segunda-feira, 8 de abril de 2019

Um quarto dos moradores convocam assembleia para destituir a síndica


"Um quarto dos moradores convocam assembleia
para destituir a síndica"

São Paulo, 08 de Abril de 2.019.

A história é conhecida de muitos moradores de condomínios. A síndica age como se fosse uma pequena déspota, não presta contas, faz gastos desnecessários e sem aprovação dos moradores - como se o dinheiro fosse seu, ignora as notificações e reclamações dos moradores, protege seus amigos e persegue os inimigos, até que um dia, cansados do abuso de poder, 1/4 (um quarto) dos moradores resolvem convocar uma assembleia geral extraordinária para sua destituição. Pode isso, Arnaldo? Evidente que sim, e com amparo no Código Civil, na Lei n.º 4.591/64 e nas próprias Convenções de Condomínio, como se verá a seguir.

Primeiramente é importante reproduzir o artigo 1.355, do Código Civil, que estipula que 1/4 dos moradores poderão convocar uma assembleia geral extraordinária :

"Art. 1.355 - Assembleias extraordinárias poderão ser convocadas pelo síndico ou por um quarto dos condôminos."

Aliás, tal possibilidade já era prevista na Lei n.º 4.591/64:

"Art. 25 - (...) poderá haver assembleias gerais extraordinárias, convocadas pelo síndico ou por condôminos que representem um quarto, no mínimo do condomínio, sempre que o exigirem os interesses gerais."

Se esse quórum mínimo não é observado, a assembleia pode ser anulada:

"Apelação – Ação declaratória cumulada com obrigação de fazer com indenização por danos morais – Convocação da assembleia que destituiu o síndico realizada de forma contrária ao disposto em Convenção Condominial e à norma do Código Civil – Ilegitimidade ativa reconhecida. O artigo 1.355 do Código Civil estabelece que a assembleia geral extraordinária deve ser convocada por um quarto dos condôminos, mesmo quórum estabelecido pela Convenção do condomínio autor – Inobservado o quórum para convocação, de se reconhecer que a destituição do síndico foi irregular, portanto, tem-se, consequentemente, a ilegitimidade ativa. Apelação desprovida, com observação." (TJSP, Apelação n.º 1105314-16.2017.8.26.0100, Relator Lino Machado, 30ª Câmara de Direito Privado, julgado em 06/02/2019) - sem destaque no original.

Portanto, a primeira regularidade a ser observada quando os moradores estão indignados com a síndica de seu condomínio e desejam destituí-la do poder é quanto ao quórum necessário para convocar a assembleia, valendo lembrar que devem todos estar adimplentes com suas obrigações:

"AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ASSEMBLEIA CONDOMINIAL. Inconformismo contra decisão que indeferiu a tutela de urgência consistente na recondução da agravante à função de síndica. Acervo probatório que, a este tempo, mostra-se suficiente para a formação da convicção. Ausência de quórum necessário à destituição da síndica, uma vez que dos condôminos presentes nove eram inadimplentes e não possuíam direito a voto. Não observância do prazo mínimo entre a convocação e a realização da assembleia. Demonstração de elementos que evidenciam a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco processual. Presença dos requisitos do artigo 300 do Código de Processo Civil/2015 que legitima o deferimento. Recurso provido." (TJSP, Agravo de Instrumento n.º 2120435-42.2018.8.26.0000, Relator Dimas Rubens Fonseca, 28ª Câmara de Direito Privado, julgado em 02/08/2018) - sem grifos no original

Aliás, essa questão da inadimplência é importante ser observada quanto aqueles que ocupam cargos de síndica, subsíndica e membros do conselho, sendo que todos eles devem estar com suas cotas condominiais em dia, pois como já mencionei em outra oportunidade, nas relações condominiais não é considerado ofensa, ou mesmo dano moral, tratar esse assunto em assembleia ou dar ciência aos moradores sobre as inadimplências, como continuam a entender os juízes:

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. INDENIZAÇÃO MORAL. Condômina demandante que alega ter sido destituída do cargo de Subsíndica por meio de Assembleia Extraordinária em razão de inadimplência, além de ter sido ofendida pela Síndica e por outras moradoras do Edifício, reclamando o retorno ao cargo além de indenização moral. SENTENÇA de improcedência. APELAÇÃO da autora, que pede a anulação da sentença por cerceamento de defesa, insistindo no mérito, pela procedência, com a inversão da sucumbência. REJEIÇÃO. Cerceamento de defesa não configurado. Prova documental constante dos autos que era suficiente para o deslinde da controvérsia. Dano moral indenizável não configurado. Majoração da honorária para doze por cento (12%) do valor atualizado da causa, observada a "gratuidade". Sentença mantida. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSP, Apelação nº 1042374-29.2015.8.26.0506, Relatora Daise Fajardo Nogueira Jacot, 27ª Câmara de Direito Privado, julgado em 27/11/2018.

Então os inadimplentes não podem se candidatar aos cargos de gestão do condomínio e, se o fizerem, nessa oportunidade em que o síndico será destituído, também pode ser realizada a eleição para substituir os inadimplentes no mesmo ato.

A segunda regularidade a ser observada para a destituição da síndica é quanto ao motivo dessa tomada de decisão, pois não basta qualquer animosidade, ou mesmo diferenças pessoais para possibilitar tal decisão. Em outras palavras, não é por qualquer motivo que a síndica pode ser destituída, ou sofrer impeachment, como preferem alguns, pois o Código Civil estipula que a decisão deve ser motivada:

"Art. 1.349. A assembleia, especialmente convocada para o fim estabelecido no § 2o do artigo antecedente, poderá, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, destituir o síndico que praticar irregularidades, não prestar contas, ou não administrar convenientemente o condomínio. - sem grifos no original.

