São Paulo, 18 de Janeiro de 2.019.
O condômino que deve cotas condominiais e faz um 'acordo'
para pagamento continua sendo considerado como inadimplente para todos os fins
de direito, pois a designação de novas datas para o pagamento das dívidas não
se constitui como 'novação' da dívida, ou seja, não foi extinta uma obrigação
para o começo de outra - apenas se delimitou novas datas para o pagamento da
dívida que ainda existe.
O Código Civil, em seu artigo 360, estipula que a novação
ocorre "quando o devedor contrai com o credor nova dívida para extinguir e
substituir a anterior". No caso do acordo para pagamento de cotas
condominiais em atraso o que se percebe é que o condomínio tão somente facilita
o pagamento em mais prestações e com novas datas, mas a obrigação permanece a
mesma - não se está tratando de uma nova dívida.
Isso parece não ter relevância numa análise superficial,
mas traz consequências sérias, como por exemplo a impossibilidade de participação em assembleia, pois o art. 1.335,
do Código Civil, em seu inciso III, determina que são direitos do condômino
"votar nas deliberações da assembleia e delas participar, estando
quite."
Obviamente que se não houve novação, ou seja, se não foi
extinta a obrigação anterior e adquirida uma nova obrigação, mas tão somente
alterada a forma de pagamento, com estipulação de novas datas, o morador que
fez um acordo continua sendo considerado inadimplente e não pode participar das
assembleias de condomínio.
Talvez por conhecer a lei, particularmente eu teria
vergonha de tentar participar de uma assembleia sendo devedor, mas na prática o
que vemos é que moradores inadimplentes aparecem na assembleia, com ou sem
acordo, e bradam aos quatro cantos do salão de festas (onde normalmente são
realizadas as assembleias) que querem participar:
"- Você está me causando constrangimento!!!"
"- Estou sofrendo dano moral!!! Está me
cobrando?!!!!
"- Você está me expondo na frente de todo mundo!!!!"
Em certa ocasião eu mesmo tive que me manifestar antes de
começar uma assembleia, quando um morador, na hora de assinar a lista de
presença, foi avisado discretamente pela colaboradora de uma administradora. Sentiu-se
ofendido quando a garota perguntou se ele sabia que constava uma cota
condominial em aberto e começou a gritar com ela.
Tive que intervir com firmeza para lembrá-lo que a
ninguém é dado descumprir alguma norma alegando seu desconhecimento e, além
disso, a garota estava apenas cumprindo o seu trabalho, diga-se, depois de uma
jornada completa de trabalho durante o dia estava naquele momento, à noite,
numa assembleia de condomínio, sendo ofendida. Se ele não concordava com o
Código Civil que brigasse com os legisladores que a elaboraram, não com ela.
E a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
determina em seu artigo 3º que "Ninguém se escusa de cumprir a lei,
alegando que não a conhece." (Decreto-Lei n.º 4.657/1942).
Mas voltando ao inadimplente que faz acordo,
independentemente de qualquer coisa sugiro sempre que quando o condomínio pactua
com o devedor um Termo de Acordo, ou mesmo um Termo de Confissão de Dívida,
onde se estipulam as formas de pagamento e respectivas datas, dentre outras
obrigações, deixe claro que aquele documento não se constitui como uma novação,
pois a obrigação existente não foi extinta para a criação de uma nova,
tratando-se de mera liberalidade do condomínio.
Sim! Mera liberalidade! O condomínio não é obrigado a
aceitar acordo nenhum, pois a dívida eventualmente existente deve ser paga
integralmente e à vista. Portanto, eventual acordo significa tão somente a
facilitação do pagamento, pois pode ser que o condomínio considere que
estrategicamente lhe é mais benéfico um acordo.
São diversos os julgados do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo que não reconhecem a existência de 'novação' nessas
circunstâncias, e se não há 'novação', a dívida primitiva ainda existe:
"Apelação
- Ação declaratória - Anulação de assembleia condominial - Sentença que
reconheceu a legitimidade do impedimento da candidatura do apelante ao cargo de
síndico do condomínio apelado - Existência de débitos condominiais não quitados
- Novação - Obrigação que restou renovada, absorvendo o débito não satisfeito
anteriormente, não havendo que se falar em satisfação da obrigação primitiva -
Recurso, nesta parte, improvido." - in
Apelação n.º 0348401-45.2009.8.26.0000, Voto n.º 13405, 2ª Vara Cível do Foro
Regional de Santana - Comarca de São Paulo, Juíza Maria Salete Corrêa Dias -
Relator Des. José Joaquim dos Santos, 2ª Câmara de Direito Privado.
