terça-feira, 3 de novembro de 2020

Estacionamento de Bicicletas e guarda de objetos nas vagas de garagem do condomínio


Por incrível que pareça ainda há quem acredite que pelo simples fato de ter direito ao uso de uma vaga de garagem no condomínio pode fazer o que bem entender em vista de seu direito de propriedade, mas não é bem assim que funciona, e como já afirmei em outra oportunidade o direito de propriedade não é irrestrito e pode sofrer limitações.

A garagem não é o local para guardar móveis, entulho, materiais ou outros objetos sem relação com o destino conferido ao local para estacionamento de veículos, sejam carros, motocicletas ou bicicletas – dependerá de como foi redigida a convenção de condomínio e o regulamento interno.

Há anos a bicicleta vem cada vez mais se tornando um veículo de transporte que impõe adequações da sociedade civil, seja porque é viável sob a ótica ambiental, seja por que a prática de atividades físicas é estimulada por médicos, ou mesmo porque é um veículo de locomoção prático e que não ocupa muito espaço.

Importante salientar desde logo que o condomínio não é responsável por qualquer furto de bicicletas e/ou objetos na garagem, tampouco de motocicletas, automóveis e objetos deixados dentro deles, porque as convenções de condomínio não preveem reembolso nessas situações, e a jurisprudência majoritária assim também vem entendendo – não tratarei desse aspecto nesse texto.

O primeiro diploma legal em vigor que trata das vagas de garagem é a Lei n.º 4.591, de 16/12/1964, que assim dispõe (os grifos das normas reproduzidas não são do original):

“Art. 2º (...)

§ 1º O direito à guarda de veículos nas garagens ou locais a isso destinados nas edificações ou conjuntos de edificações será tratado como objeto de propriedade exclusiva, com ressalva das restrições que ao mesmo sejam impostas por instrumentos contratuais adequados, e será vinculada à unidade habitacional a que corresponder, no caso de não lhe ser atribuída fração ideal específica de terreno.”

Mais adiante, a mesma lei estipula algumas proibições aos condôminos:

“Art. 10. É defeso a qualquer condômino:

(...)

III - destinar a unidade a utilização diversa de finalidade do prédio, ou usá-la de forma nociva ou perigosa ao sossêgo, à salubridade e à segurança dos demais condôminos;

IV- embaraçar o uso das partes comuns.

§ 1º O transgressor ficará sujeito ao pagamento de multa prevista na convenção ou no regulamento do condomínio, além de ser compelido a desfazer a obra ou abster-se da prática do ato, cabendo, ao síndico, com autorização judicial, mandar desmanchá-Ia, à custa do transgressor, se êste não a desfizer no prazo que lhe fôr estipulado.

Já o Código Civil, assim dispõe quanto aos direitos e obrigações:

“Art. 1.335. São direitos do condômino:

(...)

II - usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores;

(...)”.

 

“Art. 1.336. São deveres do condômino:

(...)

IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

(...)

 

§ 2 o O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembléia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa.”

Normalmente quando trata do assunto as convenções de condomínio ou mesmo os regulamentos internos referem-se aos ‘veículos’ de forma genérica, sem delimitar os carros, motos ou bicicletas, o que acaba gerando interpretações dissonantes e dúvidas, mas que uma análise sistêmica permite concluir sobre como proceder nesses casos, de maneira geral.

A título de exemplo, veja-se o que diz uma determinada convenção de condomínio, em seu artigo 3º:

Parágrafo segundo: As partes comuns que sirvam ao trânsito dos condôminos deverão estar sempre livres e desimpedidas, ficando claro que quaisquer objetos encontrados pela administração, obstruindo a circulação, poderão ser por ela arrancados, ficando seu proprietário obrigado ao reembolso das despesas efetuadas com remoção e armazenamento, e no pagamento da multa prevista no artigo 19º da presente Convenção.”


