São Paulo, 10 de Janeiro de 2.019.
A inadimplência em condomínios é perversa porque ela
desfigura totalmente a previsão orçamentária e muitas vezes impede que o
síndico tenha condições de cumprir com suas obrigações perante os funcionários
e prestadores de serviços.
Condomínios que possuem inadimplência muito alta tendem a
estudar formas para tentar minimizar o problema, chamando os devedores para
conversar e muitas vezes propondo o parcelamento das cotas em aberto, pois
embora o condomínio não seja obrigado a parcelar, é fato que "muitas vezes
é melhor um mau acordo do que nada receber de imediato" - então dependerá
de caso a caso.
Mas quando nos deparamos com um cenário de alto índice de
desemprego como esse pelo qual passa o Brasil neste momento, a tendência é que
muitos moradores não consigam adimplir a dívida, não restando ao condomínio
alternativa que a cobrança judicial, pois como se sabe, a dívida condominial é
'propter rem', termo latino para indicar, a grosso modo, que ela segue o
imóvel, que poderá até ser leiloado para saldar a dívida, podendo o
inadimplente perder o próprio bem que possui. Dever cota condominial pode ser
perigoso. Já vi vários casos de pessoas que perderam o imóvel, não se podendo
utilizar o argumento de impenhorabilidade, por tratar-se de 'bem de família',
pois ele não se aplica às dívidas condominiais.
Mas a alternativa que possui o condomínio morre por aqui:
cobrança extrajudicial e judicial da dívida.
Não pode o condomínio, por exemplo, restringir acesso às
áreas comuns e de lazer, como piscina, salão de jogos, academia, dentre outras,
pois embora não haja expressa proibição legal para que o síndico assim proceda,
o fato é que a jurisprudência vem atendendo pleitos de indenização por danos
morais de moradores que tiveram qualquer tipo de restrição, com respaldo até do
Superior Tribunal de Justiça - STJ, que entende que as formas coercitivas
constantes no Código Civil são taxativas, ou seja, não cabe inovação por parte
do condomínio.
Perceba que isso também representaria uma dupla punição,
pois o devedor, que já é vitimado com juros, correção monetária, multa,
honorários advocatícios, além de sofrer execução judicial, que é uma ação muito
mais rápida, também perderia acesso a usufruir de seu direito de propriedade,
sendo considerada essa restrição como ilegal e como ofensa à honra e à
integridade do devedor.
Muitos síndicos já me ligaram irritadíssimos pelo fato de
que determinado morador devia mais de dez cotas condominiais e havia chegado no
condomínio ostentando seu veículo novo, zero quilômetro. A resposta que dou a
esses síndicos normalmente são as seguintes: "Olha, realmente isso é
irritante, mas você já cobrou o morador de forma extrajudicial? Tentou fazer um
acordo? Ah... sei! Tudo isso não surtiu efeito? Então porque você ainda não
distribuiu uma ação contra ele?"
E não adiantam os argumentos de que a restrição ao uso
das áreas comuns por parte dos devedores foi aprovada numa assembleia ou mesmo
consta da própria Convenção de Condomínio, pois isso é irrelevante diante da já
existência de meios próprios para cobrança.
Julgado recente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de Mato Grosso, de sua Terceira Câmara de Direito Privado, processo n.º
1008956-78.2018.8.11.0000, em agravo de instrumento, da Relatora Desembargadora
Cleuci Terezinha Chagas Pereira da Silva, de 05/12/2018, assim entendeu:
"EMENTA -
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO ANULATÓRIA - COTAS CONDOMINIAIS EM ATRASO -
PROIBIÇÃO DA UTILIZAÇÃO DAS ÁREAS DE USO COMUM - COAÇÃO NA TENTATIVA DE BUSCAR
O CRÉDITO - RECURSO PROVIDO. A inadimplência do condômino não justifica a
vedação de uso das áreas condominiais comuns, pois se caracteriza como conduta
coercitiva ilegítima, mormente considerando que a dívida está sendo discutida
judicialmente e ordenamento jurídico coloca à disposição do condomínio
instrumentos de coercibilidade, de garantia e de cobrança da dívida, conforme
se constata nos arts. 1.336 e 1.337, ambos do Código Civil."
No caso concreto, pouco importou que a decisão havia sido
aprovada em assembleia de condomínio:
"Cuida-se
de Recurso de Agravo de Instrumento interposto por THEMIS DE OLIVEIRA contra
decisão do Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis que, nos autos da
Ação Anulatória movida contra CONDOMÍNIO RESIDENCE CLASSIC, indeferiu o pedido
de antecipação de tutela, no sentido de impedir o cumprimento de deliberação da
assembleia condominial que vedou a utilização pelos condôminos inadimplentes
das áreas sociais comum do condomínio. (ID 2940864)"
A decisão acima encontra-se em harmonia com as prolatadas
pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça - STJ, que entende ilegal a proibição
de uso das áreas comuns mesmo quando há expressa previsão na convenção de
condomínio. Por sua didática e por ser uma verdadeira aula, reproduzo-a na
íntegra:
"RECURSO
ESPECIAL. RESTRIÇÃO IMPOSTA NA CONVENÇÃO CONDOMINIAL DE ACESSO À AREA COMUM
DESTINADA AO LAZER DO CONDÔMINO EM MORA E DE SEUS FAMILIARES. ILICITUDE.
RECONHECIMENTO. 1. DIREITO DO CONDÔMINO DE ACESSO A TODAS AS PARTES COMUNS DO
EDIFÍCIO, INDEPENDENTE DE SUA DESTINAÇÃO. INERÊNCIA DO INSTITUTO DO CONDOMÍNIO.
