Sorteio de Vagas de Garagem
O condomínio é obrigado a
reservar vagas para pessoas com necessidades especiais?
Em caso afirmativo, quantas
vagas?
São Paulo, 10 de maio de 2.024.
Assunto
recorrente, de um lado temos:
(i)
moradores que possuem
dificuldades severas e especiais de locomoção, com dificuldade
para sair e entrar em seus veículos, além de dificuldade de se locomover
em quaisquer distâncias, como cadeirantes, pessoas com muletas, balões de
oxigênio, etc.;
(ii)
de outro lado pessoas
que também possuem necessidades especiais, inclusive portando cartões de
acessibilidade de órgãos públicos como o DeFis, mas que, embora com dificuldades,
conseguem se locomover melhor em relação aos anteriores;
(iii) e por fim os demais moradores, que se solidarizem com todos
eles, pois também podem futuramente necessitar de uma vaga especial, mas que
diante do crescente número de portadores de necessidades especiais, entendem
que alguns critérios deveriam ser estipulados.
E as dúvidas são
as mais variadas possíveis, sempre considerando também o fato de que muitos
condomínios são antigos, construídos quando sequer existiam leis sobre
acessibilidade, o que faz questionar a retroatividade das novas leis sobre
eles.
Uma resposta rápida
É sobre essa
celeuma toda que pretendemos tratar a seguir, sendo importante desde já
esclarecer que não existe uma lei específica impondo aos condomínios
residenciais privados qualquer percentual, o que, por outro lado, não significa
que eles estão liberados dessa responsabilidade, fato que será melhor abordado
no texto abaixo.
Aos apressados e
que não estão dispostos a ler o texto completo, que realmente é longo, desde já
esclareço que após fazer uma análise sistêmica de toda a legislação existente e
da jurisprudência aplicável, nos parece razoável considerar no sorteio de vagas
de garagem a reserva de um mínimo de 2% de vagas para pessoas que possuem
necessidades especiais.
E por conta da
impossibilidade de o síndico discernir tecnicamente sobre quem teria direito a
tais vagas, normalmente se utiliza o Cartão DeFis para Vagas de Estacionamento
para Pessoas com Deficiência com comprometimento de mobilidade. Mas, afinal, o
que é o Cartão DeFis?
O Cartão DeFis
A Prefeitura do
Município de São Paulo, através deste link, dá explicações
sobre quem e como as pessoas podem obter o Cartão DeFis, respondendo diversas
dúvidas da população.
Como as Leis
utilizadas para embasar esse direito são federais, as regras gerais de
acessibilidade servem para todos os demais municípios também, que podem ter
procedimentos diferentes, mas com os mesmos critérios, ou seja, é sugerido que
também os condomínios reservem 2% de vagas aos condôminos com necessidades
especiais.
A seguir são
reproduzidas as regras e procedimentos que constam no site da Prefeitura de São
Paulo, para que aqueles que não a conhecem possam ter uma noção sobre os
critérios que são utilizados:
O
que é Cartão para vagas de estacionamento para pessoa com deficiência com
comprometimento de mobilidade?
É uma
autorização especial para o estacionamento de veículos em todas as áreas de
estacionamento aberto ao público, de uso público ou privado de uso coletivo e
em vias públicas, próximas aos acessos de circulação de pedestres, devidamente
sinalizadas, para veículos que transportem pessoa com deficiência com
comprometimento de mobilidade, desde que devidamente
identificados; conforme Capítulo X, artigo 47, da Lei Federal 13.146/15 –
Estatuto da Pessoa com deficiência; Lei Federal 13.281 de 04/05/2016, art. 24,
inciso VI, que altera a Lei Federal 9.503 de 23/09/97 (Código de Trânsito
Brasileiro); Lei 12.764 e Portarias DSV.GAB 66/17 e DSV.GAB 64/19.
Obs.: Nas vagas
especiais, em áreas de estacionamento rotativo pago Zona Azul, no município de
São Paulo, além do Cartão DeFis, o usuário deverá utilizar também o Cartão Azul
Digital-CAD.
Quem
tem direito ao Cartão para Vagas de Estacionamento para pessoa com deficiência
com comprometimento de mobilidade?
