segunda-feira, 5 de outubro de 2020

"O protesto das cotas condominiais"

São Paulo, 05 de outubro de 2.020.

O objetivo desse texto é desencorajar condomínios a levar a protesto as cotas condominiais de moradores inadimplentes, seja porque o condomínio pode até ser condenado a indenização por dano moral, seja porque com o novo Código de Processo Civil e a possibilidade de entrar diretamente com uma ação de Execução para cobrar a dívida, o nome do devedor já estará automaticamente ‘negativado’ ou com restrição.

O que temos hoje é que indignados com a inadimplência e muitas vezes com um orçamento muito limitado, quase mal conseguindo pagar a folha salarial, alguns síndicos buscam diversas formas de tentar receber o que poderia ajudar a pagar as despesas ordinárias, sem ter que convocar assembleia extraordinária para aprovar um novo rateio – que normalmente conta com a resistência de boa parcela dos condôminos.

Alguns síndicos, movidos pela raiva de ver o inadimplente com o carro do ano na garagem, fazendo viagens internacionais e ostentando sinais de riqueza nas redes sociais, enquanto deve vários meses de cota condominial, chegam até a pensar naquele modelo antigo, em que se estacionava um carro de som na porta do devedor com o objetivo de constrangê-lo, mas que também acarretava indenização por dano moral ao condomínio, o que evidentemente não se recomenda.

Daí que ao ter conhecimento (de forma equivocada) sobre a possibilidade de protestar as dívidas condominiais, pois seria uma forma de ‘não deixar barato’, causando algum tipo de constrangimento ao devedor quando ele tentar obter um empréstimo ou até mesmo parcelar uma compra, quem sabe até obrigando-o a negociar a dívida condominial para se safar da restrição, não pensam duas vezes e levam adiante o protesto sem estudar as consequências.

Já até vi algumas administradoras incentivarem essa prática e há advogados que também dizem que isso é possível, mas vou procurar demonstrar a seguir que além de não ter qualquer efeito prático para trazer dinheiro ao condomínio, senão servir como mero instrumento de pressão – quando muito, o devedor pode até dar uma ‘invertida’ na situação e o condomínio ser condenado a indenizá-lo por danos morais.

Evidentemente que o condomínio gostaria de protestar as cotas condominiais, pedir a apreensão do passaporte, da carteira nacional de habilitação – CNH, do cartão de crédito, que são novidades interpretativas em decorrência do novo Código de Processo Civil, mas que vem encontrando muita resistência na jurisprudência.

No Estado de São Paulo até houve uma Lei, de n.º 13.160/2008, que alterando a Lei nº 11.331/2002, que dispõe sobre os emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registros, permitia que o crédito de condomínio fosse levado a protesto – daí algumas administradoras acreditarem que é possível protestar dívidas condominiais.

Porém, ela foi julgada inconstitucional (Arguição de Inconstitucionalidade, Processo n.º 990.10.209782-0 – 0209782-04.2010.8.26.0000, Rel. Des. José Roberto Bedran, Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgado em 14/10/2010, e transitada em julgado em 14/09/2011):

 

“1. Julgada procedente ação declaratória de nulidade de protesto de contrato de locação e recibo de aluguel, a Colenda 36ª Câmara de Direito Privado suspendeu o julgamento da apelação interposta e, reconhecendo a inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 13.160, de 21 de julho de 2008, ao fundamento de violação do pacto federativo, por ingerência do Estado em assuntos de competência legislativa exclusiva da União, submetendo a matéria ao Órgão Especial, nos termos do art. 481, do CPC, art. 97, da CF e da Súmula Vinculante nº 10, do STF, com a seguinte ementa:

 

“Locação de imóveis. Ação declaratória de nulidade de título. Protesto de contrato de locação acompanhado de recibo de aluguel. Instauração de incidente de inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 13.160/08. Violação ao artigo 22, incisos I e XXV, da CF. Remessa dos autos ao Órgão Especial” (fls. 121).

E assim a jurisprudência passou a analisar o tema em que condomínios protestam dívidas condominiais:

 

“Apelação. Dívida condominial. Protesto indevido, vez que realizado após o reconhecimento da inconstitucionalidade, pelo Órgão Especial do TJSP, da Lei nº 13.160/2008. Decisão que tem por escopo orientar o entendimento judicial de primeiro e segundo grau. Inocorrência, porém, dessa mesma declaração pelo E. STF. Inadimplemento incontroverso. Cancelamento do protesto que compete ao devedor. Tese firmada no julgamento do Recurso Especial 1339436/SP representativo de controvérsia. Subsistência, porém, da anotação depois de quitado o débito, por culpa do credor, ante a ausência de fornecimento da carta de anuência. Dano moral configurado. Recurso parcialmente provido.” (in Apelação n.º 1028113-48.2017.8.26.0002, Voto 23.913, Des. Rel. Walter Cesar Exner, 36ª Câmara de Direito Privado, E.TJSP, julgado em 23/08/2018).

E ainda: 

“Com efeito, o reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei Paulista nº 13.160/08 pelo C. Órgão Especial deste Eg. Tribunal, nos autos da Arguição de Inconstitucionalidade nº 0209782-04.2010.8.26.0000, não tem o condão de extirpar do ordenamento jurídico aquela lei, mas tão somente orientar o entendimento das Câmaras e Juízos monocráticos hierarquicamente a ele subordinados.

Assim, mesmo que transitada em julgado a decisão proferida pelo Órgão Especial deste E. Tribunal, forçoso concluir que o apontamento e protesto lavrado por iniciativa do réu em 20.03.2012, ainda estava amparado pela Lei Paulista nº 13.160/08, à mingua de declaração de inconstitucionalidade da Lei Paulista nº 13.160/08 pela Suprema Corte. Portanto, em atenção ao entendimento do C. Órgão Especial desta Corte, forçoso concluir que o protesto, de fato, foi indevido, porém, não há como dizer que a conduta do condomínio foi abusiva, já que amparada em lei vigente e motivado por inadimplemento incontroverso. Logo, não haveria que se cogitar, a rigor, na espécie, de dano moral.” (Apelação nº 0001551-40.2013.8.26.0, Rel. Des. Neto Barbosa Ferreira, julgado em 04.05.2016).

Portanto, diante da dívida condominial não se recomenda utilizar o mecanismo do protesto porque não há até a presente data fundamento legal que legitime essa possibilidade, sem contar que os custos que algumas empresas cobram para fazer tal serviço chega a ser exorbitante.

Além disso o condomínio pode ser condenado a indenizar o devedor em danos morais, e na prática não há qualquer efeito prático com o protesto, porque isso não é pressuposto de que a dívida será paga. O mais correto, não havendo sucesso em eventual negociação, é mesmo cobrar através de uma ação de execução. 

Joel dos Santos Leitão

OAB/SP nº. 173.186

É advogado atuando majoritariamente na esfera condominial. Especialista em direito tributário na PUC/SP - Cogeae. Foi Ouvidor da AASP - Associação dos Advogados de São Paulo e Relator da 20ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP. Bacharel em Filosofia.

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