Artigo 5º: Constituem deveres dos condôminos:

a)  a) Guardar decoro e respeito no uso das coisas e partes comuns, não as usando, nem permitindo que as usem, bem como, as respectivas unidades autônomas, para fins diversos daqueles a que se destinam;

b) b) Não obstruir as passagens, vias de acesso, halls, escadas, elevadores, área de circulação de veículos etc.;”

 

Artigo 20º: O condomínio é dotado de estacionamento coletivo coberto nos subsolos dos edifícios, semi-cobertos sob a projeção destes e em área descoberta, comportando, no total 296 automóveis de passeio de porte médio, padrão nacional, em vagas numeradas e demarcadas no solo, apenas par e tão somente para locação da capacidade física do piso; correspondendo a cada apartamento, o direito ao uso de uma vaga indeterminada, com auxílio de manobrista.

Parágrafo primeiro: As vagas não poderão ser cedidas ou locadas, sob qualquer hipótese, à pessoas estranhas ao condomínio, ou seja, não proprietários de unidade residencial, e destinam-se, unicamente, à guarda de veículos.”

(...)

“Parágrafo terceiro: A movimentação dos veículos nas áreas condominiais, deverá obedecer velocidade máxima compatível com os locais dessa natureza, ou seja 10km/hora.”


Já o regulamento interno, assim dispõe:


“Art. 17- O Condômino ou morador não poderá ocupar mais do que as vagas que couberem ao apartamento por direito de escritura, perdendo o direito ao estacionamento quando transferir ou alugar a sua vaga. Os usuários se obrigam a estacionar seu veículo rigorosamente o espaço demarcado da vaga respectiva, com as portas fechadas, desligado, freado e com o CARTÃO DE ESTACIONAMENTO em local visível.”

 

“Art. 18- Será permitida a locação de vagas pelos Condôminos entre si e a cessão provisória para visitantes, desde que a vaga esteja vazia, porém devendo o CARTÃO DE ESTACIONAMENTO permanecer no veículo. É proibida a locação da vaga a pessoa estranha ao Condomínio.”

 

“Art. 19 – Não será admitido o uso da vaga para depósitos de móveis ou objetos de qualquer natureza.

Parágrafo Único – É expressamente proibido estacionar os veículos ou motos em qualquer lugar de passagem nas garagens.”

Assim, no caso desse condomínio parece claro que os moradores deliberaram proibir expressamente o depósito de móveis ou objetos, bem como compreenderam que as motos são ‘veículos’.

Mais adiante, assim estipula o regulamento interno:

“Art. 25 – As vagas de estacionamentos destinam-se exclusivamente ao estacionamento de automóvel de passageiro, peruas ou utilitários e motos, desde que não excedam o tamanho de cada vaga.”


A redação das normas acima mencionadas, portanto, deixa dúvidas sobre a possibilidade ou não de estacionamento de bicicletas nas garagens do condomínio, mas parece-nos algo de fácil compreensão se a interpretação das normas, como dito, for realizada de forma sistêmica.

Perceba-se, em primeiro lugar, que não há menção expressa à proibição de estacionamento de bicicletas.

Em segundo lugar, note-se que a convenção de condomínio, que se sobrepõe ao regulamento interno, não faz as restrições específicas deste último quanto a ‘automóvel de passageiros’, pois limita-se a informar que a garagem comporta 296 automóveis de passeio de porte médio, indicando aqui mais o tamanho da vaga, do que que tipo de veículo que nela será estacionado.

Há ainda um terceiro fator que é importante quando se analisa essas questões, porque os costumes também são considerados pela jurisprudência, e se há anos os moradores utilizam a garagem para também estacionar suas bicicletas, há de se tomar cuidado com decisões abruptas com o intuito de proibição.

É porque isso acaba gerando o que no direito é chamado de “teoria da supressio”, segundo o qual situações que se acomodam e se consolidam com o decorrer do tempo são aceitas tacitamente pelos condôminos, especialmente quando não geram qualquer prejuízo a terceiros, tampouco ao próprio condomínio.