A Companhia de
Engenharia de Tráfego – CET emite o Cartão DeFis para as pessoas que residem no
Município de São Paulo e que tenham:
· deficiência física ambulatória no(s) membro(s)
inferior(es) ou;
·
deficiência
física ambulatória autônoma decorrente de incapacidade mental moderada, grave
ou severa; (quando a pessoa com deficiência não pode assinar, há a necessidade
de apresentação de documento de representação legal como Tutela ou Curatela)
ou;
· mobilidade reduzida temporária, com alto grau de
comprometimento ambulatório, inclusive as com deficiência de deambulação
temporária mediante solicitação médica ou; deficiência visual conforme Decreto
5.296/04.
Quais
documentos são necessários para obter o Cartão para Vagas de Estacionamento
para pessoa com deficiência com comprometimento de mobilidade?
· Atestado Médico referente à deficiência permanente ou
temporária com redução efetiva da mobilidade por período de no mínimo 3 (três)
meses, emitido, no máximo, há 03 (três) meses (no site há link para o modelo).
·
Documento de
identidade oficial com foto e assinatura da pessoa com deficiência com
comprometimento de mobilidade;
·
Cadastro de
Pessoa Física – CPF da pessoa com deficiência, se o número não estiver no
documento de identidade;
·
Cópia simples da
Carteira Nacional de Habilitação – CNH do beneficiário, quando legalmente
emitida com as observações e/ou restrições previstas na Resolução DETRAN n.º
080/98;
· Comprovante de residência atual no nome do requerente
comprovando a residência no município de São Paulo.
Obs.: São
aceitos como Comprovante de Residência, além das contas de luz, de água, de
telefone e de gás, as correspondências de bancos, de cartões de crédito, de
planos de saúde, de condomínio, de multas de trânsito. O IPTU só é aceito
quando emitido no máximo no mês anterior ao pedido.
Obs.: Se o (a)
requerente não possuir nenhuma correspondência em seu nome, pode apresentar um
Comprovante de Residência em nome do cônjuge juntamente com a cópia simples da
Certidão de Casamento;
· Quando for o caso de deficiência intelectual ou de
representação legal, documento que comprove esta representação legal do
requerente como procuração, tutela ou curatela.
Como
realizar a solicitação do Cartão para Vagas de Estacionamento para pessoa com
deficiência com comprometimento de mobilidade?
Você pode
solicitar o Cartão sem sair de casa!
A solicitação do
Cartão Defis pode ser feita por meio do Portal SP156.
Nota 1: O
interessado deverá efetuar o login ou se cadastrar no Portal SP156.
Nota 2: O cartão
deverá ser impresso em folha branca “A 4”, devendo ser dobrado no tracejado de
forma que as regras de utilização fiquem no verso da credencial, podendo ser
plastificada para durabilidade.
Como
solicitar renovação do Cartão para Vagas de Estacionamento para pessoa com
deficiência com comprometimento de mobilidade?
A renovação do
cartão trata-se de uma nova solicitação que pode ser feita em até 60 dias
anteriores à data de vencimento, por meio do Portal SP 156.
Como
obter a 2ª via do Cartão para Vagas de Estacionamento para pessoa com
deficiência com comprometimento de mobilidade?
O cartão está
disponível para impressão a qualquer momento por meio do Portal SP 156.
Nota 1: O
interessado deverá efetuar o login ou se cadastrar no Portal 156.
Nota 2: O cartão
deverá ser impresso em folha branca A 4, devendo ser dobrado no tracejado de
forma que as regras de utilização fiquem no verso da credencial, podendo ser
plastificada para durabilidade.
Onde
é realizado o atendimento?
A solicitação de
autorização especial é realizada por meio do Portal SP 156.
Após o
deferimento, a impressão da autorização especial é realizada por meio do Portal
SP156.
Também é
possível solicitar a autorização presencialmente, mediante agendamento prévio,
em uma unidade do Descomplica.
O agendamento é
realizado por meio do telefone 156 ou link: https://agendadesc.prefeitura.sp.gov.br/
Qual
o prazo para obter o resultado da análise da solicitação?
O prazo é de 15
dias.
Qual
a validade do Cartão Vagas de Estacionamento para pessoa com deficiência com
comprometimento de mobilidade?
