segunda-feira, 20 de maio de 2019

A responsabilidade pelo vazamento de água no condomínio


"O vazamento de água é responsabilidade do condomínio ou da unidade autônoma?"

São Paulo, 20 de Maio de 2.019.

Normalmente essa dúvida surge quando o responsável por determinado apartamento, mesmo sabendo que o problema é dos encanamentos de sua unidade, que afetam a unidade do andar imediatamente inferior, ou mesmo as áreas comuns, insiste em atribuir a responsabilidade ao condomínio.

A dúvida chegou através de mensagem de um sócio de uma administradora de condomínios:
        
"Vazamento de água de um apartamento afetando outros. Um problema do condomínio ou um problema entre as unidades?
Como o síndico deve agir quando um condômino se recusa a providenciar os reparos, mesmo após a constatação de um serviço especializado em caça-vazamentos."

Quando recebo uma pergunta desse tipo costumo responder com diversas outras perguntas, que vão ajudando a entender a situação de forma mais abrangente, para que possamos entender como lidar com a situação. Então normalmente os vazamentos exigem que as seguintes perguntas sejam respondidas:

1 - É possível identificar a origem do vazamento?

A resposta pode parecer simples, com um mero 'sim' ou 'não', mas diante da constatação de que um serviço especializado detectou sua origem, ou seja, 'sim', pode o morador acusado de ser o responsável pelo vazamento não concordar com esse laudo (elaborado por solicitação do condomínio ou de alguma outra unidade), pois ele seria unilateral, ou seja, foi produzido apenas pela outra unidade interessada. Por isso que o ideal seria que o laudo fosse produzido em concordância por todos os interessados, para tentar evitar as vias do Poder Judiciário para solucionar o conflito.

E com a não concordância do resultado do laudo é começam os problemas, pois mesmo com um 'sim' ainda pode existir algum tipo de dúvida, pois a única prova pericial definitivamente válida é aquela produzida pelo Poder Judiciário, por solicitação do juiz, quando ele chama um perito de sua confiança para dar o seu parecer - através de uma 'ação de produção antecipada de provas', por exemplo.

Todos os demais laudos servem apenas como indícios dos fatos, que são muito importante e ajudarão a detectar a responsabilidade, mas que não são definitivos. São um ponto de partida para a propositura de uma ação judicial quando houver resistência em assumir a responsabilidade.

Então se o morador supostamente responsável pelo vazamento não concordar com o laudo elaborado pela empresa especializada, deve ele contratar uma outra empresa para ratificar ou retificar o laudo, ou pagar o prejuízo pelo conserto, sob pena de a parte interessada propor a respectiva ação judicial.

Por outro lado, se a resposta for 'não', ou seja, não há como saber a origem do vazamento, há de se contratar alguma empresa especializada para tentar verificar a sua origem.

2 - Se foi detectado que a origem do vazamento é decorrente dos encanamentos que formam a área comum do condomínio, mas que passam abaixo ou acima de determinada unidade, quem é o responsável?

Sempre que os encanamentos forem do que denominamos 'área comum' a responsabilidade é do condomínio.

Mas há casos em que essa responsabilidade pode ser atribuída ao proprietário da unidade individual, quando por exemplo, ele tenha realizado alguma ação que contribuiu para o dano, furando parede em que passam os tubos da área comum, por exemplo.

Todavia, se esse cano possui um dano que é decorrente do seu desgaste natural, vale dizer, desgaste com o uso ao decorrer do tempo de sua vida útil, ou mesmo falta de manutenção, mesmo passando pela unidade a responsabilidade é do condomínio. Assim, para prédios mais antigos a questão não é tão simples como pode parecer.

3 - Mas e se a origem do vazamento é oriunda dos canos da própria unidade autônoma?

Nesse caso a resposta parece ser mais simples, pois já tendo sida localizada a origem, incumbe àqueles que são vitimados pelo vazamento buscarem ressarcimento por eventuais danos diretamente do responsável, e não do condomínio.

4 - E se o morador supostamente responsável pelos danos se recusar a permitir a entrada de representantes do condomínio na unidade para fazer a constatação? Como agir nesses casos?

Normalmente as Convenções de Condomínio, inclusive as mais antigas, contém uma norma específica em que se obriga ao proprietário de unidade individual autônoma a franquear a entrada de representantes do condomínio para apurar eventuais vazamentos, seja de água ou gás, ou mesmo problemas com energia elétrica, pois se trata de questão de segurança de todo o empreendimento.

Quando elaboro ou atualizo uma Convenção de Condomínio sempre insiro uma norma desse tipo, pois se trata de questão de suma importância.

Todavia, havendo ou não a norma na Convenção, entendo que cabe ao condomínio notificar extrajudicialmente e constituir a unidade em mora para franquear o acesso, sob pena de responsabilidade por eventual agravamento dos danos, agendando data e horário para a visita de forma urgente, inclusive levando o assunto ao conselho e a uma assembleia convocada com urgência, para aplicar multa na unidade que resiste à convocação do condomínio.