Como se percebe da leitura do dispositivo acima, há um grau de subjetividade muito grande no comando "praticar irregularidades", e ainda mais no "não administrar convenientemente o condomínio", que possibilitam o respaldo do Poder Judiciário quando se consegue elementos convincentes da prática desses atos:

"APELAÇÃO – CONDOMÍNIO EM EDIFÍCIO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – DESTITUIÇÃO DA SÍNDICA – Alegação de que a autora teria sido destituída imotivadamente do cargo de síndica do condomínio réu – Ausente devolutividade recursal quanto a eventuais vícios formais incorridos na assembleia – O art. 1.349 do Código Civil possibilita a destituição do síndico em três hipóteses, quais sejam, prática de irregularidades, não prestação de contas ou administração inconveniente do condomínio – Nada obstante a auditoria realizada não tenha constatado desvios financeiros durante o período analisado, é certo que identificou diversas falhas na condução da gestão do condomínio pela autora, o que justifica sua destituição pela administração inadequada – Legitimidade da assembleia que deliberou pelo voto da maioria absoluta de seus membros a destituição da autora do cargo de síndica, não cabendo apreciação judicial para rever o mérito da decisão assemblear, que deve ser prestigiada – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO." (TJSP, Apelação n.º 1038335-75.2017.8.26.0002, Relator Luis Fernando Nishi, 32ª Câmara de Direito Privado, julgado em 21/11/2018). - sem grifos no original

Mas se a síndica recebe dinheiro do condomínio em sua própria conta corrente e não presta conta desses valores de forma detalhada, há de se convir que, no mínimo, imperará a desconfiança sobre a sua conduta, que num grau mais acentuado poderá resvalar até para a esfera criminal, caracterizando o crime de apropriação indébita. No caso a seguir reproduzido, a síndica foi condenada em segunda instância e pena de um ano e quatro meses de reclusão:

"Apelação criminal. Apropriação indébita. Condomínio. Síndico. Aquela que exercer a função de síndica não pode, sob pena de incorrer em infração à norma do artigo 168, parágrafo 1º, inciso II do Código Penal, apropriar-se das verbas condominiais para fazer frente a suas despesas e gastos pessoais, notadamente quando não previamente autorizada pela assembleia dos demais condôminos. (Apelação Criminal n.º 0099512-78.2015.8.26.0050, Relator Sérgio Mazina Martins, 2ª Câmara de Direito Criminal, julgado em 17/09/2018). - sem grifos no original.

O Código Penal, em seu artigo 168, possui conduta típica para o síndico que assim age, determinando:

Apropriação indébita
"Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa."
Aumento de pena
"§ 1º - A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa:
(...)
II - na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial;" - sem grifo no original.

Seja como for, sempre recomendo que por mais animosidade que exista - a ponto de se querer destituir a síndica, seja-lhe oportunizado se defender das acusações que lhe são feitas, em homenagem ao previsto na Constituição Federal que contém o 'princípio do contraditório', o 'princípio da ampla defesa' e o 'princípio do devido processo legal'. São elementos básicos que permitem ouvir o outro lado da história, para que os envolvidos possam se defender, e sem o qual, numa tentativa liminar de destituição da síndica pelas vias judiciais, pode não se contar com o respaldo dos juízes, como na decisão a seguir reproduzida:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO – INDEFERIMENTO DA LIMINAR – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – PEDIDO DE DESCONSTITUIÇÃO DE SÍNDICO. Mostra-se prematura a destituição de síndico e afastamento da administradora do condomínio em sede de liminar, sem que seja observado o contraditório e oportunizada a defesa pelas partes acusadas, que se encontram nessa posição – de síndico e administradora – há cerca de cinco anos sem qualquer oposição por parte dos demais condôminos. Alegações de omissão na criação de grupo de WhatsApp entre condôminos e demora na realização de reparo dos danos causados por infiltração que não são suficientes a fundamentar a excepcionalidade da medida pretendida. RECURSO IMPROVIDO." (TJSP, Agravo de Instrumento n.º 2165609-74.2018.8.26.0000, Relatora Maria Lúcia Pizzotti, 30ª Câmara de Direito Privado, julgado em 07/11/2018). - sem grifos no original

Uma última questão que acho importante abordar dentro desse assunto refere-se ao quórum para a aprovação de destituição da síndica na assembleia. Vou reproduzir novamente o artigo 1.349, destacando agora outra parte dele:

"Art. 1.349. A assembleia, especialmente convocada para o fim estabelecido no § 2o do artigo antecedente, poderá, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, destituir o síndico que praticar irregularidades, não prestar contas, ou não administrar convenientemente o condomínio. - sem grifos no original.

Então numa assembleia em segunda convocação com 11 participantes a 'maioria absoluta' (que já tive oportunidade de explicar como se caracteriza) somente seria obtida se 06 deles votarem pela destituição da síndica. Número menor, como por exemplo, 4 votos favoráveis, 3 contrários e 4 abstenções, caracterizar-se-ia como maioria simples.

Lembro, apenas por oportuno, que a assembleia que elege a síndica é aquela cujo quórum utilizado é a de maioria simples, parecendo-me que exigir a maioria absoluta dos presentes na assembleia em segunda chamada já é um quórum especial de bom tamanho para esse ato, sendo que alternativa a isso somente a da via judicial, em que o morador tentará mostrar ao juiz que a gestão da síndica é temerária e prejudicial ao condomínio e deverão ser produzidas provas, em procedimento mais demorado.

Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186

É advogado atuando majoritariamente na esfera condominial. Especialista em direito tributário na PUC/SP / Cogeae. Foi Ouvidor da AASP - Associação dos Advogados de São Paulo e foi Relator da 20ª Turma do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP. Bacharel em Filosofia.

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