A validade do
Cartão para Vagas de Estacionamento para pessoa com deficiência com
comprometimento de mobilidade é variável dependendo de a deficiência ser
temporária ou permanente, variando de 3 meses até 5 anos.
Qual
a legislação que regulamenta a emissão do Cartão para Vagas de Estacionamento
para pessoa com deficiência com comprometimento de mobilidade?
A emissão do
Cartão para Vagas de Estacionamento para pessoa com deficiência com
comprometimento de mobilidade é regulamentado pelas Leis Federais LEI
Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015, LEI
Nº 13.281, DE 4 DE MAIO DE 2016 e Portaria
DSV.GAB 64/19
Quais
as regras de utilização do Cartão para Vagas de Estacionamento para pessoa com
deficiência com comprometimento de mobilidade?
Além das regras
de trânsito vigentes e daquelas estabelecidas pela sinalização local, deverão
ser respeitadas rigorosamente as “Regras de Utilização” contidas no verso do
Cartão.
Deverá ser
utilizado nas vagas sinalizadas com o símbolo internacional de acesso para
pessoas com deficiência de mobilidade. Contudo, cada município é responsável
pela emissão do cartão para o seu morador.
Feitos os
esclarecimentos acima sobre o Cartão DeFis, entendo que os condomínios devem
seguir esses critérios para que pessoas com necessidades especiais possam
concorrer ao percentual de 2% (dois por cento) de vagas no sorteio de vagas,
possibilitando que quem tem o cartão escolha as vagas em primeiro lugar.
Por outro lado,
mesmo dentre os portadores de necessidades especiais, os cadeirantes, pessoas
com muletas, uso de balão de oxigênio, dentre outras dificuldades que são
evidentes a olhos nus, devem ter prioridade também.
A dificuldade de Locomoção de um condômino pode ser maior que a de outro?
Mesmo dentre as
pessoas que possuem algum grau de dificuldade de locomoção, todavia, o
condomínio pode escolher algumas para que tenham prioridade sobre as outras?
Por exemplo, o
jovem atleta que torceu o pé e possui o Cartão DeFis provisório por 3 (três)
meses, ou mesmo uma mulher que anda com dificuldade por problemas crônicos, mas
sem qualquer auxílio de muleta, e conseguem se locomover com tranquilidade com
o apoio de uma bengala, podem ser preteridos por uma senhora idosa que utiliza
andador?
O condomínio é
obrigado a fornecer vagas indiscriminadamente para todos aqueles que possuem o
Cartão DeFis? Quem pode ajudar a responder essas dúvidas é um excelente julgado
do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de lavra da Relatora
Desembargadora Dra. Maria de Lourdes Lopez Gil.
Com muito discernimento
a Desembargadora julgou improcedente uma ação de uma condômina portadora do
Cartão DeFis contra os critérios estabelecidos pelo condomínio, onde ela foi
preterida na escolha de vagas, porque havia pessoas em situação mais delicadas
do que ela. Assim julgou a apelação n.º 1014120-87.2021.8.26.0004, na
26ª Câmara de Direito Privado, em 26/10/2023:
“CONDOMÍNIO
EDILÍCIO. Ação de nulidade de Assembleia c/c indenização por danos morais.
Sentença de improcedência. Insurgência da autora. Alegação de nulidade de
Assembleia condominial que restringiu o sorteio de vagas amplas e próximas aos
elevadores para moradores cadeirantes e que façam uso de cilindro de oxigênio.
Condomínio que destina vagas para portadores de necessidades especiais por
analogia à legislação destinada a prédios públicos. Modificação do critério que
se justifica em razão do aumento de moradores com necessidades especiais. Ausência
de comportamento discriminatório ou ilicitude por parte da massa condominial em
razão da existência de moradores com limitações maiores que a autora que se
sobrepõe à dificuldade de mobilidade desta que sequer é visível a olhos leigos.
Princípio da isonomia que estabelece igualdade substancial, de modo que os
desiguais devem ser tratados na medida de suas desigualdades. Precedente
julgado pela 30ª Câmara de Direito Privado, em ação promovida por outra
condômina, que manteve o critério adotado na Assembleia. Sentença mantida.
