São Paulo, 19 de janeiro de 2.024.
O vídeo de
Whatsapp mostrava uma motocicleta elétrica na garagem, carregando a bateria bem
próximo à região dos elevadores, e do nada começou um incêndio com labaredas
altas, que por pouco não atingiu o veículo vizinho.
Era julho de
2023, e recebi a seguinte mensagem da administradora:
“Administro um
condomínio onde uma moto elétrica foi colocada para recarregar a bateria e
acabou pegando fogo. Um dos conselheiros exige que haja uma punição para a
unidade causadora do incêndio. Vou enviar a filmagem para sua análise, Aguardo
retorno, muito obrigada.”
Na mesma semana o
síndico de um outro condomínio relatou fato semelhante, também com incêndio, em
que um morador desavisado tentou carregar o veículo em tomadas comuns...
Em ambos os
casos o incêndio foi contido, mas imagine só a proporção que isso poderia ter
tomado!
De lá para cá
muitas águas rolaram e a venda de veículos elétricos e híbridos cresceram muito,
demonstrando ser uma tendência, mas que não é acompanhada da respectiva
estrutura nos condomínios em que vivemos.
E como sempre,
aqueles que acreditam que podem fazer o que bem entender nas garagens acreditam
que tem o direito de instalar uma tomada, ou obrigar o condomínio a isso, mas a
coisa não é bem assim.
Em alguns casos
em que a situação foi submetida ao Poder Judiciário há uma tendência em negar
essa possibilidade a condôminos desavisados, julgando as ações improcedentes.
Tomei ciência
desses julgados através de uma matéria do Conjur
de 18/01/2024, com levantamento feito pelo advogado Gabriel de Britto Silva, da
Comissão de Direito Condominial da OAB/RJ.
Abaixo vou
relatar três casos bem interessantes, pela amplitude dos assuntos discutidos,
envolvendo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, embora também existem
casos relatados dos Tribunais de Justiça dos Estados de Ceará, Rio de Janeiro,
além do Distrito Federal.
A primeira
questão posta é que quem adquire um veículo desse tipo deve, ou ao menos
deveria se preocupar em saber se o condomínio possui estrutura para receber
mais essa carga elétrica e onde a tomada poderia ser instalada.
E justamente por
isso, ou seja, por tratar de algo que vai mexer com a fiação elétrica (lembremos
das Convenções de Condomínio, que estipulam que a fiação elétrica faz parte das
áreas comuns, com seus tubos e fios), há a necessidade de aprovação em
assembleia com quórum qualificado de 2/3 da totalidade do condomínio, e não
apenas dos presentes em assembleia, consoante dispõe o Código Civil:
“Art. 1.342. A realização de obras, em partes
comuns, em acréscimo às já existentes, a fim de lhes facilitar ou aumentar a
utilização, depende da aprovação de dois terços dos votos dos condôminos, não
sendo permitidas construções, nas partes comuns, suscetíveis de prejudicar a
utilização, por qualquer dos condôminos, das partes próprias, ou comuns.”
Portanto, não
basta contratar uma empresa qualificada para fazer a instalação correta, com
ART devidamente emitida por um engenheiro elétrico, sem que isso tenha sido
aprovado em assembleia de condomínio.
E daí também já
podemos observar que o síndico não
possui autonomia para tomar essa medida sem antes consultar uma assembleia.
Outra coisa: pela
leitura do artigo 1.342, temos também “não sendo permitidas construções, nas partes
comuns, suscetíveis de prejudicar a utilização, por qualquer dos condôminos,
das partes próprias, ou comuns”.
Isso significa
que o condômino não pode instalar a
tomada na sua própria vaga, ainda que ele arque com os custos, pois com isso ele impediria o uso da
tomada pelos demais moradores – lembrando que as fiações,
tomadas, etc., fazem parte das áreas comuns.
E se apenas uma
tomada for instalada em uma vaga genérica, não demarcada para qualquer unidade,
como se dará o uso por todos os proprietários de veículos elétricos, sem
prejudicar o uso dos demais condôminos, e sem aprovar previamente as
respectivas regras numa assembleia, considerando que a carga não ocorrerá com
rapidez?
Assim, esse
primeiro ponto é intransponível: deve
ocorrer aprovação em assembleia, e ainda assim, estipulando as regras de uso
para que ninguém seja privado, caso futuramente todos passem a ter veículos
elétricos ou híbridos. Mas há também outras questões.
Num dos
processos existentes o condomínio, instado pelo morador, pediu a elaboração de
um laudo pericial antes mesmo da instauração do processo judicial, sendo que
ele serviu de parâmetro para a conclusão do Desembargador Romolo Russo, que
assim discorreu em sua decisão:
“O laudo pericial é conclusivo no sentido que somente
poderia ser instalada 01 única estação de carregamento por subsolo. Instalação
na vaga privativa dos autores impediria que os outros condôminos pudessem
usufruir do mesmo privilégio caso futuramente adquirissem carros elétricos.”