É assim que, se hoje no condomínio as bicicletas são estacionadas junto com os veículos, nas delimitações da vaga de cada unidade, sabendo os moradores da inexistência de responsabilidade do condomínio por furtos que eventualmente possam ocorrer, seria temerário qualquer proibição.

Outra questão que deve ser considerada no presente caso é se o condomínio não possui espaço específico para a guarda das bicicletas e o assunto não foi objeto de deliberação em assembleia especificamente convocada com tal finalidade, nem autorizando, tampouco proibindo.

Mas, afinal, bicicletas são veículos!?

Para responder tal pergunta temos que nos socorrer da Lei n.º 9.503, de 23 de setembro de 1997, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, e que em seu artigo 96, classifica a bicicleta como veículo de passageiros, no inciso II, alínea ‘a’, item 1.

Por isso que em situações como essa o Poder Judiciário tende a agir com razoabilidade, como se percebe do julgado abaixo, na Apelação n.º 2045077-71.2018.8.26.0000, Relator Desembargador Gomes Varjão, da 34ª Câmara de Direito Privado do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgado em 22/05/2018:

“Multa condominial. Ação declaratória de inexigibilidade de débito cumulada com obrigação de fazer. Hipótese em que o Regimento Interno do condomínio permite apenas que uma motocicleta e um carro de passeio sejam acomodados na mesma vaga de garagem, bem como prevê que, para o alojamento de bicicletas, o condomínio disponibilizará um local determinado. Considerando que o bicicletário ainda está sendo construído e que uma bicicleta possui medida menor do que a de uma motocicleta, razoável, nesta oportunidade, autorizar a agravante a guardar a sua bicicleta junto com o seu veículo de passeio na vaga de garagem, desde que não seja ultrapassada a demarcação. A discussão judicial da multa, fundada em argumentos consistentes, é hábil a suspender a sua exigibilidade, desde que o valor do débito atualizado seja depositado em juízo. Recurso parcialmente provido.”

Ou ainda esse caso, proveniente da Comarca de São Bernardo do Campo:

“Apelação – Ação declaratória – Condomínio edilício – Penalidade – Descabimento – Ausência de infração às normas condominiais – Embora a Convenção Condominial e seu Regimento Interno estabeleçam que as vagas de garagem se destinam exclusivamente a veículos automotores, a guarda de um reboque não implica infração a seus termos – Conquanto, com efeito, não configure propriamente um veículo automotor em razão da ausência de propulsão própria, é certo que este traduz um acessório àquele, tanto que, necessariamente, deve ser registrado, licenciado e emplacado pelo Órgão de Trânsito competente – Ausência de efetivo prejuízo ao Condomínio – Descabimento da alegação de nulidade parcial da r. sentença proferida - Ainda que silente a inicial, insta esclarecer que a condenação da parte sucumbente ao pagamento das custas e despesas processuais e de honorários advocatícios traduz ônus que decorre da norma processual (artigo 20, do Código de Processo Civil), e que, portanto, dispensa seu expresso peticionamento – Recurso a que se nega provimento.”in Apelação n.º 0005565-53.2010.8.26.0564, Rel. Des. Mauro Conti Machado, 13ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, julgado em 27/07/2015.

E mesmo no caso do acesso do portão da garagem pelas bicicletas, assim já se manifestou o E. TJSP:

APELAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. DANOS MORAIS. Proibição de acesso ao condomínio pela portaria de veículos por condômino em posse de carrinho de sorvete ou de bicicleta. Portaria que seria destinada somente a veículos automotores. Ausência de vedação expressa pelo regulamento interno do condomínio. Bicicleta e carrinho de sorvete que abrangem o conceito de veículo. Impossibilidade de distinção. Afastado o risco à segurança do autor. Dispositivo remoto de acesso fornecido para uso dos condôminos. Aplicação do art. 252 do RITJSP – NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.” In Apelação n.º 1005123-87.2016.8.26.0361, Rel. Des. Alexandre Coelho, 8ª Câmara de Direito Privado do E. TJSP, julgado em 14/05/2017.