Recurso desprovido.” – sem
grifos no original.
No seu voto, a Dra.
Maria de Lourdes Lopez Gil nos traz argumentos bem esclarecedores (os
grifos são todos nossos):
“Narra
a autora que apresenta dor crônica no tornozelo esquerdo e limitação de
mobilidade em caráter irreversível, em decorrência de acidente sofrido, de modo
que é legalmente qualificada como PCD, fazendo jus ao uso de cartão DEFIS.
Pelo
presente feito, sustenta a nulidade da Assembleia condominial realizada no dia
31.08.2021 que restringiu os futuros sorteios das vagas especiais de garagem.
Por
primeiro, vale ressaltar que inexiste norma legal específica que obrigue os condomínios
residenciais a reservarem vagas para portadores de necessidades especiais, de
modo que, por analogia, aplicam-se as disposições destinadas aos prédios
públicos: Lei n.º 10.048/2000; Lei n.º 10.098/2000 e Lei n.º 13.146/15.
Como
já decidido:
“APELAÇÃO.
Cerceamento de defesa não caracterizado. Vaga de garagem em condomínio privado.
Reserva para uso por pessoa com deficiência. Possibilidade. Aplicação por
analogia do artigo 25 do Decreto Lei n. 5.296/2004 e do artigo 47, §1º do
Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/2015). Precedentes. Sentença
mantida. Recurso não provido.” (Apel n.º 1013641-82.2021.8.26.0008 – 35ª Câmara
de Dir. Privado – Rel. Des. Gilson Delgado Miranda – j. 16.05.2023).”
No
presente feito, como bem delimitado pelo Magistrado a quo, é inconteste que o
Condomínio-réu, ainda que constituído antes da Lei n.º 13.146/2015, reserva
vagas de garagem para portadores de deficiência física, sendo o ponto
controvertido o item 5 da Assembleia realizada em 31.08.21, quanto ao direito
delimitação do uso das referidas vagas para moradores cadeirantes e aqueles que
façam uso de cilindro de oxigênio.
Ou
seja, foram estabelecidos critérios mais restritivos em razão do aumento do
número de moradores com necessidades, não bastando apenas a apresentação de CNH
especial.
Além
dos fundamentos adotados pelo Magistrado na origem, infere-se que em 30.06.2023,
a 30ª Câmara de Direito Privado, em voto de Relatoria do E. Des. Neto Barbosa
Ferreira, julgou o recurso de apelação n.º 1012707-39.2021.8.26.0004 que se
refere a ação interposta por outra condômina que também se insurge contra deliberação
da Assembleia de 31.08.2021, concluindo que não houve comportamento
discriminatório ou ilicitude por parte da massa condominial ao destinar as
vagas para moradores com limitações ainda maiores que a apelante.
Como
constou:
“O
edital de convocação, assim como a AGE realizada em 05/10/2021, apenas
cumpriram o que já haviam sido previamente deliberado pela maioria dos
condôminos em assembleia anterior, qual seja, a AGO ocorrida em 31/08/2021. Outrossim,
a deliberação ocorrida na AGO de 31/08/2024 não padece de ilicitude e
irregularidade em relação à delimitação ao sorteio das vagas especiais e mais
largas apenas para certa categoria de deficientes e/ou de pessoas com
mobilidade reduzida, dadas as peculiaridades do caso concreto. Não se
olvida, em absoluto, que a autora, ora apelante, é portadora de mobilidade
reduzida, decorrente de sequela permanente causada por AVC. Aliás, a própria
apelante assevera que faz uso de bengala. Nada alega, todavia, que faça uso de
andador ou muleta, que requerem, evidentemente, maior espaçamento para
deambulação. Existência de outros moradores com limitações ainda maiores
que as da apelante. Condomínio apelado não possui todas as vagas especiais e
mais amplas de modo a atender, indiscriminadamente, todos os moradores
deficientes e/ou com mobilidade reduzida do Condomínio. A apelante não
negou que as vagas sorteadas tenham sido, de fato, destinadas aos moradores
cadeirantes e/ou consumidores de balão de oxigênio. Com efeito, apesar de
incontroversa a limitação motora da apelante, fato é que o mal da qual é
acometida, ao que se tem nos autos, não exige maior espaçamento para deambular
em torno da vaga e/ou do carro tal como necessitam aquelas pessoas que gozam de
deficiência ou mobilidade reduzida, que precisam de equipamentos de locomoção
e/ou subsistência, como é o caso dos cadeirantes e consumidores de balão de
oxigênio. Com efeito, o princípio da isonomia exige efetivamente tratamento
igual aos iguais e desigual aos desiguais, na exata medida da desigualdade.