Perceba-se, portanto,
que num cenário em que todos os veículos fossem elétricos – e deve-se fazer
esse tipo de elucubração, pode ser que o próprio condomínio não tenha estrutura
energética para comportar tamanha demanda.
Isso também
evidencia que esse assunto exige estudo, discussões internas, e com todos os
elementos disponíveis para uma decisão, somente assim deve ser levado à
assembleia, pois caso contrário será perda de tempo.
Assim, se no seu
prédio um morador instalou uma tomada indevidamente, ele deve ser instado a
desfazê-la imediatamente, pois está desrespeitando as regras internas já
existentes, e pode colocar em risco o prédio com a possibilidade de incêndio.
Será que ao
saber da instalação de tomadas para abastecimento de veículos elétricos, ainda
que feito por empresa autorizada, a
seguradora cobriria eventual sinistro? Quais são os riscos
envolvidos? A seguradora foi consultada? Tudo isso é algo a ser discutido.
A Lei n.º 4.591,
de 16/12/1964, possui diversas regras que valem até hoje:
“Art. 10. É defeso a
qualquer condômino:
(...)
III - destinar a unidade a utilização
diversa de finalidade do prédio, ou usá-la de forma nociva ou perigosa ao sossego,
à salubridade e à segurança dos demais condôminos;
IV- Embaraçar o uso das
partes comuns.
§ 1º O transgressor ficará
sujeito ao pagamento de multa prevista na convenção ou no regulamento do
condomínio, além de ser compelido a desfazer a obra ou abster-se da prática
do ato, cabendo, ao síndico, com autorização judicial, mandar desmanchá-la,
à custa do transgressor, se este não a desfizer no prazo que lhe for
estipulado.
Já o Código
Civil, assim dispõe quanto aos direitos e obrigações:
“Art. 1.335. São direitos do condômino:
(...)
II - Usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e
contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores;
(...)”.
“Art. 1.336. São deveres do condômino:
(...)
IV - Dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não
as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança
dos possuidores, ou aos bons costumes.
(...)
§2o O condômino, que não cumprir qualquer
dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato
constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o
valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que
se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, por
dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da
multa.”
Vale a pena
reproduzir trecho das decisões judiciais existentes, sendo que no Acórdão do
processo n.º 1037014-26.2022.8.26.0100, de lavra do Desembargador Rômolo Russo,
Relator do caso, da 34ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo, de 16/10/2023, assim foi redigita da Ementa:
“Apelação Cível. Ação de obrigação de fazer. Sentença de
improcedência do pedido. Inconformismo por parte dos autores. Não acolhimento.
Instalação de equipamento para o carregamento de veículo elétrico em vaga de
garagem privativa. Questão que deve ser decidida em assembleia. Inteligência do
art. 1342 do CC. Laudo pericial conclusivo no sentido que somente poderia ser
instalada 01 única estação de carregamento por subsolo. Instalação na vaga
privativa dos autores impediria que os outros condôminos pudessem usufruir do
mesmo privilégio caso futuramente adquirissem carros elétricos. Incidência do
artigo 1335, II, do Código Civil. Sentença mantida, inclusive por seus próprios
fundamentos. Recurso de Apelação desprovido.”
Para sustentar
sua argumentação o Des. Rômolo Russo se embasou na própria sentença, que assim
dispôs:
“O pedido é improcedente.
Não pode o Poder Judiciário intervir em questão que deve
ser debatida pelo órgão condominial competente a tanto. Significa dizer, não se
pode determinar ao réu que promova a instalação de equipamentos elétricos na
vaga de garagem dos autores, ainda que a sua realização não implique risco ao
imóvel.
Afinal, a questão há de ser discutida pelos condôminos,
nos termos da convenção do condomínio, de modo que a intervenção judicial
somente se justifica em caso de omissão do réu.
Todavia, nada há nos autos que o condomínio se manteve
inerte frente o pedido administrativo formulado pelos autores.
Ao revés, o e-mail de fls. 44 indica que o réu solicitou
estudo técnico sobre o assunto para que, posteriormente, seja convocada
assembleia para deliberar sobre a questão.
Aliás, o fato de inexistir impeditivo técnico para a
instalação de uma unidade de carregamento não implica direito dos autores em
ter o equipamento instalado para uso próprio, ainda que arque com os custos
correlatos. A partir do momento em que os autores anuem em residir no
condomínio réu, estes se submetem às regras condominiais, devendo prevalecer o
interesse da maioria (nos termos das convenções vigentes), a ser manifestado
perante o órgão condominial competente.
