cota condominial no mês de outubro para a unidade que fornecerá as fantasias", o que permitiria que interessados em tratar essa questão comparecessem à assembleia, sendo, portanto, passível de nulidade e de se ter que devolver os valores ao condomínio.

Num caso interessante, que foi analisado pelo Poder Judiciário, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim deliberou sobre uma Assembleia de Condomínio que tratou de assuntos não previstos no Edital de Convocação:

"Agravo de instrumento. Condomínio. Tutela cautelar antecedente. Condomínio misto (residencial e comercial) com sistema “pool” de locações. Assembleia Geral Extraordinária que deliberou pela interdição do Hotel situado no edifício, considerando a falta de manutenções necessárias, renovação do AVCB e débitos. Convocação da assembleia que, no entanto, não especificou na “ordem do dia” os assuntos a serem nela deliberados. Elementos nos autos que evidenciam a probabilidade do direito das autoras. Liminar concedida para suspender os efeitos da deliberação assemblear de interdição do hotel. Agravo provido. in Agravo de Instrumento n.º 2252714-89.2018.8.26.0000, voto n.º 20.187, da 35ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Morais Pucci, julgado em 29/01/2019.

Em seu voto o nobre relator ensinou que:

"A ata da Assembleia Geral Extraordinária realizada no dia 13/06/2018 revela que a assembleia foi convocada para deliberarem sobre os seguintes assuntos: “1) Apresentação da administradora Omissis; 2) Aprovação e Deliberação sobre os próximos passos administrativos; 3) Assuntos gerais de interesse do Condomínio”.

A ata da AGE do dia 13/06/2018, no entanto, revela que o foco da convocação era, no entanto, aprovar a interdição do “hotel”, isso em razão de falta de manutenções obrigatórias, renovação de seguro e auto de vistoria do corpo de bombeiros AVCB, além da existência de débitos imputados.

Observa-se, portanto, que a convocação não especificou suficientemente os temas a serem deliberados, trazendo apenas termos genéricos, situação que por si só invalida as deliberações não mencionadas na convocação, nos termos do art. 31 da convenção do condomínio: “as reuniões ordinárias e extraordinárias dos condôminos serão realizadas mediante convocação por circular assinada pelo síndico e colocadas em local visível por todos e enviada por carta registrada ou protocolada, a cada condômino, e com antecedência mínima de 8 (oito) dias da data fixada para a sua realização e só tratará de assuntos mencionados no edital de convocação, o qual também indicará o dia, hora e o local da reunião”.

E os juristas seguem esse entendimento, como é o caso de J. Nascimento Franco, que é lembrado na decisão acima:

“Para a validade da convocação é essencial que dela conste “ordem do dia” especificando os assuntos a serem submetidos à deliberação” (...) “ordem do dia deve ser enunciada de forma clara para propiciar aos condôminos prévio conhecimento da matéria a ser discutida, a fim de que eles possam optar por não comparecer, se a matéria lhe parecer irrelevante, ou se preparar para discuti-la e votá-la com pleno conhecimento de causa”. (...) “Expressões como 'assuntos gerais de interesse do condomínio' não podem ensejar deliberação sobre questões de maior relevância, como a que gera obrigações para o condomínio, altera a destinação das áreas e coisas de uso comum, modifica cláusulas da convenção, ainda que os comparecentes formem número suficiente para votá-las.” (in “Condomínio”, RT, 5ª ed., 2005, p. 99-102).

Recente situação trazida por um amigo ilustra situação semelhante. O condomínio com poucas unidades em que ele mora continha em um dos itens do Edital de Convocação a "Eleição para o cargo de síndico", motivo pelo qual ele sequer se deu ao trabalho de comparecer à assembleia, preferindo continuar seu trabalho até tarde da noite, pedindo que sua esposa comparecesse. Quando sua esposa lhe contou o que foi deliberado nesse item ele quase teve um infarto.

A assembleia, cujo objetivo era "Eleição para o cargo de síndico" teria eleito a síndica, mas não apenas isso. Também votou (1) a isenção da cota condominial para a síndica; (2) a remuneração da síndica; (3) a acumulação do cargo de síndica com o de zeladora, ou seja, a síndica passaria a ser funcionária do condomínio na qualidade de zeladora, sendo chefe dela mesma...

Particularmente acredito ser razoável que na mesma assembleia em que se escolherá o síndico se delibere sobre a isenção da cota condominial ordinária e a respectiva remuneração do síndico, pois são assuntos que possuem correlação, embora o mais correto e o que minimiza as chances de nulidade desse item na esfera judicial seja mesmo constar expressamente tais questões no Edital de Convocação, com a respectiva clareza, especialmente num condomínio pequeno, com poucas unidades, onde qualquer isenção de cota condominial acompanhada de remuneração da síndica influenciarão diretamente na previsão orçamentária, podendo trazer problemas às contas do condomínio e obrigar a elevação da cota condominial dos demais moradores.

Mas a síndica querer ser chefe dela mesma, acumulando a função de zeladora, além de ser algo totalmente atípico, parecendo mesmo uma aberração que não se pode permitir em hipótese alguma, deveria constar expressamente do Edital de Convocação, e as administradoras de condomínio devem orientar os síndicos sobre essa necessidade, tentando, dentro do possível (pois sabemos que alguns síndicos são de difícil trato), orientar sobre as melhores práticas.

É por isso que quando for confeccionado o Edital de Convocação a administradora do condomínio deve tentar entender o que o síndico pretende levar à votação, conversando e extraindo dele as informações que poderão ser discutidas, até para que seus colaboradores possam se preparar adequadamente e não serem surpreendidos com assuntos que não fizeram parte da 'ordem do dia'.


Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186

É advogado atuando majoritariamente na esfera condominial. Especialista em direito tributário na PUC/SP / Cogeae. Foi Ouvidor da AASP - Associação dos Advogados de São Paulo e foi Relator da 20ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP. Bacharel em Filosofia.

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