2. DESCUPRIMENTO DO DEVER DE CONTRIBUIÇÃO COM AS DESPESAS CONDOMINIAIS. SANÇÕES
PECUNIÁRIAS TAXATIVAMENTE PREVISTAS NO CÓDIGO CIVIL. 3. IDÔNEOS E EFICAZES
INSTRUMENTOS LEGAIS DE COERCIBILIDADE, DE GARANTIA E DE COBRANÇA POSTOS À
DISPOSIÇÃO DO CONDOMÍNIO. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. 4. MEDIDA RESTRITIVA QUE
TEM O ÚNICO E ESPÚRIO PROPÓSITO DE EXPOR OSTENSIVAMENTE A CONDIÇÃO DE
INADIMPLÊNCIA DO CONDÔMINO E DE SEUS FAMILIARES PERANTE O MEIO SOCIAL EM QUE
RESIDEM. DESBORDAMENTO DOS DITAMES DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA.
VERIFICAÇÃO. 5. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO.
1. O direito
do condômino ao uso das partes comuns, seja qual for a destinação a elas
atribuídas, não decorre da situação (circunstancial) de adimplência das
despesas condominiais, mas sim do fato de que, por lei, a unidade imobiliária
abrange, como parte inseparável, não apenas uma fração ideal no solo
(representado pela própria unidade), bem como nas outras partes comuns que será
identificada em forma decimal ou ordinária no instrumento de instituição do
condomínio (§3º do art. 1.331 do Código Civil). Ou seja, a propriedade da
unidade imobiliária abrange a correspondente fração ideal de todas as partes
comuns. A sanção que obsta o condômino em mora de ter acesso a uma área comum
(seja qual for a sua destinação), por si só, desnatura o próprio instituto do
condomínio, limitando, indevidamente, o correlato direito de propriedade.
2. Para a
específica hipótese de descumprimento do dever de contribuição pelas despesas
condominiais, o Código Civil impõe ao condômino inadimplente severas sanções de
ordem pecuniária, na medida de sua recalcitrância.
2.1 Sem
prejuízo da sanção prevista no art. 1.336, §1º, do Código Civil, em havendo a
deliberada reiteração do comportamento faltoso (o que não se confunde o simples
inadimplemento involuntário de alguns débitos), instaurando-se permanente
situação de inadimplência, o Código Civil estabelece a possibilidade de o
condomínio, mediante deliberação de 3/4 (três quartos) dos condôminos
restantes, impor ao devedor contumaz outras penalidades, também de caráter
pecuniário, segundo gradação proporcional à gravidade e à repetição dessa
conduta (art. 1.337, caput e
parágrafo único - multa pecuniária correspondente até o quíntuplo ou até o
décuplo do valor da respectiva cota condominial).
2.2 O art.
1.334, IV, do Código Civil apenas refere quais matérias devem ser tratadas na
convenção condominial, entre as quais, as sanções a serem impostas aos
condôminos faltosos. E nos artigos subsequentes, estabeleceu-se, para a
específica hipótese de descumprimento do dever de contribuição com as despesas
condominiais, a imposição das sanções pecuniárias acima delineadas.
Inexiste,
assim, margem discricionária para outras sanções, que não as pecuniárias nos
limites da lei.
3. Além das
sanções pecuniárias, a lei adjetiva civil, atenta à essencialidade do
cumprimento do dever de contribuir com as despesas condominiais, estabelece a
favor do condomínio efetivas condições de obter a satisfação de seu crédito,
inclusive por meio de procedimento que privilegia a celeridade.
3.1 A Lei n.
8.009/90 confere ao condomínio uma importante garantia à satisfação dos débitos
condominiais: a própria unidade condominial pode ser objeto de constrição
judicial, não sendo dado ao condômino devedor deduzir, como matéria de defesa,
a impenhorabilidade do bem como sendo de família. E, em reconhecimento à
premência da satisfação do crédito relativo às despesas condominiais, o Código
de Processo Civil de 1973, estabelecia o rito mais célere, o sumário, para a
respectiva ação de cobrança. Na sistemática do novo Código de Processo Civil,
aliás, as cotas condominiais passaram a ter natureza de título executivo
extrajudicial (art. 784, VIII), a viabilizar, por conseguinte, o manejo de ação
executiva, tornando a satisfação do débito, por meio da incursão no patrimônio
do devedor (possivelmente sobre a própria unidade imobiliária) ainda mais
célere. Portanto, diante de todos esses instrumentos (de coercibilidade, de
garantia e de cobrança) postos pelo ordenamento jurídico, inexiste razão
legítima para que o condomínio dele se aparte.
4. A vedação
de acesso e de utilização de qualquer área comum pelo condômino e de seus
familiares, independentemente de sua destinação (se de uso essencial,
recreativo, social, lazer, etc), com o único e ilegítimo propósito de expor
ostensivamente a condição de inadimplência perante o meio social em que
residem, desborda dos ditames do princípio da dignidade humana.
5. Recurso especial
improvido. (REsp 1564030/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA
TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 19/08/2016)".
Portanto, esqueça formas de revanchismo e deixe a sua
indignação nas mãos do advogado de seu condomínio para que ele maneje
tecnicamente a única possibilidade existente diante da existência de dívidas
condominiais: execução judicial das cotas condominiais.
Fora disso o condomínio pode sofrer multas e
eventualmente ser condenado a uma indenização por danos morais. Já pensou? Além
de não receber as cotas condominiais o condomínio ainda pode ter que pagar pelo
constrangimento ilegal que impôs ao devedor?
Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186
Dr. Joel,
ResponderExcluirComo sempre seus textos são bastantes construtivos.
Como administradores, temos o entendimento que o apesar da inadimplência o direito de uso de propriedade não pode ser vetado.
Abs