Condomínio apelado esclareceu que é composto por 392 unidades e que poderia
atender, no máximo, 08 apartamentos. A apelante, por sua vez, informou que o
Condomínio apelado não precisa criar vagas extras. Considerando, pois, o
disposto no art. 47, §1º, da Lei n.º 13.146/2015 e, derradeiramente, a
disponibilidade da quantidade de vagas mínimas reservadas aos portadores de
necessidades especiais pelo condomínio-réu (2%), não há como impor ao apelado a
criação de novas vagas extras para o fim de atender às necessidades da autora,
ora apelante, mesmo porque a pretensão deduzida na inicial, não contemplou o
pedido de adaptação e/ou realização de obras no condomínio para tais fins.
Destarte, não se vislumbra comportamento discriminatório e/ou ilicitude
perpetrada pelo Condomínio apelado em relação ao edital de convocação da AGE de
05/10/2021 e tampouco no que diz respeito às deliberações havidas no tocante ao
sorteio e destinação das vagas especiais e mais amplas existentes na garagem do
condomínio. Logo, não há que se cogitar de indenização por danos morais.”
É de
relevo a análise do princípio da isonomia, constitucionalmente preconizado no
art. 5º, de acordo com a semântica já esmiuçada por Ruy Barbosa e adotada pelo
Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua obra “O Conteúdo Jurídico do Princípio
da Igualdade”, conclui-se que igualdade não é simplesmente tratar as pessoas e
situações de modo equivalente, o que seria o critério formal. No entanto, estes
não atingem os fatos sociais e não transforma a realidade. A igualdade é aquele
substancial ou material, ou seja, tratar desigualmente os desiguais, na medida
de suas desigualdades.
No
caso concreto houve um aumento, dentro da massa condominial, de moradores que
possuem necessidades especiais e que devem ser priorizadas com vagas de garagem
localizadas próximo aos elevadores.
No
entanto, há outros moradores com necessidades ainda mais especiais que a
autora, ou seja, cadeirantes e aqueles que fazem uso de cilindro de oxigênio,
que à evidência, se sobrepõe às dificuldades de mobilidade da autora que sequer
são visíveis a olhos leigos como apontado por seu próprio cônjuge (fls. 68).”
O que se vem percebendo,
portanto, é que com o aumento de pessoas que possuem necessidades especiais,
todas elas obtendo o Cartão DeFis para obterem privilégios no estacionamento de
logradouros públicos, os condomínios, que utilizam as regras de reservas de
vagas apenas por analogia, já que não existe lei específica, passaram a tomar
algumas medidas para favorecer aqueles que dentro desse universo são ainda mais
necessitados.
É o que também
se percebe do julgado a seguir reproduzido, onde o condomínio foi ainda mais
específico na restrição àqueles que devem ter direito às vagas prioritárias, na
apelação n.º 1012593-69.2022.8.26.0003, da 29ª Câmara de Direito Privado do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgado em 31/08/2023 pelo Des.
Relator Dr. Mário Daccache:
“Condomínio
edilício – Sorteio de vagas de garagem – Ação declaratória de nulidade de
alteração de regimento interno – Prioridade de escolha de vagas garantida a
pessoas com deficiência física, que permanecem em primeiro lugar na ordem de
sorteio – Redação do regimento interno modificada apenas para exigir novos
documentos para comprovação da deficiência física. Assunto decidido em
assembleia realizada regularmente e aprovada pela maioria – Deliberação assemblear
que é soberana – Improcedência mantida. Recurso improvido.”
Também aqui vale
a pena reproduzir trecho do voto do Relator, porque ilustra bem como os
condomínios se veem obrigados a alterar seus critérios:
“Os
autores impugnam, basicamente, o conteúdo da alteração realizada no artigo 67,
§3º, item 3.1, do regimento interno do condomínio réu, que estabelece ordem e
critérios de preferência no sorteio de vagas de garagem.