E o Relator cita ensinamento de Nelson Nery Jr. e Rosa
Maria Andrade Nery sobre a definição de 'novação':
"Novação
significa modificação ou substituição de uma obrigação por outra. Como tal não
se entende a tolerância ou prorrogação de prazo para o recebimento de dívida. É
a transformação de uma obrigação por outra. A causa da nova obrigação é a
anterior, que desaparece. Novação é o negócio jurídico por meio do qual se cria
uma nova obrigação, com o objetivo precípuo de extinguir-se obrigação anterior
(Lacerda de Almeida. Novação, verbete in REDB,
v. 34, p. 275). Por isso a novação é operação liberatória, vale dizer, uma das
causas de extinção da obrigação, colocando-se no lugar da extinta, uma nova
obrigação. "é uma datio in solutum,
em que a coisa dada em pagamento é uma obrigação nova" (Fulgêncio.
Obrigações, p. 227). O caráter liberatório da obrigação anterior reside na sua
extinção em face do nascimento de nova obrigação. Contudo, a extinção não
satisfaz o crédito e o débito, que subsistem e se renovam por meio da nova
obrigação (obligatio novanda). Há,
por conseguinte, inovação do vinculum
iuris, que extingue, mas não satisfaz a obrigação primitiva e que absorve o
débito e o crédito não satisfeito anteriormente. (Venosa. Dir. Civ., v. II, n. 12.5.1,
p. 290). (...)" (grifos nossos) (Código de Processo Civil Comentado, 7ª
ed., Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2009, p. 485, nota 1 ao artigo
360)"
Por isso que muitas administradoras não entendem quando o
advogado informa que não há como dar baixa em determinadas cotas condominiais
com o andamento do acordo (especialmente quando se pactuam mais parcelas do que
as cotas condominiais em aberto), pois a dívida primitiva subsiste em sua
integralidade com o acordo firmado, até que seu pagamento seja definitivamente
quitado - não houve uma criação de uma nova obrigação, mas permaneceu a dívida
anterior, apenas com as devidas correções, alterações de valores e datas e
pagamento.
Temos também outros entendimentos interessantes, que vou
citar apenas pequenos trechos para não deixar cansativa a leitura:
"APELAÇÃO
- AÇÃO DE COBRANÇA DE COTAS CONDOMINIAIS (...) NATUREZA PROPTER REM DA
OBRIGAÇÃO - ACORDO FIRMADO ENTRE ANTIGO INQUILINO E O CONDOMÍNIO QUE NÃO
CONFIGURA NOVAÇÃO ANTE A AUSÊNCIA DE ÂNIMO DO CONDOMÍNIO EM SUBSTITUIR E
LIBERAR A PROPRIETÁRIA DO IMÓVEL." Apelação n.º 1037929-77.2015.8.26.0114,
Rel. Des. Cesar Luiz de Almeida, 28ª Câmara de Direito Privado do TJSP.
"CONDOMÍNIO
- Ação Declaratória de Inexistência de Débito - Confissão de dívida firmada
pelo ex-marido da autora - Novação - Inexistência de alteração substancial da
dívida - Imóvel que, após a partilha do divórcio do casal passou a integrar o
patrimônio exclusivo da autora - Natureza propter
rem da obrigação - Encargos vinculados à coisa imóvel que são de
responsabilidade do proprietário com relação ao credor - Sentença Mantida.
Recurso não provido." in Apelação
n.º 1023954-62.2017.8.26.0002, Rel. Des. Sá Moreira de Oliveira, 33ª Câmara de
Direito Privado do TJSP).
Sem contar aqueles condôminos, velhos conhecidos de
todos, que fazem acordo antes da assembleia, apenas para delas poder
participar, tentam utilizar isso para dizer que estão adimplentes, pagam apenas a
primeira parcela e você só os encontra na próxima assembleia de condomínio,
tentando fazer um 'novo acordo'...
Enfim, acredito que essa tendência do Egrégio Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo consegue nos dar uma certa segurança jurídica de
que o condomínio pode, sim, considerar como inadimplente eventuais condôminos
que firmaram acordo, salvo situações muito particulares que devem ser
analisadas caso a caso.
Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186
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