Em resumo, não havendo inércia por parte do réu, inexiste
motivo que justifique a intervenção judicial no assunto que deve ser tratado interna
corporis.”
Já no processo
n.º 1011178-51.2022.8.26.0003, a Desembargadora Angela Lopes, Relatora do feito,
da 28ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
em 17/04/2023, assim ementou sua decisão:
“AÇÃO COMINATÓRIA – CONDOMÍNIO EDILÍCIO – Autor que
pretende obter autorização para, sob sua responsabilidade e custeio, implantar
tomada para carregamento de veículo híbrido em uma de suas vagas de garagem, o
que lhe foi negado pelo Condomínio réu – Sentença de improcedência – Recurso do
autor – Descabimento – Réu que logrou demonstrar que a pretensão ora debatida
foi submetida a decisão assemblear recusada por maioria de votos, o que, por si
só basta para fins de improcedência da demanda – Vaga de garagem que embora
seja de uso privativo, localiza-se em espaço comum – Precedente desta Câmara –
Honorários recursais devidos – RECURSO DESPROVIDO
Ao embasar sua
decisão a Dra. Angela citou trecho da Ata da Assembleia do condomínio em
questão, onde constou:
“(...) o condomínio não tem infraestrutura e não tem
previsão em projeto para carros elétricos e que não serão autorizadas
instalações individuais e no futuro o condomínio poderá estudar a implantação
de infraestrutura para todos, desde que viável tecnicamente, inclusive no que
tange a carga elétrica do empreendimento, que deverá ser alvo de estudo técnico
por engenheiro especializado, mas mediante prévia aprovação de futura
assembleia, não sendo tal tema prioridade nesse momento.”
E a Desembargadora
também citou um outro julgado, que remonta a 10/03/2020, cujo Relator foi o
Desembargador Cesar Luiz de Almeida, da 28ª Câmara de Direito Privado, na
Apelação Cível processo n.º 1018652-78.2019.8.26.0100:
“APELAÇÃO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – SENTENÇA DE
PROCEDÊNCIA – Proprietário de unidade condominial que instalou central de
carregamento para veículo híbrido em vaga de garagem de uso coletivo e rotativo.
Ausência de prévia autorização da assembleia. Instalação efetuada por empresa
especializada e com emissão de anotação de responsabilidade técnica que não
autoriza a violação à convenção de condomínio – cabível a majoração de
honorários advocatícios nos termos do artigo 85, §11 do CPC – Sentença mantida.
Desprovido.”
O Dr. Cesar Luiz
de Almeida, no corpo de seu Acórdão, ressaltou que:
“Pois bem, estabelecida a natureza da vaga de garagem
como área comum do edifício, cediço que a mesma não pode ser alterada a
critério de cada condômino, devendo prevalecer o entendimento de que o limite
da proibição é o interesse coletivo.
Assim, em que pese não haver previsão específica
proibindo a instalação da central de abastecimento elétrico para veículo
híbrido, mostra-se intuitiva a delimitação das liberdades individuais dos
condôminos para a coexistência da coletividade condominial, sendo de rigor o
seu desfazimento.”
Conclusão
Portanto, entendo que o síndico não deve autorizar a
instalação de carregadores para veículos híbridos sem antes consultar a
assembleia, cuja aprovação deve-se dar por quórum qualificado de 2/3, e se já
houve a instalação, o condômino deve ser instado a desfazê-la.
Outra questão a ser superada é a de segurança envolvida,
inclusive quanto a cobertura do seguro em caso de incêndio. Será que a
instalação do carregador vai encarecer o seguro do condomínio? Haverá cobertura
em caso de sinistro? A seguradora foi consultada?
Perceba-se que a assembleia deve criar regras para que os
demais condôminos não tenham seu direito de uso das áreas comuns tolhido, e além
disso também é necessário um estudo técnico, realizado por engenheiro
devidamente especializado no tema.
Já pensou se cada condômino instalar uma tomada de
empresas diferentes, com qualidades diferentes, enfim, será que o condomínio
possui capacidade para isso ou deve agir para padronizar as instalações, caso
sejam possíveis?
O objetivo desse texto é apenas fomentar a discussão que
se inicia em alguns condomínios, mas que em outros está bem avançada, e evitar
que se permita que os mais afoitos prejudiquem a segurança da comunidade
condominial.
Joel dos Santos Leitão
OAB/SP nº. 173.186
É advogado empresarial, atuando majoritariamente na
esfera condominial. Especialista em direito tributário na PUC/SP - Cogeae. Foi
Ouvidor da AASP - Associação dos Advogados de São Paulo e Relator da 20ª Turma
do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP. Bacharel em Filosofia.