E por outro lado, as multas aplicadas pelo condomínio nessas circunstâncias tendem a ser mantidas:

“Condomínio. Indenização por danos morais e declaração de inexigibilidade de multa pelo descumprimento das normas internas. Enviada notificação prévia. Desatendimento. Conjunto probatório incapaz de demonstrar a irregularidade da penalidade. Danos morais. Não constatação. Recurso desprovido.”in Apelação n.º 0048651-12.2012.8.26.0562, Des.Rel. Milton Carvalho, 36ª Câmara de Direito Privado, julgado em 28/01/2016

Então como se percebe, na ausência de expressa proibição na convenção de condomínio e no regulamento interno de guarda de bicicletas na garagem, aliado ao fato de que há anos isso é uma prática comum dos moradores, a alteração abrupta de tal procedimento sem qualquer justificativa minimamente plausível poderia gerar transtornos desnecessários, além de deixar o condomínio suscetível a responder judicialmente.

Outro assunto que também costuma ser perguntado por síndicos refere-se a reservar um espaço do condomínio próprio para a guarda de bicicletas, e se seria necessário cuidados especiais, como o quórum qualificado ou autorização de assembleia. Normalmente eu tenderia a orientar nesse sentido, mas há entendimentos jurisprudenciais segundo o qual se o ‘espaço’ não afetar outros moradores e tiver um baixo custo, pode ser levado adiante pelo síndico, por não trazer qualquer tipo de prejuízo:

“Demolitória. Condomínio edilício. Implantação de bicicletário em área comum. Ausência de ilegalidade, uma vez que não destinado especificamente a este ou aquele condômino. Convenção condominial que dispensa de autorização assemblear para obra de baixo custo. Sentença de improcedência mantida. Recurso não provido.” In Apelação n.º 0136269-71.2008.8.26.0000, Rel. Des. João Pazine Neto, 3ª Câmara de Direito Privado do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgado em 25/09/2012.

E ainda:

“Civil. Condomínio. Ação obrigação de fazer consistente no desfazimento de bicicletário. Sentença de improcedência. Bicicletário que não demandou custo extra e nem mesmo acréscimo de grande monta ao local onde instalado, o que possibilita a pequena reforma sem prévia convocação de assembleia geral. Ausência de proibição expressa na convenção e no regulamento interno do condomínio acerca da construção de depósito para bicicletas. Prova pericial técnica que comprova a ausência de risco a estrutura do prédio e aos condôminos (em decorrência da proximidade com o depósito de gás) e também que garante haver acesso ao bicicletário por porta externa e exclusiva. RECURSO DESPROVIDO.” In Apelação n.º 1017048-43.2017.8.26.0071, Rel. Des. Mourão Neto, 27ª Câmara de Direito Privado do E. TJSP, julgado e 23/11/2018.

Por fim, caso haja muitas dúvidas sobre os assuntos ou mesmo necessidade de alguma regulamentação, o mais recomendável é discutir isso em assembleia própria, alterando o regulamento interno, que numa assembleia geral extraordinária pode ser alterado por maioria simples dos presentes, desde que convocado através do respectivo edital com pauta específica e clara sobre os assuntos a serem deliberados.

Conclusão

Assim, s.m.j., entendemos que a (i) guarda/estacionamento de bicicletas nas vagas de garagem não deve ser proibida, desde que se ocupe o espaço destinado a um veículo de passeio da vaga demarcada e não haja expressa proibição na convenção de condomínio e no regulamento interno; a (ii) guarda de objetos na garagem devem permanecer proibidos, mas antes de aplicar multas a unidade deve ser notificada/advertida para cumprir as regras internas e desocupar a vaga; a (iii) saída de bicicletas da garagem do condomínio deve ser permitida se não houver deliberação própria para bicicletas ou saída especial; e (iv) é possível estudar e construir um bicicletário, mas desde que não tenha custos altos e não obste o uso das áreas comuns, inclusive de vagas de garagens contíguas usadas por outros moradores; mas o mais recomendável é sempre buscar a aprovação da assembleia.