Se a unidade insistir com a negativa, o condomínio terá que produzir provas mínimas, como um laudo técnico, mostrando que há um dano e que há provável origem em aludida unidade autônoma, requerendo a permissão judicial para vistoriar a unidade, através de uma ação judicial com pedido de tutela provisória de urgência.
Dependendo da gravidade e extensão do dano, sugiro registrar um boletim de ocorrência e recorrer à defesa civil para tentar a intermediação, conversar com moradores vizinhos e amigos da unidade que resiste em franquear o acesso, pois como se sabe a ação judicial pode não ser tão rápida como se gostaria.

5 - Todos os bens da vítima do vazamento deverão ser reparados? Cabe dano moral?

Há aqui uma questão envolvida que é a da prova do dano. Então para que a vítima seja reembolsada por eventuais danos é importante que ela tenha notas fiscais dos bens danificados, sempre que possível, além de uma estimativa com orçamentos de quanto ficará para a reposição do piso, seja ele de madeira ou frio, inclusive de bens que guarnecem o imóvel, como sofás, cadeiras, mesas, enfim, tudo isso será avaliado pelo juiz.

Todavia, há situações em que os bens já eram velhos, tinham o desgaste natural do tempo a exigir uma depreciação, e nesses casos o juiz tentará avaliar um percentual correspondente ao bem usado, para que não haja enriquecimento sem causa da vítima, que aproveitando-se da situação, tentará renovar seus móveis à custa do condomínio.

Então para fazer um acordo sem a utilização do Poder Judiciário as partes devem sentar e conversar para tentar chegar a um consenso, que deve ser conduzido pelo advogado das partes, lavrando-se um Termo de Quitação, para que amanhã um dos lados não queira ressuscitar o assunto com uma ação judicial.

Quanto ao dano moral, possui ele uma subjetividade que somente poderá ser analisada por um juiz. Nunca recomendo que condomínios paguem qualquer valor a título de danos morais, pois se houver terceiros envolvidos que possam ser responsabilizados pelo dano, como por exemplo, a empresa que faz a manutenção dos canos de águas comuns, dificilmente o condomínio conseguirá uma ação de regresso dos danos morais contra essa empresa, o que não é o caso dos danos materiais, que são de fácil de constatação e prova, ainda que eventualmente seja realizada alguma depreciação.

6 - Como o síndico deve agir quando um condômino se recusa a providenciar os reparos?

Se os danos foram constatados na área comum do condomínio, ou seja, a vítima é o próprio condomínio (Por exemplo, o vazamento da unidade do primeiro andar afetou o salão de festas, que fica logo abaixo), sugiro sempre que o condomínio elabore três orçamentos e notifique a unidade responsável para que arque com os danos.

Para isso o condomínio necessita ter um laudo técnico-pericial atribuindo a responsabilidade ao causador do dano e distribuir uma ação de 'produção antecipada de provas', quando o perito do juiz irá ratificar ou retificar o laudo do condomínio, que é aquele produzido de forma unilateral.

Essa ação não possui 'vencedor' ou 'perdedor', pois o objetivo dela é apenas produzir a prova. Com o documento do Poder Judiciário em mãos, aí sim, o condomínio possui uma prova robusta para exigir que o devedor arque com sua responsabilidade, e há situações em que o devedor concorda com essa prova definitiva para evitar de ter que arcar ainda com mais gastos, como a sucumbência e honorários da parte contrária, que serão devidos numa ação indenizatória.

Então sugere-se que o condomínio nunca faça qualquer reparo na área comum vitimada pelo vazamento enquanto não for realizada a perícia para constatar a responsabilidade, pois caso contrate alguém para consertar  o local, a prova será prejudicada e não se conseguirá saber de quem é a responsabilidade.

Evidentemente que os valores envolvidos devem ser considerados, pois se os danos são poucos a distribuição de uma ação e a realização de uma perícia podem não compensar todo esse movimento envolvendo o Poder Judiciário.

Por outro lado, se os danos foram causados de uma unidade autônoma em outra unidade autônoma, embora o condomínio não possua qualquer responsabilidade, sempre sugiro que ajude a intermediar uma conciliação entre as partes, convocando uma reunião com a presença do síndico, subsíndico e conselheiros, onde pode até ser lavrada uma ata assinada pelas partes, com o compromisso de uma a indenizar a outra, constando o tempo em que isso será feito, etc.

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Por fim, o Código Civil tem diversos dispositivos que nos ajudam a tentar responder essas indagações, como por exemplo o artigo 927, segundo o qual 'aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo'.

Trata-se de uma norma interessante porque de imediato já responde boa parte das dúvidas - ou melhor, responde todas as perguntas acima, bastando saber de quem é a responsabilidade e ter prova disso.

Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186

É advogado atuando majoritariamente na esfera condominial. Especialista em direito tributário na PUC/SP / Cogeae. Foi Ouvidor da AASP - Associação dos Advogados de São Paulo e foi Relator da 20ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP. Bacharel em Filosofia.

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