O
item 3.1 questionado nos autos diz respeito, especificamente, aos moradores que
apresentam deficiência física, que estão em primeiro lugar na ordem do sorteio.
Como
exposto nas razões do recurso, a redação anterior do referido item 3.1. assim
previa:
3.1
CONDÔMINOS portadores de deficiência física, devidamente comprovada por cartão DeFis
dentro do prazo de validade;
Com
a alteração, passou a estabelecer:
3.1
CONDÔMINOS portadores de deficiência física, devidamente comprovada por CNH que
possua um dos seguintes códigos de restrição: C – Obrigatório o uso de
acelerador à esquerda; E – Obrigatório o uso de empunhadura/manopla/pomo no
volante ou H – Obrigatório o uso de acelerador e freio manual, ou no caso de
CONDÔMINO que não possua habilitação porém necessite de assistência com
cuidados especiais, deverá apresentar laudo médico que mencione a patologia com
código CID 10z74.1, emitido até 12 meses da realização da assembleia.
Pela
leitura da nova redação, fica claro que a ordem de preferência do sorteio não
foi alterada. As pessoas com deficiência física continuam tendo prioridade na
escolha das vagas de garagem.
O
condomínio apenas estabeleceu novas condições para comprovação da deficiência
física pelo morador, bem como anotado na sentença: “comprovação da necessidade
especial por meio de apresentação de CNH com os respectivos códigos de
restrição ou por laudo médico que mencione a patologia, com o objetivo de
demonstrar a condição de prioridade do morador.”
Evidente
que, se o condômino se enquadrar nas regras, será garantida a prioridade no
sorteio. Não há, assim, nenhum impedimento de acesso às vagas livres disponíveis,
pois, como mencionado, permanece a escolha prioritária a quem possui
deficiência física, desde que comprovada pela CNH com código de restrição ou
laudo médico.
As
exigências são válidas. A alteração do regimento interno em relação a esse
ponto foi levada à votação por um grupo de moradores, por entenderem que o
critério anterior era muito abrangente (p.13).
O
assunto foi debatido e decidido por maioria de votos em assembleia regularmente
realizada (p. 12/15).
Não
se verifica ilegalidade que possa justificar a anulação do ato. Cumpridas as formalidades,
que os autores não questionam, o Poder Judiciário não pode interferir nas
deliberações da assembleia, que atendem à vontade majoritária e ao melhor
interesse da administração do condomínio.”
Como se percebe
desse último voto, ele está plenamente em sintonia com o anterior, por utilizar
o princípio constitucional da isonomia ao tratar os desiguais de forma
desigual, conferindo prioridade aqueles desiguais com um grau ainda maior de
dificuldade de locomoção.
Embora as
decisões acima ratifiquem o critério em priorizar aquelas pessoas que, dentre
os deficientes físicos, possuem ainda mais necessidades, há de se lembrar que
como não há uma lei específica, o condomínio necessita ajuda de pessoas capacitadas
para tomarem decisões tão técnicas, sob o risco de se sujeitar a ações de
indenização por danos morais em caso de discriminação.
Até aqui esse
texto já está mais longo do que eu gostaria, mas ainda há outros assuntos a
tratar. Como se percebeu dos julgados acima, como não há uma lei específica a
tratar das obrigações dos condomínios privados nesses casos, ainda mais
condomínios que foram construídos antes das novas leis que vão surgindo com o
tempo, analogicamente os julgadores utilizam como critério algumas normas já
existentes, as quais a seguir serão reproduzidas também para ilustrar.
A Constituição Federal
Sempre que as
leis falham em estipular de forma clara como os cidadãos devem se comportar
diante de determinada situação, os operadores do direito fazem uma análise
sistêmica das normas para concluir qual seria a melhor resposta às dúvidas que
vão surgindo.
No caso da
reserva de vagas de garagem para pessoas com dificuldade de locomoção, partimos
sempre da Constituição
Federal de 1988, que possui alguns dispositivos que ajudam nessa tarefa.
“Art.
1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos:
(...)
II –
a cidadania;
III –
a dignidade da pessoa humana;”
“Art.