 

Joel dos Santos Leitão

OAB/SP nº. 173.186

 

É advogado atuando majoritariamente na esfera condominial. Especialista em direito tributário na PUC/SP - Cogeae. Foi Ouvidor da AASP - Associação dos Advogados de São Paulo e Relator da 20ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP. Bacharel em Filosofia.

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

"O protesto das cotas condominiais"

São Paulo, 05 de outubro de 2.020.

O objetivo desse texto é desencorajar condomínios a levar a protesto as cotas condominiais de moradores inadimplentes, seja porque o condomínio pode até ser condenado a indenização por dano moral, seja porque com o novo Código de Processo Civil e a possibilidade de entrar diretamente com uma ação de Execução para cobrar a dívida, o nome do devedor já estará automaticamente ‘negativado’ ou com restrição.

O que temos hoje é que indignados com a inadimplência e muitas vezes com um orçamento muito limitado, quase mal conseguindo pagar a folha salarial, alguns síndicos buscam diversas formas de tentar receber o que poderia ajudar a pagar as despesas ordinárias, sem ter que convocar assembleia extraordinária para aprovar um novo rateio – que normalmente conta com a resistência de boa parcela dos condôminos.

Alguns síndicos, movidos pela raiva de ver o inadimplente com o carro do ano na garagem, fazendo viagens internacionais e ostentando sinais de riqueza nas redes sociais, enquanto deve vários meses de cota condominial, chegam até a pensar naquele modelo antigo, em que se estacionava um carro de som na porta do devedor com o objetivo de constrangê-lo, mas que também acarretava indenização por dano moral ao condomínio, o que evidentemente não se recomenda.

Daí que ao ter conhecimento (de forma equivocada) sobre a possibilidade de protestar as dívidas condominiais, pois seria uma forma de ‘não deixar barato’, causando algum tipo de constrangimento ao devedor quando ele tentar obter um empréstimo ou até mesmo parcelar uma compra, quem sabe até obrigando-o a negociar a dívida condominial para se safar da restrição, não pensam duas vezes e levam adiante o protesto sem estudar as consequências.

Já até vi algumas administradoras incentivarem essa prática e há advogados que também dizem que isso é possível, mas vou procurar demonstrar a seguir que além de não ter qualquer efeito prático para trazer dinheiro ao condomínio, senão servir como mero instrumento de pressão – quando muito, o devedor pode até dar uma ‘invertida’ na situação e o condomínio ser condenado a indenizá-lo por danos morais.

Evidentemente que o condomínio gostaria de protestar as cotas condominiais, pedir a apreensão do passaporte, da carteira nacional de habilitação – CNH, do cartão de crédito, que são novidades interpretativas em decorrência do novo Código de Processo Civil, mas que vem encontrando muita resistência na jurisprudência.

No Estado de São Paulo até houve uma Lei, de n.º 13.160/2008, que alterando a Lei nº 11.331/2002, que dispõe sobre os emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registros, permitia que o crédito de condomínio fosse levado a protesto – daí algumas administradoras acreditarem que é possível protestar dívidas condominiais.

Porém, ela foi julgada inconstitucional (Arguição de Inconstitucionalidade, Processo n.º 990.10.209782-0 – 0209782-04.2010.8.26.0000, Rel. Des. José Roberto Bedran, Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgado em 14/10/2010, e transitada em julgado em 14/09/2011):

 

“1. Julgada procedente ação declaratória de nulidade de protesto de contrato de locação e recibo de aluguel, a Colenda 36ª Câmara de Direito Privado suspendeu o julgamento da apelação interposta e, reconhecendo a inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 13.160, de 21 de julho de 2008, ao fundamento de violação do pacto federativo, por ingerência do Estado em assuntos de competência legislativa exclusiva da União, submetendo a matéria ao Órgão Especial, nos termos do art. 481, do CPC, art. 97, da CF e da Súmula Vinculante nº 10, do STF, com a seguinte ementa:

 

“Locação de imóveis. Ação declaratória de nulidade de título. Protesto de contrato de locação acompanhado de recibo de aluguel. Instauração de incidente de inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 13.160/08. Violação ao artigo 22, incisos I e XXV, da CF. Remessa dos autos ao Órgão Especial” (fls. 121).

E assim a jurisprudência passou a analisar o tema em que condomínios protestam dívidas condominiais:

 

“Apelação. Dívida condominial. Protesto indevido, vez que realizado após o reconhecimento da inconstitucionalidade, pelo Órgão Especial do TJSP, da Lei nº 13.160/2008. Decisão que tem por escopo orientar o entendimento judicial de primeiro e segundo grau. Inocorrência, porém, dessa mesma declaração pelo E. STF. Inadimplemento incontroverso. Cancelamento do protesto que compete ao devedor. Tese firmada no julgamento do Recurso Especial 1339436/SP representativo de controvérsia. Subsistência, porém, da anotação depois de quitado o débito, por culpa do credor, ante a ausência de fornecimento da carta de anuência. Dano moral configurado. Recurso parcialmente provido.” (in Apelação n.º 1028113-48.2017.8.26.0002, Voto 23.913, Des. Rel. Walter Cesar Exner, 36ª Câmara de Direito Privado, E.TJSP, julgado em 23/08/2018).

E ainda: 

“Com efeito, o reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Paulista nº 13.160/08 pelo C. Órgão Especial deste Eg. Tribunal, nos autos da Arguição de Inconstitucionalidade nº 0209782-04.2010.8.26.0000, não tem o condão de extirpar do ordenamento jurídico aquela lei, mas tão somente orientar o entendimento das Câmaras e Juízos monocráticos hierarquicamente a ele subordinados.

Assim, mesmo que transitada em julgado a decisão proferida pelo Órgão Especial deste E. Tribunal, forçoso concluir que o apontamento e protesto lavrado por iniciativa do réu em 20.03.2012, ainda estava amparado pela Lei Paulista nº 13.160/08, à mingua de declaração de inconstitucionalidade da Lei Paulista nº 13.160/08 pela Suprema Corte. Portanto, em atenção ao entendimento do C. Órgão Especial desta Corte, forçoso concluir que o protesto, de fato, foi indevido, porém, não há como dizer que a conduta do condomínio foi abusiva, já que amparada em lei vigente e motivado por inadimplemento incontroverso. Logo, não haveria que se cogitar, a rigor, na espécie, de dano moral.” (Apelação nº 0001551-40.2013.8.26.0, Rel. Des. Neto Barbosa Ferreira, julgado em 04.05.2016).

Portanto, diante da dívida condominial não se recomenda utilizar o mecanismo do protesto porque não há até a presente data fundamento legal que legitime essa possibilidade, sem contar que os custos que algumas empresas cobram para fazer tal serviço chega a ser exorbitante.

Além disso o condomínio pode ser condenado a indenizar o devedor em danos morais, e na prática não há qualquer efeito prático com o protesto, porque isso não é pressuposto de que a dívida será paga. O mais correto, não havendo sucesso em eventual negociação, é mesmo cobrar através de uma ação de execução. 

Joel dos Santos Leitão

OAB/SP nº. 173.186

É advogado atuando majoritariamente na esfera condominial. Especialista em direito tributário na PUC/SP - Cogeae. Foi Ouvidor da AASP - Associação dos Advogados de São Paulo e Relator da 20ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP. Bacharel em Filosofia.

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