3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I –
construir uma sociedade livre, justa e solidária;
(...)
III –
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;
IV –
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.”
“Art.
5 – Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;”
“Art.
23 – É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios:
(...)
II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e
garantia das pessoas portadoras de deficiência;”
“Art.
24 – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:
(...)
XIV –
proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;”
“Art.
227 – (...)
(...)
§2º - A lei disporá sobre normas de construção dos
logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de
transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de
deficiência;”
“Art.
244 – A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso
público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de
garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme o
disposto no artigo 227, §2º.”
Embora muitas
dessas normas da Constituição Federal tratem de edifícios públicos, o fato é
que também tratam da dignidade da pessoa humana, e por isso que são
consideradas nos julgados para fundamentar as decisões que envolvem condomínios
residenciais privados.
Lei 13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência
É no Estatuto
da Pessoa com Deficiência que o percentual de 2% de reserva de vagas é
tratado, em seu artigo 47:
“Art.
47. Em todas as áreas de estacionamento aberto ao público, de uso público
ou privado de uso coletivo e em vias públicas, devem ser reservadas vagas
próximas aos acessos de circulação de pedestres, devidamente sinalizadas, para
veículos que transportem pessoa com deficiência com comprometimento de
mobilidade, desde que devidamente identificados.
§1º As vagas a
que se refere o caput deste artigo devem equivaler a 2% (dois por
cento) do total, garantida, no mínimo, 1 (uma) vaga devidamente sinalizada e
com as especificações de desenho e traçado de acordo com as normas técnicas
vigentes de acessibilidade.”
Decreto nº 9.451/2018 – Regulamenta a lei acima
Trata-se de Decreto
que regulamenta o Estatuto da Pessoa com Deficiência, e que também estipula 2%
de vagas:
“Art.
8º Serão reservados dois por cento das vagas de garagem ou
estacionamento, vinculadas ao empreendimento, para uso comum, para veículos
que transportem pessoa com deficiência com comprometimento de mobilidade, sem
prejuízo do disposto no art.
47 da Lei nº 13.146, de 2015 .
(...)
§ 3º As vagas a que
se refere o caput deverão ser localizadas próximo às rotas acessíveis
de pedestres ou aos elevadores, atender aos requisitos estabelecidos nas normas
técnicas de acessibilidade vigentes e ficar sob a administração do condomínio
em área comum.
§ 4º O morador com
deficiência com comprometimento de mobilidade e que tenha vaga vinculada à sua
unidade autônoma poderá solicitar uma das vagas sob a administração do
condomínio a qualquer tempo, hipótese em que o condomínio deverá ceder a posse
temporária da vaga acessível em troca da posse da vaga vinculada à unidade
autônoma do morador.
(...)”
Conclusão
Assim, muito
embora não exista uma norma legal específica que obrigue os condomínios residenciais
privados a disponibilizarem um percentual de vagas aos portadores de
necessidades especiais, a interpretação das normas existentes, aliadas à
jurisprudência, sugere que é de bom tom reservar um mínimo de 2% de vagas, já
que é impossível ao condomínio fornecer vagas a todos portadores do Cartão
DeFis.
Alguns julgados,
como se percebeu, permitem que o condomínio, ao se deparar com um número muito
grande de pessoas nessas condições, utilizem-se de critérios técnicos para favorecer
aqueles que são ainda mais necessitados, como cadeirantes, usuários de muletas,
de balões de oxigênio, e até portadores de determinadas patologias relacionadas
à locomoção, evidentemente com aprovação de assembleia, convocada com pauta
específica.
Todavia, como já mencionado acima, como não há uma lei
específica, não há segurança jurídica, motivo pelo qual o Poder Judiciário,
instado a se manifestar sobre cada situação, fará uma análise do caso específico,
considerando todas as normas aplicáveis e também a jurisprudência já existente,
mas pode decidir de forma diferente.
Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186
É advogado empresarial, atuando majoritariamente na
esfera condominial. Especialista em direito tributário na PUC/SP - Cogeae. Foi
Ouvidor da AASP - Associação dos Advogados de São Paulo e Relator da 20ª Turma
do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP. Bacharel em Filosofia.
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